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 | Stéfany Trianoski
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A teoria de domínio do fato foi utilizada como justificativa para condenações no caso de Mensalão e, agora, volta a ser adotada na Operação Lava Jato. Mas sua utilização é controversa e, enquanto para alguns a aplicação é evidente, há críticas não apenas por partr de advogados de réus dos escândalos, mas de juristas que estudam a teoria e consideram que a segurança jurídica pode estar em risco dependendo de como for a interpretação.

O professor de processo penal do Unicuritiba Rodrigo Chemim explica que há requisitos que devem estar presentes para que a teoria seja aplicada, como a estrutura hierárquica da organização, poder de mando, fungibilidade do executor e predisposição do executor direto em realizar o comportamento criminoso. Para ele, se houver provas de que os requisitos são cumpridos, a teoria do domínio do fato pode ser utilizada para responsabilizar dirigentes de empresas. Confira o debate sobre o assunto.

Ocupar cargo de liderança implicaria ciência de crimes praticados por outros

Ministério Público Federal (MPF) recorre à teoria para pedir a condenação de executivos da Camargo Corrêa no caso de corrupção na Petrobras. O juiz federal Sérgio Moro também usou a teoria para determinar a prisão de executivos da Odebrecht e Andrade Gutierrez

Tornada famosa durante o julgamento do mensalão, a teoria do domínio do fato começou a aparecer na Operação Lava Jato nas últimas semanas, relacionada à ligação de dirigentes do alto escalão de empreiteiras com os crimes investigados na Petrobras.

A teoria, que embasou a condenação do ex-ministro José Dirceu, por exemplo, foi citada pela força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) que investiga a corrupção na Petrobras para pedir a condenação de executivos da Camargo Corrêa no final de junho.

Os procuradores transcrevem o voto da ministra Rosa Weber no processo do mensalão, no qual ela compara a punição de generais (em caso de crimes de guerra) à punição de dirigentes (para crimes empresariais). “Do mesmo modo nos crimes empresariais a imputação, em regra, deve recair sobre os dirigentes, o órgão de controle, que traça os limites e a qualidade da ação que há de ser desenvolvida pelos demais”, diz a ministra em seu voto.

“O propósito da conduta criminosa é de quem exerce o controle, de quem tem poder sobre o resultado. Desse modo, no crime com utilização de empresa, autor é o dirigente ou os dirigentes que podem evitar que o resultado ocorra. (...) Uma ordem do responsável seria o suficiente para não existir o comportamento típico”, continua a ministra.

Os procuradores também citam um artigo da Lei das Organizações Criminosas que diz que há responsabilidade sobre aquele que exerce comando “ainda que não pratique pessoalmente atos de execução”.

O professor de Processo Penal da Unicuritiba Rodrigo Chemim diz que, em tese, a teoria pode ser aplicada em crimes empresariais, desde que cumpridos alguns requisitos. “A teoria do domínio do fato tem variações. No caso, seria uma teoria de domínio d fato em virtude de aparatos organizados de poder”, diz o professor, que não quis comentar o fato concreto de a teoria ser utilizada na Operação Lava Jato.

O coordenador da FGV-Rio e mestre em Direito Constitucional Thiago Bottino afirma que a aplicação da teoria é “normal no dia a dia” do Direito. Para ele, só é necessário coletar provas suficientes de que houve participação ou beneficiamento dos diretores para que eles sejam implicados no crime. “Precisa se mostrar que todas as pessoas agiram unidas por um vínculo comum”, aponta.

Justiça Federal

O juiz federal Sérgio Moro também utilizou um argumento similar para justificar a prisão dos presidentes da Odebrecht e da Andrade Gu-tierrez . A citação foi vista por juristas como uma versão de “domínio do fato à brasileira”.

Na decisão, emitida no último dia 19, Moro afirmou que seria “inviável” que os dirigentes desconhecessem os atos de corrupção das empresas. Para ele, isso se justifica pela duração temporal do esquema (a partir de 2004) e os altos valores dos pagamentos de propina.

O juiz também aponta indícios do conhecimento dos dirigentes. Ele cita a ligação entre Otávio Marques de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, com o operador Fernando Soares. E uma troca de e-mails tratando supostamente de sobrepreço em navios-sonda enviada a Marcelo Odebrecht.

Uso da teoria poderia causar insegurança jurídica, dizem advogados

As menções à teoria do domínio do fato provocaram a ira dos advogados dos empreiteiros, que declararam estarem “estarrecidos” com a tese. A Odebrecht chegou a afirmar, em nota, que a afirmação do juiz Sérgio Moro seria uma “afronta ao Estado Democrático de Direito”. Juristas ouvidos pela reportagem observam que, se a tese for levada a adiante para justificar a prisão dos diretores, os resultados podem ser questionáveis juridicamente.

Para o advogado Ives Gandra da Silva Martins, a adoção da teoria sem provas materiais consistentes pode trazer insegurança jurídica. “Se há prova material contra quem comanda uma ação, a teoria é despicienda [desnecessária]. As provas por si só já servem para condenar e, conforme o nível da participação do protagonista na condução dos atos delituosos, as penas serão agravadas. Quando as provas materiais inexistem, havendo apenas indícios ou provas testemunhais, é que se lança mão de uma teoria agregadora do comando”, diz o advogado em um artigo publicado sobre o tema.

Aluno do alemão Claus Roxin, autor da teoria, o penalista Alaor Leite acredita que fundamentar a responsabilidade penal de uma pessoa a partir da sua posição hierárquica poderia repetir, na Lava Jato, o “equívoco do mensalão”. “É preciso que se comprove o elo concreto entre a conduta dos superiores e os fatos cometidos pelos subordinados”, aponta.

“A teoria do domínio do fato não serve para fundamentar responsabilidade penal de donos da empresa, mas sim para um propósito mais modesto, ou seja, o de dizer quem é autor e quem é mero partícipe de um crime. A teoria do domínio não transforma inocente em culpado”, afirma Leite.

Já o professor de Direito Penal da Unibrasil, Fábio Bozza, que estuda a obra de Roxin para o pós-doutorado, alega que a interpretação direcionada a diretores de empresas pode “forçar a barra”. Ele explica que a teoria se enquadra apenas a regimes a regimes autoritários ou organizações à margem do Direito, como o nazismo ou a máfia italiana.

“A diferença é que, quando o crime é praticado por um regime autoritário, é por um aparato de poder que atua fora do Direito. Então aquele que dá a ordem não é só um colaborador, é coautor do crime. No âmbito empresarial, a empresa não está nunca 100% fora do direito. Assim como há contratos fraudulentos, existem outros que estão dentro da lei”, exemplifica.

Em visita ao Brasil em setembro de 2014, Roxin criticou a aplicação de sua teoria para tornar mais severa a punição a líderes de estruturas políticas. Ele citou, na ocasião, que um diretor de empresa só poderia ser punido caso se comprove que ele deu uma ordem sabendo que ela seria cumprida de forma ilícita.

A reportagem da Gazeta do Povo procurou o Ministério Público Federal (MPF) para comentar o uso da teoria, mas ninguém estava disponível para dar entrevistas. Um dos procuradores informou que o MPF se manifesta apenas por escrito, nos autos do processo.

A teoria do domínio do fato não serve para fundamentar responsabilidade penal de donos da empresa, mas sim para um propósito mais modesto, ou seja, o de dizer quem é autor e quem é mero partícipe de um crime. A teoria do domínio não transforma inocente em culpado

Alaor Leite penalista
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