No alvo da desconfiança da opinião pública e às voltas com o envolvimento de conselheiros em esquemas investigados pela Operação Zelotes, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – última instância para empresas e contribuintes para questionar impostos cobrados pela Receita Federal – terá uma londrinense à frente de julgamentos a partir de agora.
Aos 38 anos, a doutora Aurora Tomazini de Carvalho, professora na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), toma posse no dia 8 de dezembro, em Brasília.
Mudança na rotina
Com a nova atividade, a conselheira diz que não gostaria de deixar de lecionar na UEL, onde dá aulas para turmas de 1.º ano e do 5.º ano. No entanto, sabe que se deslocar de São Paulo, onde mora, para a capital federal – onde deve enfrentar até seis julgamentos por mês - exigirá uma reorganização pessoal. “Gosto de lecionar e a UEL é uma das minhas casas”, diz.
Na nova fase do órgão, uma promessa: “Como representante dos contribuintes brasileiros no Carf, meu trabalho será no sentido de não deixar que nenhum direito que lhes cabe seja esquecido ou deixado de lado”, garante.
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Leia a matéria completaAurora também é pesquisadora do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), liderado pelo professor Paulo de Barros Carvalho, considerado um dos “papas” na área dos tributos. Ocupará uma turma de julgamento responsável por avaliar cobranças de Imposto de Renda de pessoas jurídicas e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
Momento crucial
Junto com uma leva de novos conselheiros, Aurora chega ao Carf em um momento crucial para o órgão. Os julgamentos da instância foram paralisados há quase um ano, desde quando antigos conselheiros, exonerados, passaram a ser alvos da Polícia Federal por suspeitas de corrupção.
“É um órgão importante demais para ficar parado. Não vai ser uma tarefa simples chegar em um momento em que o Carf precisa se reposicionar”, afirmou a nova conselheira, em tom de preocupação.
O Carf tem mais de 200 conselheiros: metade é de auditores da Receita Federal, metade é indicada pelos contribuintes, representados por grupos como a Confederação Nacional da Industria (CNI), Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e até mesmo as centrais sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Aurora foi indicada pela CNA, mas nunca prestou serviços ou teve ligações com a confederação. Especula que o próprio nome foi buscado como uma tentativa de implantar um perfil mais técnico e acadêmico para o órgão, avariado pelas suspeitas. Vários estudiosos, pesquisadores e professores de todos os cantos do país também foram nomeados junto com ela.
Interpretação das regras
Atualmente, os processos no Carf discutem dívidas de R$ 580 bilhões – fortuna em impostos e multas a empresas e pessoas que discordam das cobranças. É ao Carf que bancos, montadoras, empreiteiras e gigantes multinacionais, além de pessoas físicas contribuintes (como o técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, e o apresentador Carlos Roberto Massa, o Ratinho, por exemplo) recorrem caso sintam-se “injustiçados” ante tributos que devem pagar.
A Polícia Federal investiga suspeitas de que pelo menos 10 conselheiros do órgão “venderam” decisões para diminuir débitos das empresas com o Fisco, mediante propina. Uma CPI no Congresso acaba de terminar sobre o mesmo assunto. O prejuízo com o esquema já estaria em R$ 19 bilhões.
Aurora considera que os julgamentos dos conselheiros devem ser guiados pela livre convicção na interpretação das regras tributárias brasileiras – um emaranhado jurídico que até mesmo estudiosas como ela tem dificuldades para decifrar.
“A legislação é muito variada e tudo torna-se bastante complexo nesse meio”, diz. “Por isso fico muito preocupada: os conselheiros precisam ser conhecedores do que vão julgar. Como a questão tributária sempre é cheia de controvérsias, qualquer suspeita de corrupção quanto às interpretações dos conselheiros devem ser comprovadas pelo recebimento de vantagens ilícitas. Não é fácil analisar as relações entre empresas e tributos porque o conselheiro deve se sentir livre para firmar a convicção depois de estudar muito o tema”, aponta. “E muita gente pode discordar: o fisco, o contribuinte, a Justiça, a Polícia Federal”, diz.
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