• Carregando...

Após quatro anos afastado da mídia e do meio político, o ex-governador Jaime Lerner (PSB) – de 1995 a 2002 – resolveu ressuscitar assuntos dos quais, até então, procurava se manter distante. Críticas ao governador Roberto Requião (PMDBD), privatizações, pedágio, prefeitura de Curitiba, eleição e arrependimento são alguns dos temas levantados por Lerner, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.

Ele já havia reaparecido, rapidamente, durante a campanha eleitoral no ano passado, para declarar apoio ao senador Osmar Dias (PDT), mas logo sumiu dos holofotes. Seu nome, porém, foi lembrado em quase todos os debates entre os candidatos ao governo e nos programas eleitorais. Críticas à gestão de Lerner não faltaram. "No Paraná, vivemos um cenário de mentira, onde se vive à procura de polêmicas e culpados", diz.

Elogio à atual administração estadual? Só em relação ao Museu Oscar Niemeyer (MON), administrado pela primeira-dama do estado, Maristela Requião. "Sua administração hoje corresponde à grandeza do projeto que preparamos."

Em meio a tantas opiniões, dois orgulhos que ele deixa transparecer: o de ter sido prefeito de Curitiba – "A melhor fase de minha vida" – e o de ser amigo do arquiteto Oscar Niemeyer. Por duas vezes a entrevista foi interrompida para que Lerner atendesse a telefonemas do arquiteto de Brasília. Leia os principais trechos da entrevista:

O senhor foi muito criticado nas eleições do ano passado por membros da campanha do governador Roberto Requião (PMDB). Como o senhor avalia o fato de ter sido personagem marcante no pleito?

As pessoas se dão muita importância. E não percebem que somos apenas poeira, como diria Oscar Niemeyer. Para os que estão aí, sou culpado até pela falta de água nas Cataratas do Iguaçu. Isso é infantilidade. No Paraná, vivemos um cenário de mentira, onde se vive à procura de polêmicas e culpados. Não querem resolver as situações existentes. Já saí do governo há quatro anos e continuam falando de mim. Somos diferentes. Eu, por exemplo, nunca usei a TV Educativa para mentir. A TV Educativa hoje é um Pravda (principal jornal da União Soviética e órgão oficial do Comitê Central do Partido Comunista entre 1918 e 1991) ou como um jornal oficial chileno do período de Augusto Pinochet.

Tem algo que o senhor destaque positivamente no governo de Roberto Requião? O senhor o considera um inimigo?

Não tenho inimigos. Apenas sorrio das críticas que ele faz. Ele não quer resolver nada, quer criar polêmicas. Se há algo bom, digo. E a administração do Museu Oscar Niemeyer (MON) é muito boa. Responde à grandeza do projeto que preparamos.

O senhor foi do PDT, com o ex-governador Leonel Brizola, foi do PFL e agora está filiado ao PSB. Afinal, qual a ideologia do senhor?

A discussão no mundo hoje é globalização e solidariedade. E a cidade é o último refúgio da solidariedade. Os governos que não são generosos com suas cidades não são generosos com sua gente. Eu sou dessa ideologia e da ideologia da vanguarda, isso eu sempre fui. Não condiciono o meu pensamento a dogmas. Quem se prende a dogmas são os que não pensam. As circunstâncias me levaram a mudar de partidos.

Muitos criticam o senhor por causa das privatizações que ocorreram durante seu governo. O senhor se arrepende de tê-las feito?

Só me arrependo de não ter privatizado o Banestado no primeiro minuto do meu primeiro mandato. O banco retirava do mercado, por dia, R$ 700 milhões para cobrir prejuízos. Tentaram me provar que era viável arrumar a situação. E a coisa foi só piorando. Agora, o tempo mostra que eu estava com a razão. Trabalhavam a favor da corporação e não ligavam para os prejuízos ao governo. Já quanto à Sanepar, nunca pensamos em privatizar. E em relação à Copel, houve pressão do governo federal. O que queríamos era uma fusão da Copel com a Petrobrás, para ter juntas duas formas de energias, o que daria muito mais potencial, mas continuando a ser estatal.

E o pedágio?

O Paraná é o único estado que tem estradas federais em bom estado. O pedágio, possibilitando boas estradas, atraiu investimentos e gerou riquezas. Para acabar com o pedágio é fácil. Basta deixar de manter as estradas e deixar de se fazer obras. E esse governo que tanto critica o pedágio iniciou outros praças de pedágio.

O que faltou em seu governo?

Nós fizemos as coisas acontecerem. Errei na postura, deixando de ser mais enérgico contra os meus adversários. E no Brasil, parece que a palavra respeito não funciona muito. É fácil pressionar, gravar e intimidar usando o poder.

O senhor acha que ajudou ou prejudicou a campanha do senador Osmar Dias ao governo do Paraná?

Nem um nem outro. Fiz o que minha consciência dizia. O Osmar era o melhor candidato. O debate era entre o Osmar e o Requião, não comigo. Tanto que o Osmar entregou um cartão meu ao Requião em um debate da televisão, para que ele viesse debater comigo, se quisesse mesmo. Hoje no Paraná há um meio-governador. As críticas do Requião foram recheadas de mentiras. Ele se dedica à minha pessoa. Mas eu não me dedico à pessoa dele.

Quem o senhor considera uma liderança política hoje no Paraná?

O Osmar Dias, o Beto Richa e o Gustavo Fruet. E há ainda o Euclides Scalco, que é articulador, não candidato. Se eles tiverem bom senso, mudarão a história do Paraná.

Qual deles seria o melhor candidato ao governo em 2010?

No momento há de se avaliar a conjuntura. Agora, não dá para dizer. Mas o futuro passa por eles.

O senhor pretende ser candidato novamente?

Não e não sinto falta. Estou muito feliz com o que faço e sou muito reconhecido por isso. Estou escrevendo dois novos livros e pretendo fazer um filme sobre os problemas das cidades. Dei e dou minha contribuição para o desenvolvimento em várias cidades do mundo. E a permanência do meu domicílio eleitoral no Rio de Janeiro ainda ocorre porque não quero ser pressionado a ser candidato a nada. Estou fora da disputa, mas não de pensar no estado.

Não sente falta do poder?

Não. A melhor fase da minha vida foi ser prefeito de Curitiba. Pensava exclusivamente na cidade. Como governador do Paraná, tinha de haver a polêmica. Não gosto disso. Mas foi uma bela experiência de vida.

Se não gostava, por que então disputou a reeleição?

Nunca fui favorável à reeleição. Só a disputei porque a coisa foi posta como desafio. Era o meu mandato sendo posto à prova. Considero que a reeleição não foi boa para o Brasil. O Fernando Henrique Cardoso cometeu um grande erro com a reeleição.

O senhor fala muito em melhorias das cidades. Qual conselho o senhor daria a um governante de hoje sobre cidades?

Há cinco mandamentos: usar menos o carro; separar o lixo; buscar viver próximo ao trabalho; buscar a equação entre o que se poupa e o desperdício e haver a multiplicidade de usos dos locais. Fico muito decepcionado quando vejo dicussões sobre petit-pavé e reabertura da Rua XV. Isso não leva a lugar algum. O que Curitiba, por exemplo, deve se preocupar é em manter a qualidade do sistema de transporte coletivo. Há 83 cidades do mundo que copiaram Curitiba nesse sentido. Não se pode reduzir a qualidade. O metrô, por exemplo, sabem que não vai ser feito. É apenas uma bandeira para as eleições. A solução é o de superfície. É preciso facilitar a mobilidade.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]