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Plenário do STF: os assuntos que mexem com o cotidiano dos brasileiros chegaram ao tribunal como casos individuais, mas ministros decidiram que deverão embasar outros julgamentos semelhantes. | STF/Divulgação
Plenário do STF: os assuntos que mexem com o cotidiano dos brasileiros chegaram ao tribunal como casos individuais, mas ministros decidiram que deverão embasar outros julgamentos semelhantes.| Foto: STF/Divulgação

Pais de uma garota do interior gaúcho defendem o direito de educar a filha em casa. Irmãos de uma moça assassinada há quase seis décadas lutam para que a tragédia seja esquecida. Um mecânico não quer ser penalizado por portar três gramas de maconha.

As três histórias vão definir bases legais para questões cotidianas dos brasileiros. Todas originaram ações que estão na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), com efeito de repercussão geral. O que for decidido pelos 11 ministros nos próximos meses interferirá em milhares de causas similares pelo país e servirá como marco para processos futuros.

Assassinato de 1958 é a causa do debate do direito ao esquecimento

Um crime brutal que chocou o país há quase seis décadas é a base do julgamento sobre o direito ao esquecimento no STF. Em 1958, Aída Curi foi levada à força por três homens ao topo de um edifício na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro. No local, a jovem de 18 anos foi vítima de tentativa de abuso sexual e torturada até que desmaiou. Os autores do crime jogaram a moça do 12.º andar para simular um suicídio – ela morreu em decorrência da queda.

Se as regras do direito ao esquecimento fossem válidas hoje, as informações acima não poderiam ser publicadas. O caso concreto que será julgado pelos ministros remete à exibição do programa Linha Direta, da Rede Globo, em 2004, que relembrou o caso Aída.

Autores da ação, os irmãos da jovem assassinada justificam nos autos que o episódio gerou, nos anos 1950, “um sensacionalista, caudaloso e prolongado noticiário”, que teria deixado “feridas psicológicas” na família, agravadas pela notoriedade. Também citam que “o tempo se encarregou de tirar o tema da imprensa”. A reclamação dos familiares é de que o programa explorou a imagem da vítima “sem pudor e ética”.

Com base nisso, entraram com uma ação na Justiça Estadual do Rio de Janeiro para desautorizar a emissora a utilizar a imagem, o nome e a história pessoal da vítima, além de cobrar por supostos danos morais. Já a emissora sustentou ao longo do processo que o programa era um documentário que “abordou fatos históricos e de domínio público”.

Os familiares perderam o processo em primeiro grau e também no primeiro recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por último, recorreram ao STF, que decidiu em dezembro de 2014 dar ao processo caráter de repercussão geral – ou seja, afetar todas as demais ações do gênero.

Nessa etapa do julgamento, o relator do caso, ministro José Antonio Dias Toffoli, citou que o debate servirá para “harmonizar” princípios constitucionais e “repercutirá em toda sociedade, revelando-se de inegável relevância jurídica e social.” A tendência é que desfecho do caso ocorra ainda neste semestre.

Em jogo, a interpretação de dispositivos constitucionais que abordam conflitos entre direitos como privacidade, liberdade de expressão, acesso à saúde, educação e informação. Nos julgamentos, o STF estabelecerá quais deles devem se sobrepor aos demais dentro da análise de cada tema. A escolha das pautas reflete a tendência recente do tribunal de se dedicar a assuntos com reflexos no dia a dia das pessoas.

Uma das últimas decisões nesse sentido, proferida em junho, autorizou a publicação de biografias não autorizadas. Neste mês, o ministro-relator Gilmar Mendes deu voto favorável à descriminalização do porte de drogas, baseado no caso do mecânico flagrado com três gramas de maconha. O julgamento do caso será retomado em setembro.

Entre os que defendem a descriminalização, o principal argumento está no direito coletivo à saúde e à intimidade. Do outro lado, especialistas evocam as consequências perigosas do uso da droga.

“Vivemos a estigmatização do usuário. Ao invés de tratar e reduzir danos, o usuário, na maioria jovens e sem condições financeiras, é escondido da sociedade”, diz Jonas Rossatto, ativista e coordenador do portal sobre maconha Smoke Buddies. “Haverá aumento do consumo dos já usuários e da taxa de experimentação e redução da idade média de experimentação”, contrapõe o médico psiquiatra Carlos Augusto Maranhão de Loyola.

No caso do ensino domiciliar, o ministro-relator do caso, Luís Roberto Barroso, citou que o cerne da discussão é o limite de liberdade dos pais na escolha dos meios pelos quais irão prover a educação dos filhos.

Para o doutor em Educação e professor da UFPR Ângelo Ricardo de Souza, os argumentos favoráveis ao sistema têm dois pressupostos equivocados: o de que a educação interessa apenas ao indivíduo e o de que a escola só ensina conteúdos disciplinares. “Não há apenas um direito à educação, mas um dever social. A escola também tem como pressuposto formar para a cidadania”, diz.

Sobre o chamado direito ao esquecimento, o que está em jogo é a possibilidade de que informações, ainda que verdadeiras, sejam retiradas de circulação para preservar a privacidade. “De um lado, está a liberdade de expressão e o direito à informação; de outro, a dignidade da pessoa humana e vários de seus corolários, como a inviolabilidade da imagem, da intimidade e da vida privada”, descreveu o ministro-relator do processo, Dias Toffoli, na etapa do julgamento que definiu a repercussão geral.

Mecânico que portava 3 gramas de maconha pauta julgamento

O mecânico Francisco Benedito de Souza estava preso havia um mês em uma cadeia provisória de Diadema, na Grande São Paulo, quando a cela que ele dividia com outros 32 detentos passou por uma inspeção. Dentro de um marmitex foram encontrados 3 gramas de maconha. Souza assumiu inicialmente a posse da droga para uso pessoal – o que desmentiu posteriormente em juízo.

O mecânico, hoje com 55 anos, tinha uma extensa ficha corrida, com crimes como porte arma, roubo, contrabando, mas nada relacionado a drogas. Pelo episódio dos 3 gramas de maconha, acabou enquadrado pelo artigo 28 da Lei Antidrogas, que criminaliza porte de drogas para consumo pessoal. Recebeu uma nova pena de dois meses de serviços à comunidade.

Souza teve como advogado um defensor público de 31 anos, Leandro Castro Gomes, que decidiu recorrer ao STF. Na sustentação da defesa do mecânico no tribunal, outro defensor público, Rafael Muneratti, falou que o extremismo da política de guerra às drogas chega a ser “irracional”. “A atuação do Direito Penal deve ser reservada para situações de efetivo potencial lesivo a bem jurídico protegido. O Direito Penal não deve jamais entrar na esfera da intimidade e da privacidade do ser humano, na esfera inviolável de suas liberdades individuais”, afirmou.

No dia 20 de agosto, o ministro-relator do caso, Gilmar Mendes, votou pela inconstitucionalidade do artigo que penalizou Souza. A interpretação de Mendes é que a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos para toda sociedade. Também argumentou que a lei vigente impõe a rotulação de criminosos a jovens por uma conduta que, no máximo, implicaria em autolesão.

Desproporção

“Tenho que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, por atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao desenvolvimento da personalidade em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente desproporcional”, disse Mendes. O julgamento será retomado em setembro com os votos dos demais dez ministros.

Família gaúcha luta para permitir que filha estude em casa

A decisão do STF sobre a legalidade do ensino em casa vai afetar pelo menos 2,5 mil famílias brasileiras, segundo dados da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned). O caso concreto da ação remete a 2013, quando uma família de Canela, no interior do Rio Grande do Sul, solicitou à Secretaria Estadual de Educação que a filha de 11 anos pudesse cursar o ensino fundamental em casa. O pedido foi negado e a orientação era de que a menina continuasse no colégio estadual onde estudava.

Um dos argumentos da defesa da família é de que no interior gaúcho o ensino público é multisseriado, ou seja, alunos de diferentes séries (e idades) frequentam a mesma classe. Os planos iniciais previam a contratação de professores para que ela pudesse aprender em casa. O caso foi parar na Justiça Estadual, os pais perderam em duas instâncias e decidiram recorrer ao STF.

Em junho de 2015, o Supremo reconheceu a repercussão geral do recurso. O julgamento final gira em torno da interpretação do artigo 205 da Constituição, que se refere à educação como “um direito de todos e dever do Estado e da família”. O relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, citou nessa fase do julgamento que a ação vai balizar os limites dos pais na escolha dos meios pelos quais irão prover a educação dos filhos.

Os pais argumentam que “restringir o significado da palavra educar simplesmente à instrução formal numa instituição convencional de ensino é não apenas ignorar as variadas formas de ensino agora acrescidas de mais recursos com a tecnologia como afrontar um considerável número de garantias constitucionais”. Dentre elas, estariam os princípios da liberdade de ensino e do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas presentes no artigo 206 da Constituição.

O ministro usou dados da Aned para justificar a necessidade de tratar do caso. Segundo ele, a associação mostrou que o número de adeptos do ensino domiciliar dobrou desde 2012, após o reconhecimento do Ministério da Educação da utilização de desempenho do Ensino Nacional do Ensino Médio como certificação de conclusão do ensino médio. A expectativa é que o assunto seja votado até o primeiro semestre de 2016.

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