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A servidora fantasma, que pediu para ter seu nome mantido em sigilo: “Eu repasso [o salário] pra ele [o chefe de gabinete do deputado]. Chega a data do pagamento, eu vou na minha agência bancária, na boca do caixa, tiro o dinheiro e repasso pra ele” | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
A servidora fantasma, que pediu para ter seu nome mantido em sigilo: “Eu repasso [o salário] pra ele [o chefe de gabinete do deputado]. Chega a data do pagamento, eu vou na minha agência bancária, na boca do caixa, tiro o dinheiro e repasso pra ele”| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

Funcionário da Assembleia mora em SC há 8 anos

O capitão aposentado da Marinha do Brasil Carlos Eugênio Maurmann Cardoso mora com a esposa e a filha em Balneário Camboriú, no litoral de Santa Catarina, desde 2002. Ainda assim conseguiu, um ano depois, um emprego na Assembleia Legislativa do Paraná – onde continuou como servidor fantasma pelo menos até março de 2009.

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Dentro da Assembleia Legislativa do Paraná existe um esquema de desvio de dinheiro público envolvendo servidores fantasmas. Em troca de algum pequeno benefício, eles aceitam receber salário sem trabalhar para repassar os valores aos deputados que os contrataram. Quem revela como funciona essa forma de apropriação de recursos é uma servidora da Assembleia que aceitou conversar com a reportagem, sob a condição de manter seu nome em sigilo.

Ela confessa que aceitou participar do esquema em troca de ter acesso ao plano de saúde disponível aos servidores da Assembleia. E relata que todos os meses saca o salário na boca do caixa do banco e o leva para entregar ao chefe de gabinete do deputado – o que pode caracterizar crime fiscal, já que o parlamentar provavelmente não declara esse rendimento ao Imposto de Renda. Segundo a funcionária fantasma, outros servidores fazem o mesmo que ela.

Qual é a sua relação com a Assembleia?

A minha relação com a Assembleia é só a conta bancária.

Como assim?

Chegaram pra mim e perguntaram: "O que é que você quer? Eu preciso da sua conta bancária. Tem de ser alguém de confiança". Com certeza as pessoas que fazem isso são de confiança. E você tem que confiar também na pessoa porque você entrega o cartão [do banco]. O que me sugeriram, no começo, era trocar por um plano de saúde e eu peguei.

E você deixou o seu cartão?

Sim, deixei nas mãos do assessor. No começo ele recebia. Então ficava com ele o cartão.

Onde o dinheiro era depositado?

Na minha conta e daí ele retirava. Até que, de um ano pra cá, ele passou [o cartão] para minha mão. Hoje eu repasso [o dinheiro sacado] pra ele. Chega a data do pagamento, eu vou na minha agência bancária, na boca do caixa, tiro o dinheiro e repasso pra ele.

Como você entrega o dinheiro?

Em mãos.

Qual é o valor que você recebe por mês?

Não é um valor exato. Tem vezes que vem muito, tem vezes que vem pouco. As vezes vem R$ 1 mil, às vezes vem R$ 6 mil, R$ 7 mil.

Por que tem essa variação?

Eu imagino que colocam mais pessoas para receber em meu nome.

Conhece mais pessoas que participam desse tipo de negociação?

Sim. Nesse gabinete e em outros. São casos iguais ao meu. Pessoas que não trabalham e recebem o dinheiro.

Por que você resolveu denunciar?

Porque eu vi que estou sendo enganada. Sei de pessoas que fazem, que não trabalham, recebem bem mais do que eu e ficam com o dinheiro.

Algum dia você trabalhou na Assembleia?

Não.

Entenda como funciona o esquema dos fantasmas na Assembleia: gente que mora em outras cidades recebe salários como se trabalhasse para deputados

Em 2009, a Assembleia divulgou uma lista de servidores. Seu nome está lá?

Sim, está na lista.

A sua carteira está registrada pela Assembleia?

Não está assinada.

Mas existe o registro?

Existe. Eu tenho direito ao holerite, mas não repassam pra mim. Há uns tempos eu consegui pegar um holerite. Queria abrir conta no mercado, eu pedi e eles forneceram.

Como você faz com o Imposto de Renda?

Eu declaro imposto todo ano. Eles fazem pra mim.

E você não paga imposto? Você tem restituição?

Nunca tive de pagar, nunca atingiu o limite. Sempre é menos. Eu restituo e fico com o dinheiro.

Quanto você recebe de restituição?

Quase R$ 2 mil.

Você sabe como o dinheiro do seu salário é usado [pelo gabinete do deputado]?

Não faço a mínima ideia.

Você conversa com o deputado? Ele sabe da sua situação?

Eu creio que sim.

Se você sabe que isso é ilegal?Por que você aceitou?

Acho que por não estar fazendo nada.

Você quer sair desse esquema ou quer continuar nisso?

Eu posso sair a qualquer momento. É uma coisa que você vai deixando.

Você já propôs ficar com o dinheiro?

Não. Estou querendo fazer isso agora. Mas tenho certeza de que ele [o deputado] vai me descartar.

E qual é o nome do deputado?

Não posso dizer. Posso sofrer represálias.

O mesmo deputado tem outro funcionário fantasma?

Pelo que eu conheço, são uns dois. Mas tem outros deputados que eu conheço o pessoal [fantasma].

O que você acha desse discurso de transparência que a Assembleia adotou?

É difícil parar com isso.

Isso o quê?

Com os funcionários fantasmas.

Você se arrepende?

Sim, porque já procurei trabalhar e não deu certo. De uma certa forma fui prejudicada. Mas eu também aceitei, eu também tenho culpa.

Você não tem medo de que uma investigação chegue até você?

Se isso acontecer tenho que enfrentar.

Então, pra você, a grande pessoa errada nessa história é o deputado?

Eu também, por aceitar. Mas ele está errado, pelo que ele está dando pra mim. Ele está ganhando bem mais.

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