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| Foto: Arquivo/ Agência Estado

Reformas de base

Veja as mudanças estruturais no país propostas por Jango. Algumas delas ainda hoje causariam forte reação contrária.

• Tributária

Pretendia aumentar a arrecadação do Estado. Também limitaria em 10% a remessa de lucros para o exterior.

• Agrária

Pretendia promover a "democratização" não só de terras inexploradas, mas também das exploradas. Também estendia aos trabalhadores rurais os principais direitos dos urbanos.

• Urbana

Defendia "a justa utilização do solo urbano".

• Eleitoral

Estenderia o direito de voto aos analfabetos e permitiria que militares de baixa patente exercessem mandatos parlamentares. Previa ainda a legalização do PCB (Partido Comunista Brasileiro).

• Educacional

Propunha a valorização do ensino público e o combate ao analfabetismo por meio do Método Paulo Freire. Também extinguia a cátedra vitalícia nas universidades.

• Bancária

Tinha o objetivo de ampliar o acesso ao crédito.

Fonte: Instituto João Goulart.

  • Acima Antonio Carlos Ferreira:
  • João Goulart, presidente da República entre 1961 e 1964
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João Goulart, o Jango, era carta marcada pelas Forças Armadas e pela direita conservadora desde 1953, quando foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. Em meio a pesadas greves, deu acesso livre para os sindicatos ao gabinete ministerial e aumentou o salário mínimo em 100%. Desagradou aos empresários. E também aos militares de alta patente, pois o piso salarial do país seria muito superior ao soldo dos praças, o que poderia causar revolta nos quartéis. Diante da pressão, Jango acabou demitido por Vargas. Mas, para os conservadores, Goulart ficou com a pecha de comunista. "Era época da Guerra Fria. Socialização, reformas sociais, medidas em favor do trabalhador eram fantasmas", explica Marion Brephol, professora de História Contemporânea da UFPR.

A demissão não impediu que fosse eleito e reeleito vice-presidente, em 1955 e 1960 – primeiro de Juscelino Kubitschek e depois de Jânio Quadros. Na época, era possível votar separadamente para os dois cargos, uma aberração para os padrões atuais. Eleitos por chapas opostas, Jânio e Jango logo romperam e deram início a um caos político, que se somou à profunda crise econômica vivida no país. Numa tentativa de autogolpe, Jânio renunciou, com a certeza de que voltaria nos braços do povo. O estratagema deu errado e a renúncia foi imediatamente aceita pelo Congresso.

Naquele momento, agosto de 1961, Jango estava em viagem à China comunista. Como já carregava o rótulo de esquerdista, os militares se opuseram à posse dele. Durante a viagem de volta ao Brasil, Goulart tentou ganhar tempo até um acordo político ser costurado. Para isso, fez escalas em diversas cidades fora do país. Os políticos chegaram a um meio termo: Jango tomou posse, mas sob um regime parlamentarista, em que o primeiro-ministro escolhido foi Tancredo Neves.

Logo, porém, ficou claro que o parlamentarismo estava longe de ser a solução para os problemas do país. Aproveitando-se disso e do crescimento da bancada do PTB (partido de Jango) nas eleições de 1962, ele convocou um ano depois um plebiscito que devolveu o país ao presidencialismo. A partir daí, Jango passou a contar com plenos poderes. Mas a nação estava mergulhada na ressaca dos "50 anos em 5" de JK: corrupção em todos os níveis, inflação aproximando-se dos três dígitos, déficit acentuado na balança comercial e dívida externa explodindo. Confrontado com esse cenário, Jango apontou seu governo na direção da plataforma das esquerdas, por meio das reformas de base. E aí começou a selar seu destino.

Uma das primeiras medidas que tomou foi limitar em 10% as remessas de lucros das multinacionais para o exterior. O ápice, porém, se deu em 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro, naquele que ficou conhecido como o Comício da Central do Brasil. Para um público de quase 200 mil pessoas, Jango assinou dois decretos: um nacionalizava refinarias privadas de petróleo e o outro desapropriava 20 quilômetros de terras subutilizadas ao lado de rodovias. No discurso, o presidente defendeu ainda mudanças profundas na Constituição por meio de seis reformas estruturais (veja quadro). Essas propostas, porém, encontravam forte resistência do Congresso e de expressiva parcela conservadora da sociedade.

Como resultado, Jango perdeu sustentação no Congresso. Em vez de negociar com os parlamentares, radicalizou: recorreu às massas e a organizações da esquerda que defendiam as reformas "na lei ou na marra". Era do que os adversários necessitavam para acusá-lo de estar preparando um golpe, que supostamente ocorreria em 1.º de maio e se daria por meio do fechamento do Congresso para implantar à força as mudanças que pretendia. "Em política, as coisas não precisam ser verdadeiras. A imagem, a percepção, o medo conduzem ao que se costuma chamar de reação antecipada", explica o cientista político Adriano Codato, da UFPR. "Foi o que ocorreu devido ao fantasma em torno do Jango e que os militares chamam de contrarrevolução preventiva."

Jango negou a acusação de que daria um golpe por diversas vezes, mas aliados davam a entender que ele tinha essa intenção. O comunista Luiz Carlos Prestes, por exemplo, defendeu em entrevistas a reeleição de Jango, o que não era permitido pela legislação da época.

Marcha da Família

A resposta a Jango veio em 19 de março de 1964, Dia de São José, o padroeiro da família. Assustadas diante do risco de "comunização" do Brasil, 500 mil pessoas saíram às ruas do centro de São Paulo na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Lado a lado, estavam patroas, empregadas domésticas, empresários, políticos, religiosos. "Os comunas vão dar o golpe. Era o que todo mundo dizia", conta o advogado Antonio Carlos Ferreira, à época estudante de Direito da USP. Ele e mais dezenas de pessoas trabalharam durante meses para organizar a marcha. "O povo já não aguentava mais, estava cheio. A inflação estava altíssima, a desorganização do Estado era muito grande, nada funcionava direito." A manifestação escancarou publicamente o apoio civil de que os militares precisavam para tirar Jango do poder.

Seis dias depois, o presidente deu mais um motivo para o alto comando militar decidir-se pelo golpe: aproximou-se dos praças das Forças Armadas. Em 25 de março, Jango reuniu-se com marinheiros e fuzileiros navais no Rio para defender melhores condições de trabalho nas Forças Armadas e também as reformas de base. Propôs ainda anistia aos militares insubmissos. "Era a morte da disciplina e da hierarquia. O governo estava desagregando as Forças Armadas, obviamente se preparando para o golpe", diz José Soares Coutinho Filho, coronel da reserva do Exército. Contrariando a orientação de aliados próximos, o presidente colocou de vez a pá de cal em cima do seu mandato em 30 de março ao comparecer a uma reunião de sargentos e suboficiais da Polícia Militar, na sede do Automóvel Clube do Rio. Novamente defendeu as reformas e disse que elas não podiam mais ser adiadas.

A partir daí, os líderes das Forças Armadas ainda reticentes se aliaram aos demais e não tiveram mais dúvidas: Jango deveria cair. A aposta do presidente de governar para as massas, dando as costas a outros segmentos sociais e atores políticos, mostrou-se equivocada.

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