Por Thiago Kistenmacher, publicado pelo Instituto Liberal
Vi algumas postagens no Facebook referentes ao processo que o Centro Dom Bosco abriu contra o grupo de humoristas Porta dos Fundos. O processo foi aberto no Tribunal de Justiça do Rio. Isso se deu em virtude de um vídeo intitulado O Céu Católico, no qual os atores brincam com a entrada no Paraíso prometido pelo cristianismo. O grupo estaria, portanto, violando o Art. 208 do Código Penal. Desse modo, o Centro Dom Bosco pede 4,8 milhões de reais pela divulgação do vídeo. A notícia também foi divulgada no site O Globo. Sei que temos leitores e amigos católicos, mas pergunto: processar o Porta dos Fundos não seria exagero?
Antes das considerações a respeito do processo, digo que assisti ao vídeo e nem engraçado achei. É uma piada clichê, tão clichê quanto o uso de Adolf Hitler, que teria pedido perdão na hora da morte. Em função disso o ditador estaria no Céu enquanto alguns sujeitos não poderiam nele entrar por terem pecado sem o devido arrependimento.
Penso que exista, sim, um exagero em processar o grupo Porta dos Fundos. Sei que muitas de suas piadas – sem falar em Gregório Duvivier – têm o intuito de escarnecer da religião etc. Também imagino que alguns dirão que o processo serve como uma maneira de dissuadir as pessoas de achincalharem a religião. Mas ainda assim acredito que o processo é descabido. O que fazer com os memes que circulam na internet e que debocham das religiões, seja ela qual for? O que fazer com as postagens de alguns ateus contra a religião, dizendo que ela é uma estupidez humana e que Jesus Cristo era uma farsa? Aliás, o que fazer no caso de católicos que riem do candomblé? De alguns protestantes que mesmo em cultos, xingam o papa e dizem que o Vaticano é a morada do Diabo?
Penso que isso pode ter efeito contrário, quer dizer, talvez o processo sirva como um amplificador de piadas. Lei nenhuma, processo algum vai conseguir impedir que existam piadas, sejam elas contra a religião ou contra os ateus, contra protestantes, católicos e umbandistas.
Vou usar outro argumento clichê: por que o Porta dos Fundos não ousa fazer piada ridicularizando Mohammad? Porque as consequências, como estamos acostumados a ver, não terão a cara de um processo no Tribunal de Justiça do Rio. É provável que, nesse caso, venha em forma de Kalachnikov. Fizeram piada com os terroristas, claro, mas isso é bem diferente de ter o profeta muçulmano como alvo. Todo mundo sabe que rir publicamente de Mohammad “dá pra cabeça”, como se diz.
Daí surge uma questão: o cristianismo é tolerante, tão tolerante que a civilização ocidental tem liberdade de expressão, diferentemente de uma Arábia Saudita, por exemplo. Assim, surge um paradoxo: é exatamente por esse motivo que o cristianismo deve também ser respeitado por ateus etc., por permitir que o Ocidente seja livre e, de fato, conserve o famoso “livre arbítrio”. Em suma, o cristianismo deve ser respeitado por não se impor como geralmente o faz o Islã. Mas a era secular, por sua vez, também deve ser preservada e ter sua liberdade de expressão protegida. Eis a complexidade da democracia. Parece contraditório, mas não é.
Conferi os comentários na notícia do portal O Globo e constatei que grande parte dos comentários se levanta contra o grupo de humoristas; outra parcela diz que o processo é autoritário e fere a liberdade de expressão; outros apontam que é a prova de que Deus não existe por estarem os indignados se valendo da lei humana; alguns alegam que o Centro Dom Bosco quer dinheiro, que a quantia irá para o Vaticano etc.
Faço um trocadilho: não estou aqui como advogado do Diabo, mas acho que o vídeo não tem nada de mais, não é agressivo e só segue a linha secular que questiona as verdades de uma religião. E assim como ninguém é obrigado a acreditar em Deus, ninguém deve ser obrigado a não acreditar. Por isso mesmo o diálogo, inclusive as brincadeiras cuja substância seja o humor, não deve, a meu ver, ser censurada dessa maneira.
Compreendo a reação dos católicos que estão saturados de terem sua religião esculhambada pela era secular e por ateus que, não raras vezes, se julgam inteligentes demais para ter fé. Mas processar os humoristas pela piada – repito: sem graça -, é exagero e, pior, alimenta a mentalidade autoritária.
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