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Entenda o caso

Maior responsabilidade é do governo federal

Desde 2010, quando um terremoto deixou em ruínas Porto Príncipe – capital do Haiti, o país o mais pobre das Américas –, tem sido crescente o número de haitianos que tem buscado abrigo no Brasil. A principal porta de entrada é o Acre e, em abril, diante da situação crítica causada pela cheia do Rio Madeira, que deixa o estado isolado do restante do país, o governo acreano optou por mandar imigrantes para São Paulo: pelo menos 400 haitianos chegaram à capital paulista no mês passado. A justificativa é de que lá eles estariam mais perto dos centros de trabalho. Contudo o governo paulista argumentou que não foi avisado e não teria estrutura para receber esses pessoas.

Apesar da troca de farpas entre os governos dos estados, a coordenadora de Política Externa da ONG Conectas Direitos Humanos, Camila Asano, explica que a responsabilidade sobre os imigrantes compete ao governo federal.

A reportagem tentou fazer contato com o Ministério da Justiça, mas não teve retorno. Em nota divulgada à imprensa, o ministério declarou que está garantindo a documentação para os imigrantes de maneira simplificada e imediata e que foram repassados mais de R$ 4,2 milhões para os serviços de assistência e R$ 1,3 milhão para os serviços de saúde, além de garantir documentação básica de forma simplificada e imediata (com registro, CPF, carteira de trabalho e cadastro no Sistema Nacional de Emprego).

CNJ vai propor fórum de combate a tráfico de pessoas

Nos dias 29 e 30 de maio, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai promover o IV Simpósio Internacional para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. A proposta do evento é capacitar juízes, promotores, defensores e advogados para o combate das diversas modalidades desse crime, como exploração sexual, venda de órgãos, adoção ilegal e trabalho análogo à escravidão.

Guilherme Calmon, conselheiro do CNJ, diz que uma das propostas do evento será a criação de um Fórum Nacional de Combate ao Tráfico de Pessoas, que tenha um comitê em cada estado e conte com pelo menos um integrante da Justiça Federal, da Justiça Estadual, da Justiça do Trabalho, do Ministério Público, da Polícia Federal, da Polícia Civil e da Defensoria Pública.

Deixar um cenário de miséria e se submeter a coiotes – os atravessadores que cobram verdadeiras fortunas para quem não tem quase nada – na esperança de encontrar melhores condições de vida é o caminho de muitos imigrantes do Haiti que têm cruzado a fronteira do Brasil. Ao chegarem ao país, eles se deparam com dificuldades para conseguir documentos e alojamentos em condições insalubres, como o de Brasileia, no Acre, que foi fechado no mês passado. A situação dos haitianos acende o alerta para o tratamento jurídico que os imigrantes estão recebendo no país.

Apesar de o governo brasileiro ter concedido um visto humanitário para muitos haitianos que pretendem construir a vida no país, organizações de direitos humanos e o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dizem que ainda faltam medidas efetivas para que os imigrantes de todas as nacionalidades tenham a proteção legal necessária a fim de que os direitos básicos sejam respeitados e de que eles não venham a ser vítimas até mesmo do tráfico de pessoas.

O Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), que define a situação jurídica dos estrangeiros no Brasil, é considerado defasado por muitos juristas. A coordenadora de Política Externa da ONG Conectas Direitos Humanos, Camila Asano, considera que é urgente uma mudança nesse estatuto e que a questão dos haitianos só escancara quão anacrônica está a lei. "É uma lei do tempo da ditadura, que lida com a migração por uma lógica de segurança, mas essa é uma questão de direitos humanos."

Há também o Estatuto do Refugiado, criado em 1951 por uma Convenção das Nações Unidas, que foi implementado no Brasil somente em 1997, pela Lei 9.474. Essa lei prevê que serão considerados refugiados aqueles que não possam ou não queiram retornar a seu país de origem "devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas". Tal definição não contempla muitos dos imigrantes que chegam ao país com a expectativa de uma melhor situação de vida, fugindo das condições econômicas dramáticas de seus países de origem.

"A lei não reconhece a acolhida por razões humanitárias", diz Camila. Segundo ela, esse seria um ponto fundamental a ser abordado em uma nova legislação.

Para o advogado Ale­xandre Rocha Pintal, autor do livro "Direito Imigratório", a legislação para estrangeiros é suficiente e não precisa de alteração, pois já prevê todos os trâmites necessários para concessão de vistos e documentação. Com relação aos haitianos, ele diz que houve medidas como os procedimentos do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que foi mais brando ao avaliar as concessões de visto para os que vêm daquele país.

Penalização

Em São Paulo, por exemplo, confecções clandestinas têm a mão de obra formada por trabalhadores bolivianos que, sem documentação para permanecer no país, se submetem a condições de trabalho análogas à escravidão. Alguns desses locais vêm sendo desbaratados por ações do Ministério do Trabalho, mas, na opinião do conselheiro do CNJ Guilherme Calmon, coordenador do Programa de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, as punições precisam ser mais rígidas e ir além de medidas administrativas como multas. Ele defende uma mudança no Código Penal para responsabilizar aqueles que exploram esse tipo de mão de obra com condenações rígidas. "Ainda temos um sistema muito precário, e a precariedade gera ideia de impunidade, que tem efeitos muito perversos", conclui Calmon.

Falta de estrutura coloca imigrantes em risco

Quando um nigeriano foi à sede da Polícia Federal em Curitiba para resolver assuntos relacionados ao seu visto, teve dificuldades em conseguir informações porque não havia quem conseguisse se comunicar com ele em inglês. O advogado Alexandre Rocha Pintal, que atende esse imigrante pro bono, diz que ainda falta estrutura e que um dos desafios é o fato de o atendimento a essas pessoas ainda estar vinculado à PF além de não existir um órgão específico para tratar do assunto.

A advogada Aparecida Solange Lisboa Cardoso, especialista em imigração que atua Goiás avalia que os procedimentos são complexos e uma pessoa leiga em direito – além da barreira do idioma no caso desse estrangeiro, por exemplo – encontra bastantes dificuldades para conseguir resolver suas pendências. Ela relata que muitos dos seus clientes ou das pessoas que ela atende pro bono, quando chegam a ela, já passaram por uma série de explorações por despachantes que cobram supostas taxas e por golpistas que dizem ser advogados.

Para o conselheiro do CNJ Guilherme Calmon, é preciso que as vítimas tenham mais proteção quando estão em situação de vulnerabilidade, muitas vezes em clandestinidade, para que não se submetam a situações que configurem até mesmo o tráfico de pessoas, que seria a consequência mais perversa da imigração. Ele explica que há muitas subnotificações e poucos processos. Um levantamento do CNJ nos tribunais federais mostra que o número de processos relacionados a problemas de imigração não chega a 500 e que o índice de condenação é muito baixo.

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