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René Ariel Dotti foi advogado da Petrobras e assistente de acusação no julgamento de Lula em Porto Alegre | Sylvio Sirangelo/TRF4
René Ariel Dotti foi advogado da Petrobras e assistente de acusação no julgamento de Lula em Porto Alegre| Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4

O advogado da Petrobras René Ariel Dotti, assistente de acusação no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não caiu ali por acaso. Para o criminalista curitibano, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e um dos mais renomados juristas do Brasil, o petróleo é coisa seríssima. Aos 83 anos, o homem que ajudou a redigir o Código Penal brasileiro coloca o mais recente episódio, a defesa da Petrobras, como o ponto alto de sua destacável trajetória. Uma satisfação pessoal.

“Eu pretendia fazer um discurso mais forte contra o PT, dizendo que o partido organizou um golpe de estado sem violência, pela corrupção, para se manter no governo. Mas a empresa entendeu que isso criaria uma frente para polêmica”, explicou. Para ele, o resultado do julgamento – três votos favoráveis pela condenação de Lula – traz um impacto muito grande e que vai exigir ainda mais esforço da defesa de Lula. “A técnica adotada pela defesa é conhecida pelos criminalistas. Ela vem inclusive de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler. Diz que uma mentira afirmada mil vezes vale mais do que uma verdade. Então daí vem o fato de o advogado insistir, insistir, insistir de que não havia prova”, afirma.

O caminho da defesa será árduo, na avaliação do penalista. Ainda que seja possível entrar com recursos, Dotti avalia que a medida só serviria para ganhar tempo. O jurista conversou por telefone com a Gazeta do Povo um dia depois do julgamento de Lula. Confira a entrevista:

O senhor esperava uma decisão unânime do colegiado do TRF-4?

Não é que tenho a perspectiva segura de um julgamento. A gente diz para o cliente: ‘nós vamos fazer o possível para obter o seu direito, mas quem julga é o juiz’. Então trabalhamos com probabilidades. Eu tinha convicção de que o relator [João Pedro Gebran Neto, primeiro a votar] votaria daquela maneira por casos anteriores em que ele havia votado na Lava Jato. Mas não sabia que o voto dele seria assim tão minucioso. E também acreditava no voto de Leandro Paulsen porque é um juiz muito respeitado, muito estudioso. Quanto ao terceiro voto eu tinha dúvida, mas não era dúvida razoável. Eu achava que pelo menos dois votos seriam condenatórios.

Qual é o impacto dessa decisão da forma como foi tomada?

É muito grande. Esse resultado é como um jogo de futebol de grande disputa, onde um adversário pensa em fazer um gol pelo menos para evitar ser rebaixado. E esse gol não houve. Então isso representa simbolicamente um entendimento sem discrepância entre os juízes.

Isso vai exigir então uma mudança drástica na estratégia da defesa...

A técnica adotada pela defesa é conhecida pelos criminalistas. Ela vem inclusive de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler. Diz que uma mentira afirmada mil vezes vale mais do que uma verdade. Então daí vem o fato de o advogado insistir, insistir, insistir de que não havia prova. Eu reconheço que a imprensa tinha que dar espaço para ele, afinal é um ex-presidente que estava sendo julgado e o advogado dele tinha direito a palavra. Mas a partir desse momento, quando ele vier novamente, dá para dizer: ‘peraí, eu acompanhei; o senhor está blefando’.

Quais movimentos pode se esperar da defesa daqui em diante?

Digamos que um juiz tivesse dado uma pena de 12 anos, outro de dez anos e outro de nove. Aí cabe recurso. Então tenho a impressão de que na medida em que um seguiu a opinião do outro, embora por fundamentos diversos, eles foram inteligentes para dizer; ‘não, já houve tanto recurso neste caso’. E realmente. Esse foi o caso criminal no Brasil que teve o maior número de Habeas corpus, de suspeição de juiz, de suspeição de tribunal. Foram mais de 400 casos de processos incidentes – aqueles que sustentam defeitos do processo principal. E esses incidentes chegaram ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF. Todos foram vencidos. A margem que eles [a defesa] têm agora, digamos, é de um recurso de embargo declaratório [quando existe na decisão alguma contradição ou alguma omissão. Por exemplo: em, vez de citar um artigo certo do Código Penal pelo qual puniu, cita outro]. Mas isso não discute mais o caso. Só discute se houver uma omissão ou contradição. Esse é um julgamento relativamente simples, quem tem que ser interposto dois dias depois de publicado. Há duas oportunidades: um recurso para o Superior Tribunal de Justiça e um último para o Supremo. Para o STF somente é possível se houvesse uma decisão contrária à Constituição. Mas o tribunal da quarta região está previsto na Constituição para julgar estes casos. Portanto está de acordo com ela. E o STJ examina se aquela decisão do tribunal de Porto Alegre foi contrária a uma outra decisão. É difícil essa comparação porque são poucos os processos da Lava Jato na jurisprudência de forma geral. Mas nem STF e nem STJ podem rever o caso quanto a provas. Isto é, aquilo que eles entenderam [no Rio Grande do Sul] permanece. O presidente está com a mulher, lá no apartamento com o dono da obra. Isso é um indício muito forte de que ele é dono do apartamento. O que o tribunal disse não pode ser reexaminado pelo Superior Tribunal. Não pode chegar a uma conclusão diferente, dizendo que não há prova. Não se examina mais esses aspectos de documentos, depoimentos, e-mails, etc. Só aspecto técnico da lei. Só se for possível anular o processo. Eu acho muito difícil porque houve vários recursos que chegaram aos tribunais e foram negados. A repetição destes recursos é só para ganhar mais tempo com o caso.

Sua fala na abertura do julgamento pareceu mais amena em relação a discursos e entrevistas anteriores.

Eu pretendia fazer um discurso mais forte contra o PT, dizendo que o partido organizou um golpe de estado sem violência, pela corrupção, para se manter no governo. Mas a empresa entendeu que isso criaria uma frente para polêmica. Naquela fala meu interesse foi demonstrar que a Petrobras historicamente foi vítima, desde os anos 1950. E depois agora em função desse golpe. E que ela tem procurado aprimorar os meios de controle. Fiz um discurso de esperança em vez de um discurso de crítica contra o PT. Conversamos sobre isso e eu concordei. O mais adequado era deixar com o procurador o exame da prova e do comportamento do partido político.

O senador Roberto Requião (MDB) sugeriu que o senhor estivesse do lado errado. Já pôde respondê-lo?

Eu encontrei com ele na viagem [de volta para Curitiba, na manhã de quinta-feira]. Quando passei pelo banco dele ele me disse: “René, você falou muito bem”. Eu disse: “eu vi o teu texto, rapaz. Mas você viu que eu estava do lado certo, né?”. Rimos bastante. Durante muito tempo fui advogado dele.

O senhor tem uma carreira imponente como jurista, como classifica este caso em sua trajetória?

Foi o mais importante. Quando eu tinha 20 anos eu entrei na faculdade, em 1954. Naquela época havia a fermentação cívica da minha geração. Nós não tínhamos equipamento de distração, como o computador. Não tínhamos automóvel naquela época. Então para alguns casos a gente batia continência. A luta pelo petróleo foi isso. Em 54 o movimento O Petróleo é Nosso foi grande [O movimento foi uma batalha travada no governo Getúlio Vargas contra o capital estrangeiro na exploração das reservas petrolíferas brasileiras]. Os jornais falavam muito no Monteiro Lobato [uma das vozes desse movimento], que conhecíamos pela literatura infantil. Aquilo tudo sedimentou na minha vida uma espécie de frustração por não ter satisfeito o nosso país em uma riqueza natural [O movimento levou a uma queda de braço entre Brasil EUA que culminou no esgotamento político de Vargas]. Passados os anos surgiu essa oportunidade para que pudéssemos trabalhar para a Petrobras. Nosso trabalho específico foi acompanhar os inquéritos para mostrar que a Petrobras é vítima. Consequentemente, sendo vítima, o produto do crime deve se reverter em favor da vítima. Estamos conseguindo o ressarcimento. Outro dia o Ministério Público fez uma entrega de mais de R$ 6 bilhões. Para mim foi importante e entusiasmante do ponto de vista afetivo.

Tê-lo em um papel fundamental, assim como o juiz Sergio Moro, ambos de Curitiba, é importante para o orgulho da cidade. Coloca a capital no protagonismo da história do país?

Eu tenho uma vida muito recolhida de escritório-casa, casa-escritório. Mas meço isso pelos telefonemas e cumprimentos pelo Whatsapp. Na viagem, muita gente me encontrou. Está crescendo um movimento de simpatia pelo caso.

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