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| Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Na noite de quarta-feira, o presidente Michel Temer escapou de ver a denúncia apresentada contra ele pela Procuradoria-Geral da República analisada pelo Supremo Tribunal Federal, o que levaria a seu afastamento e até mesmo a sua cassação. Precisando de 172 votos favoráveis, o presidente conseguiu 263. Já os deputados favoráveis ao encaminhamento da denúncia ao STF foram 227, incluindo integrantes de vários partidos da base aliada e do próprio PMDB.

Como afirmamos neste espaço antes da votação, havia as mais diversas motivações para os votos: deputados da oposição de esquerda diriam seu “não” (rejeitando o relatório que pedia o arquivamento) ainda que Temer estivesse acima de qualquer suspeita; para esses parlamentares, o presidente é um “golpista”, e para retirá-lo do poder vale inclusive usar os mesmos meios que eles condenavam pouco mais de um ano atrás. Muitos deles ainda alimentam a esperança de que uma eventual queda de Temer permitisse uma eleição direta para o mandato-tampão, que seria, em seus sonhos, vencida por Lula – que mataria dois coelhos com uma cajadada só, devolvendo o PT ao poder e escapando da Justiça. E não é desprezível o número de deputados que votaram “sim” após algum afago do Planalto, especialmente na forma de cargos para seus apadrinhados.

A convicção de que nenhuma corrupção pode ser tolerada foi justificativa mais que suficiente para um voto “não”

Nosso olhar, hoje, não se volta a esses deputados, mas àqueles que se viram em uma situação complicada, um autêntico beco sem saída, guiando-se apenas por sua consciência, e não por canetadas governamentais: falamos dos que apoiam a pauta de reformas conduzida por Temer por convicção, e não por conveniência, mas ao mesmo tempo compreendem o mal enorme que a corrupção causa ao país. Esses parlamentares acabaram se dividindo durante a votação – o caso mais comentado foi o de Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo, que não têm simpatia nenhuma pela esquerda e votaram “não”, ou seja, contra Michel Temer.

Vários dos deputados que votaram “sim” alegaram que Michel Temer pode responder pelas acusações lançadas contra ele pela PGR quando deixar o Planalto, em 2019. Essa linha de raciocínio parece admitir que a denúncia tem lá sua consistência, mas que no momento é mais importante seguir adiante com as reformas – que são, sim, necessárias e que nenhum outro governo até o momento teve a coragem de propor – e com a recuperação da economia. E, por mais que o PT esteja hoje acuado pela condenação de Lula e escancare sua face autoritária ao defender o regime venezuelano, o partido não está morto, muito pelo contrário. O temor de que a esquerda volte ao poder e coloque a perder todo esse esforço reformista e de estabilização, mesmo em uma eleição indireta, não é de todo infundado. Portanto, entre o mal de um presidente suspeito e o mal de uma sucessão em que tudo pode acontecer, fica-se com o mal conhecido.

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No entanto, por mais que essa postura seja compreensível, ela também gera perguntas que precisam ser respondidas: devemos mesmo tolerar a permanência de um suspeito de corrupção no mais alto cargo da nação caso seu desempenho em outras áreas, especialmente a economia, seja notável? Não seria essa uma versão mais refinada do “rouba, mas faz”? Se acreditamos que o exemplo também vem de cima, não deveríamos lutar para que o cargo mais alto do país fosse ocupado por gente ilibada? A convicção de que nenhuma corrupção pode ser tolerada foi justificativa mais que suficiente para um voto “não” na quarta-feira. Isso não significa igualar ladroagens; como já dissemos, é fundamental saber distinguir entre os que roubam em proveito próprio e os que roubam para fraudar a democracia e instalar um projeto de poder total, mas nem por isso aqueles merecem mais tolerância. Quem pensa assim e votou guiado por esta convicção na quarta-feira também merece toda a consideração.

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