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Muitos caminhões já eram vistos circulando na BR-116, na região de Curitiba, no fim da tarde desta quarta-feira (30). | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Muitos caminhões já eram vistos circulando na BR-116, na região de Curitiba, no fim da tarde desta quarta-feira (30).| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O clima era de fim de mobilização no Posto Costa Brava, em Campina Grande do Sul, região metropolitana de Curitiba, na tarde desta quarta-feira (30). Um sinal evidente de que a greve dos caminhoneiros, iniciada dez dias atrás, chegou ao fim. Por volta das 16 horas, o local contava com no máximo 20 carretas – chegou a ter cerca de 800 caminhões ao longo da paralisação, junto com o Posto Cupim, do outro lado da rodovia, segundo Plínio Dias, presidente do Sindicato dos Caminhoneiros de São José dos Pinhais e secretário da Federação Nacional dos Transportadores. Muitos caminhoneiros já tomavam o rumo da BR-116.

Dois caminhões do Exército e outros três jipes chegaram por volta das 15 horas para assegurar que caminhões de cargas essenciais que passavam pela rodovia não tivessem o trajeto interrompido. Seis viaturas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e três da Polícia Militar estavam posicionadas com objetivo de evitar que caminhoneiros que quisessem deixar a mobilização fossem impedidos por grevistas. Um helicóptero da PM chegou a sobrevoar o local.

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Segundo o inspetor Zardo, da PRF, não houve registros de motoristas coagidos no posto. Caminhoneiros ouvidos pela reportagem, assim como o presidente do sindicato, garantiram que ninguém foi impedido de deixar o local onde a mobilização se instalou desde o dia 20.

Ao contrário do observado nos dias anteriores, uma quantidade considerável de caminhões já circulava pela BR-116 tanto no sentido São Paulo quanto no sentido Curitiba. Boa parte deles buzinavam ao passar diante do posto.

Insatisfação

Apesar da desmobilização evidente, e do cansaço visível, o clima era de revolta entre os últimos caminhoneiros no posto. A principal reclamação dos motoristas era de que a mobilização precisava continuar, e que as associações, sindicatos e federações que costuraram o acordo com o governo federal não representam a categoria.

Enquanto se preparavam para deixar o posto, reclamavam do presidente Michel Temer, da pouca adesão da população local – que segundo eles, embora tenha ajudado com alimentos e demais mantimentos, deixou o apoio assim que os postos começaram a receber combustíveis –, e do resultado das negociações entre governo federal e entidades. Para a maioria, os verdadeiros motoristas autônomos não foram ouvidos, e os dez dias parados foram de prejuízo.

Muitos caminhões já eram vistos circulando na BR-116, na região de Curitiba, no fim da tarde desta quarta-feira (30). Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

“Diumar Bueno não representa a gente, Fonseca não representa”, reclamou Rodrigo Martins, 35 anos, citando os presidentes da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) e da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), entidades que participaram das negociações com o governo. “A verdade é a seguinte, foram lá, se venderam e se venderam bonito”, protestou.

Segundo informações do governo federal, no início da noite desta quarta-feira havia 197 pontos de concentração de manifestantes, porém apenas duas rodovias permaneciam bloqueadas. Caminhoneiros que estavam em pontos de bloqueio nas rodovias Presidente Dutra, em Jacareí, e na Regis Bittencourt, próximo ao Embu das Artes, em São Paulo, começaram a deixar os pontos de bloqueio pacificamente durante a manhã.

No início da noite, a maioria dos postos de Curitiba já tinham recebido combustíveis. Antes de voltar ao caminhão para ir embora, Martins se dirigiu à tenda onde estava Plínio e gritou “Nunca mais falem de greve na minha frente”.

“Não sei o que vou fazer”

Alexander da Silva Cruz, de 44 anos, é caminhoneiro há 27. Filho, sobrinho e irmão de motoristas de caminhão, conta que participou de uma greve em 1998, quando ficou concentrado na rodovia Anhanguera, em São Paulo. “Lá nós apanhamos, mas aqui foi civilizado”.

Crítico quanto ao posicionamento das associações que negociaram acordo com o governo federal, Alexander avaliou que os dez dias parados à beira da BR-116 não serviram de nada, e que a mobilização não deveria ter aceitado a participação dos sindicatos. Como o resultado não foi o que esperava, o motorista, pai de quatro filhos, que se preparava para ir embora do posto, disse que ia colocar o caminhão à venda sem ter ideia do que fará ao deixar a profissão. “Minha família está no ramo há 60 anos”, recorda. “Não sei o que vou fazer”

Um dos caminhões parados no posto trazia uma faixa com a inscrição “Intervenção Militar Já”, pichada com spray. Perguntado sobre o assunto, Alexander se disse favorável, mas que, com a participação no trabalho de desobstrução das rodovias pelo país, para ele as forças armadas perderam a credibilidade.

“Eu tinha a maior fé no Exército brasileiro, hoje não tenho mais. Para mim, é só mais uma pecinha manipulada pelo governo”, queixou-se.

“Eu amo ser motorista”

Walter Pereira, de 34 anos, foi um dos manifestantes que levantou a voz diante do presidente do sindicato para questionar a decisão de encerrar a mobilização depois do acordo selado com o governo federal. Com 34 anos e junto do pai, o também caminhoneiro Daniel Pereira, de 66, contou que estava há 40 dias fora de casa. Irritado, chegou a chorar durante a discussão com Plínio.

“Saí de casa, meu filho tinha um mês. Agora meu filho está fazendo três meses. Deixo minha carreta em São Paulo, o cara diz que vai me mandar embora, venho para a manifestação onde eu moro e a população não vem ajudar?”, questionou, engrossando o coro daqueles que sentiram falta da participação dos moradores de Quatro Barras e Campina Grande do Sul. Morador da região, Walter disse que voltou da capital paulista de carona para participar da mobilização.

“Tenho 34 anos, estudei até a sétima série e amo ser motorista. Eu amo, cara.Se alguém fala mal de vocês [se referindo aos colegas em volta], eu vou para casa, eu choro”, lamenta, com a voz embargada.

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Para outro motorista, que preferiu não se identificar, o erro foi incluir na pauta dos caminhoneiros um apelo também pela redução do preço da gasolina e do etanol. “Se a gente tivesse brigado só pelo diesel e pelo frete, a gente tinha ganhado”, completou Walter. Para eles, inserir outros temas na luta enfraqueceu o movimento, já que, segundo contam, tão logo os postos passaram a receber combustível, moradores da região deixaram a mobilização.

Motorista há 44 anos, Daniel Pereira classifica o acordo definido entre governo e associações representantes da categoria como “dar uma migalha a quem não almoçou”. Para ele, a luta era por algo maior, e cita como um dos itens pedidos pela classe a redução do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que incide sobre o óleo diesel. O governo do Paraná anunciou, no último dia 27, a redução da base de cálculo e o congelamento do tributo: a base vai passar de R$ 3,20 para R$ 2,95 a partir de 1º de junho, e será mantida por três meses.

De olho no frete

Alvo de críticas, Plínio classifica que a pauta de reivindicações dos caminhoneiros foi atendida em 40%, mas que se a maioria optou por voltar às atividades, o sindicato decidiu por acompanhar e desmobilizar a paralisação. Ele entende que a redução de R$ 0,46 no preço do litro do óleo diesel só vai ajudar efetivamente a categoria se “essa tabela de frete que a gente ganhou, que seja corrigida com aumento do diesel. Se for assim, a gente vai conseguir sair do sufoco, que se subir o diesel, sobe o frete. Subiu o pedágio, ela acompanhe”.

A Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) informou que publicará na quinta-feira (1º de julho), em edição do Diário Oficial da União, a Resolução nº 5.820, de 30 de maio de 2018, que apresenta a tabela com os preços mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, instituída pela Medida Provisória nº 832, de 27 de maio de 2018. Os números incluídos na resolução terão validade até 20 de janeiro de 2019. A MP define que novas tabelas sejam publicadas até os dias 20 de janeiro e de julho de cada ano, e ficam válidas para o semestre que forem editadas.

Para ele, 80% dos caminhoneiros que estiveram no posto da BR-116 durante os dez dias entenderam que o momento é de esperar os efeitos do acordo firmado com o governo ao longo dos próximos meses. E que os que não compreenderam agora, devem perceber as melhorias no longo prazo. “Não adianta tentar pegar problemas que estão há 30 anos nas nossas costas e tentar tirar em um primeiro momento. Pelo menos a gente mostrou a organização do caminhoneiro para o país e para a sociedade em geral que todos dependem do caminhoneiro”.

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