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 | Evaristo Sá/AFP
| Foto: Evaristo Sá/AFP

O juiz Sergio Moro divulgou um vídeo no qual diz aos apoiadores da Operação Lava Jato que eles não precisam se manifestar diante do prédio da Justiça Federal, para evitar discussões ou conflitos. A Arquidiocese de Curitiba vetou o uso da Catedral em um ato ecumênico que havia sido marcado para a noite de terça-feira, dia 9, e que corria o risco de virar um evento político-partidário. As autoridades montaram um esquema de segurança para as proximidades da sede da Justiça Federal, e a Justiça proibiu a montagem de acampamentos em ruas e praças de Curitiba. Todas essas são atitudes de prudência, em vista do depoimento que o ex-presidente Lula dará nesta quarta-feira ao juiz Moro, como parte do processo em que Lula é acusado de ter recebido, como parte da propina paga por uma empreiteira, um tríplex no litoral paulista.

Os apoiadores do ex-presidente, no entanto, já atrapalharam a volta do curitibano para casa na terça-feira com uma caminhada do terreno vizinho à Rodoferroviária (no qual foi instalado um acampamento após reunião entre órgãos municipais e estaduais) até a Praça Tiradentes. O calendário da quarta-feira prevê que a militância se limite à Praça Santos Andrade, onde o próprio Lula deve comparecer no fim da tarde. Manifestação, como já dissemos, legítima, desde que não prejudique os direitos dos demais, inclusive o direito de ir e vir, e se mantenha pacífica – por mais que o petismo e suas entidades satélites nunca vejam com maus olhos uma escalada de provocações que leve a conflitos, especialmente com a polícia, já que eles são convenientes para a construção da narrativa da “criminalização do PT”.

Um procedimento corriqueiro de um processo criminal está sendo transformado em carnaval fora de época

Narrativas, aliás, não faltarão nesta quarta-feira. A começar por aquela que coloca em pé de igualdade Lula e Moro como protagonistas de um embate, quando na verdade um é réu e outro, o juiz que vai julgá-lo – difícil imaginar posições mais díspares. Aliás, a construção dessa narrativa omite a participação do Ministério Público Federal, que foi o responsável por oferecer a acusação contra Lula. Não se trata de esquecimento, mas de estratégia, pois a força-tarefa já tem, digamos, lado definido; é mais conveniente centrar fogo em Moro como antagonista de Lula, pois esse discurso lança uma pecha de parcialidade sobre a figura que, no processo, precisa agir com isenção. Convém ao petismo fazer colar o discurso de que o juiz não está agindo como deve, que é guiado por interesses outros, mais escusos. Só assim o discurso de perseguição política tem alguma chance de prosperar.

O ex-presidente também já deve estar com o discurso afiado, o mesmo que usou quando depôs em Brasília, no processo em que é acusado de obstruir a Justiça. Na ocasião, bravateou o fato de liderar pesquisas de opinião de intenção de voto para 2018 – o que não tinha a menor relação com o assunto do depoimento – e até disse que as pessoas deveriam ler a Bíblia para aprender a “não citar seu nome em vão”, como se Lula fosse alguma divindade. Embora nenhuma das realizações de Lula na Presidência da República esteja sob julgamento, a lenda do “melhor presidente da história deste país” – por mais que os feitos de Lula já tenham sido quase todos anulados pelos efeitos da crise econômica gestada nos últimos anos de seu governo – será inevitavelmente evocada, durante o depoimento ou depois dele, para retomar o discurso do homem público perseguido porque trabalhou pelos pobres, em uma vingança da elite que não suporta se sentar ao lado de um pobre em um avião.

Leia também:O depoimento de Lula (editorial de 8 de maio de 2017)

Leia também:Lula em Curitiba e a lição de Talleyrand (coluna de Bruno Garschagen, publicada em 8 de maio de 2017)

Um procedimento corriqueiro de um processo criminal, o depoimento do réu, está sendo transformado em um carnaval fora de época movido por uma guerra de narrativas que distorce deliberadamente a verdade ao transformar o trabalho da Justiça em luta de classes ou perseguição política típica de regimes de exceção. A desmoralização das instituições não cessou com a saída do lulopetismo no poder, e nesta quarta-feira será novamente colocada em prática.

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