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No melhor dos mundos, políticas públicas são medidas estatais de longo prazo, propostas pelos governos visando a cumprir finalidades de bem-estar social. São vinculantes para o poder público, vez que estabelecem objetivos públicos a serem perseguidos e os meios legítimos para atingi-los. Tais ações precisam ser harmônicas, pois unem vários atos em vista da finalidade coletiva a ser atingida. O que igualmente envolve o conhecimento global daquilo que se pretende. Tudo isso instruído pela percepção de que ajustes serão necessários, a fim de manter íntegro o objetivo de bem-estar social. Firmeza de intenções, perseverança e elevado conhecimento técnico do mundo à sua volta – a partir disso, podem-se formular políticas públicas.

Porém, fato é que não vivemos no melhor dos mundos.

Lamentavelmente, as políticas públicas brasileiras são conflitantes; contraditórias e marcadas pela incerteza. Muitas delas revelam-se precárias e são desrespeitadas pelo próprio governo que as criou. A impressão que transmitem é a de que não se sabe exatamente aonde se quer chegar (ou, quem sabe, que se deseje chegar apenas até a cerimônia de lançamento). Alguns exemplos demonstram a confusão institucional a que somos submetidos.

O governo pretende combater a inflação – o que é bastante louvável. Por isso (dentre outros motivos e ações), o Banco Central do Brasil – BACEN define taxas de juros astronômicas, para que as aplicações estacionem no mercado financeiro (e assim se suprima o excesso de moeda da vida cotidiana). Isto é, o BACEN aumenta os juros e incentiva as pessoas a fazer investimentos rentistas, não-produtivos. Mas, ao mesmo tempo, o governo espera que investidores privados construam e operem projetos de infraestrutura. Defende as concessões comuns porque precisa do dinheiro das pessoas privadas (afinal, não dispõe de caixa). Quem custeará as concessões de infraestrutura serão os empresários.

Ocorre que, num cenário de juros altos, as taxas de remuneração em projetos de concessão precisam ser ainda mais altas; caso contrário, o dinheiro ficará estacionado em aplicações financeiras (mais seguras e rentáveis). Porém, taxas altas de remuneração implicam projetos caros - e, nas concessões comuns, quem paga a conta é o usuário. Em outras palavras, tarifas altas (energia; água; transportes etc. – tudo mais caro, a gerar maiores expectativas inflacionárias). O que importa o risco de se inviabilizar os projetos de concessão de obras e serviços públicos.

Outro exemplo escancara as contradições. Num país onde os juros são alguns dos maiores do mundo e as pessoas estão superendividadas, aos 10 de julho o governo opta por editar a Medida Provisória 681, que autoriza o aumento do crédito consignado para trabalhadores, servidores públicos, aposentados e pensionistas.

Ora, qual é a mensagem que o governo transmite a essas pessoas? Quais são os incentivos que anuncia? Conforme consta da exposição de motivos da MP, “um aumento moderado do limite do crédito consignado para cartões de crédito representa opção pertinente para lidar com a contração do mercado de crédito sem trazer maiores riscos para as instituições financeiras e nem onerar demasiadamente os tomadores”. Pela ordem: menores riscos de inadimplência para as instituições financeiras, seguidos de custos proporcionalmente mais baixos para os endividados. Em outras palavras: venham!; há dinheiro à disposição por juros mais baixos!; avancem em 35% dos seus vencimentos e assegurem ao credor que ele receberá tais pagamentos! Em contrapartida e se for o caso, deixem de pagar as outras contas banais da vida, tais como supermercado, água e energia elétrica – mesmo porque para essas não existe crédito consignado. Isso num contexto em que o desemprego aumentou, a renda decresceu e o endividamento das famílias atingiu o maior nível desde 2005. O cenário é desalentador, senão esquizofrênico: é forte o distanciamento entre a política pública e a realidade.

Seria interessante, portanto, enviar ao Congresso Nacional os “10 Mandamentos do Superendividamento” do Projeto de Tratamento de Superendividamento do Consumidor do TJPR, cujo Mandamento nº 2 é “Tenha cuidado com o crédito fácil”. Ou talvez fosse melhor instituir um novo Mandamento, este dirigido ao governo: “Tenha cuidado com o aumento da oferta de crédito fácil”.

Porém, as desconexões institucionais não ficam restritas a esses temas, mas vão mais fundo e atingem o longo prazo. Isso porque se tornou brutal o corte das receitas públicas para a educação. Logo, não estamos a tratar de objetivos específicos que não poderão ser atingidos (e precisarão ser remodelados), mas de danos às futuras gerações.

Pátria deseducadora

Desculpem-me, mas não resisti ao trocadilho depois de ler esta notícia. Eu tenho a honra e o privilégio de ser um dos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito (mestrado e doutorado) da UFPR – PPGD/UFPR, que é um dos únicos do Brasil que há mais de 10 anos recebe a nota 6 da CAPES e almeja chegar ao 7 (as notas vão de 0 a 7). A nota 7 é o nível máximo dos programas e se caracteriza por exigências de projeção internacional (além dos requisitos usuais). Contudo, por maiores que sejam os esforços dos servidores, do quadro docente e do quadro discente, a recompensa do esforço cometido é a notícia unilateral de que não haverá o dinheiro prometido. Assim, como ele vai se manter?

Ora, a UFPR é uma universidade pública e o PPGD é basicamente financiado pelo Programa de Excelência Acadêmica – PROEX, oriundo de órgão do Ministério da Educação. Ocorre que, para receber as verbas e manter a nota, o PPGD precisa se esforçar em cumprir pautas draconianas, boa parte delas oriundas da concepção burocrática do ensino e da pesquisa. O cronograma de entrega das teses e dissertações é cruel; a produção exigida e o volume de créditos/disciplinas a ser cumpridos, idem. Alunos e professores são submetidos a modelos de produção e metas, muitos das quais se interessam pela quantidade. Assim, o PPGD se esforçou ao máximo para cumprir tais metas – e qual foi a sua recompensa? “- Lamento, mas não será possível financiar o programa. O que foi prometido não será entregue.” Mais: a rigor, não se sabe o que efetivamente será entregue. A incerteza impera.

Agora, cá entre nós: cortar 75% (setenta e cinco por cento) de verbas orçamentárias significa que existe alguém que não sabe nem fazer contas nem projeções de médio prazo.

Porém, o detalhe está em que não foi só a pós-graduação que ficou sem dinheiro: recentemente, anunciou-se que também o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC está com uma queda de 60% das ofertas de vagas, devido ao corte de verbas públicas: diminuição de vagas; demissão de professores e queda nas expectativas, esse é o cenário. Logo, fato é que a situação ficou muitíssimo complicada para (quase) todos os lados da educação. (Depois, ainda há quem fale em federalizar o ensino fundamental e médio...)

Logo, preparemo-nos: tempos muito mais difíceis virão.

*Egon Bockmann Moreira: Advogado. Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Professor visitante da Faculdade de Direito de Lisboa (2011) e do Centro de Estudos de Direito Público e Regulação - CEDIPRE, da Faculdade de Direito de Coimbra (2012). Conferencista nas Universidades de Nankai e de JiLin, ambas na China (2012). Palestrante nos cursos de MBA, LLM e Educação Continuada na FGV/RJ. Escreve às segundas-feiras, quinzenalmente, para o Justiça & Direito.

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