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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Quase dois anos de atraso na apreciação do texto que regulamenta o comércio internacional de armas fazem do Brasil um ator internacional pouco atuante no assunto, apesar de ser o quarto maior exportador de armas leves do mundo.

O Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA) chegou ao Congresso em novembro de 2014 e seguiu para a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, onde ficou até dezembro de 2015, quando foi encaminhado para as Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Segurança Pública, esta última dominada por deputados da chamada “bancada da bala”.

A CCJ aprovou, nesta terça-feira (24), relatório favorável ao texto do tratado. Agora, aguarda o relatório do deputado Lincoln Portela (PRB-MG), também da bancada da bala, que será votado no plenário da Comissão de Segurança Pública.

O Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA) - que garante, entre outras coisas, que não sejam vendidas armas a países que cometem graves violações aos direitos humanos, como massacres e genocídios – foi assinado pelo Brasil na sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York, em 3 de junho de 2013. A data da assinatura, o primeiro dia possível para fazê-lo, mostrou a disposição do país em participar ativamente da discussão. Apesar disso, a lentidão do Legislativo inviabilizou a ratificação do tratado, o que deixa o Brasil sem voz diante dos outros 84 países que já ratificaram o TCA.

O deputado Alexandre Baldy (PTN-GO), presidente da Comissão de Segurança Pública, afirmou ser “absurda” a demora de seus pares em apreciar a matéria. Ele admite que esse é o tipo de tema que enfrenta enorme resistência entre os titulares da Comissão, em sua maioria contrários à regulação da venda de armamentos produzidos no Brasil.

“Esse é um tema sempre delicado, não é um tema que a gente consiga deliberar para votar com muita facilidade na Comissão. Muitos deputados ‘seguram’ projetos, tem casos de 2013 ainda sem relatório. É um absurdo”, disse, acrescentando: “Eu não seguro nada e não tenho problemas em pautar. Apesar de enfrentar resistência, um lado vai vencer. Eu vou pautar para ir a plenário, pode ter certeza. Já estamos cobrando o relator, ele deve apresentar o relatório na semana que vem para que vá ao plenário na próxima semana ou daqui a duas semanas”, garantiu Baldy.

O deputado admitiu, ainda, que não há equilíbrio entre as posições dos membros da Comissão que preside. “Creio que, na Comissão, tendenciosamente você tem mais pessoas favoráveis ao armamento, e é uma tendência para contribuir para que um determinado resultado ocorra”, afirmou, se colocando favorável ao tratado.

Brasil como coadjuvante

Sem ratificar o Tratado, o Brasil participa como coadjuvante, pelo segundo ano consecutivo, do Fórum de discussões sobre o TCA, já que apenas países que ratificaram o texto podem tomar decisões. Os signatários participam dos encontros - em 2015 na Cidade do México, e este ano acontece em Genebra ao longo desta semana -, mas apenas como ouvintes.

“Esse é o segundo ano que o Brasil está sendo um coadjuvante insignificante. Ele deveria ser um protagonista, existe essa expectativa, e no entanto ele está ali fingindo que não é com ele, enviando, desde o ano passado, delegações bastante tímidas, e o discurso também não se compromete. Agora é o momento de se comprometer, e isso está nas mãos da Comissão de Segurança Pública”, disse Marina Motta, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional.

Marina comparou o trâmite lento do TCA entre Executivo e Legislativo - que já passa dos três anos - com os quatro meses necessários para que o Brasil ratificasse o Acordo de Paris, que validou o pacto contra mudanças climáticas e estabeleceu metas para restringir a emissão de gases do efeito estufa. Ela defende que o Brasil “dê o exemplo”, já que está entre os maiores exportadores de armas leves do mundo.

“A gente é um ator muito importante no mercado internacional de armas, por isso temos a responsabilidade de fazer parte do debate público sobre regulação de exportação de armas e a responsabilidade de dar o exemplo nesse mercado”, explicou Marina.

Armas ‘made in Brazil’ no iêmen

À frente do Brasil no ranking de exportação de armas leves - pistolas, metralhadoras, lança-granadas, entre outras - estão os Estados Unidos, Itália e Alemanha. Desses, só os norte-americanos não ratificaram o Tratado e a tendência é que não o façam. Além de Itália e Alemanha, potências nesse mercado, como a França e o Reino Unido, também já ratificaram o TCA.

“O Brasil tem a obrigação de fazer e se comprometeu a fazer. É uma pendência na política externa brasileira, é a coisa sensata, óbvia e necessária a ser feita”, reforçou Marina, lembrando que as armas leves são as que mais matam pelo mundo, apesar de não serem a de maior potencial destrutivo, como mísseis.

A integrante da Anistia Internacional alerta, ainda, para a falta de transparência sobre o caminho das armas brasileiras pelo mundo. Marina citou como exemplo casos em que armamento produzido no Brasil foi usado em conflitos no Iêmen, na Costa do Marfim e no Barein.

“É importante a transparência sobre para onde vão as armas produzidas no Brasil, e a regra de ouro do tratado, garantir que não sejam vendidas armas para países onde são cometidos massacres ou graves violações de direitos humanos. Sabemos que a população não está de acordo com essas coisas, esse é um ponto pacífico. Eles (parlamentares da bancada da bala) se baseiam na lógica do sigilo”, explicou.

Além da Anistia Internacional, outras quatro organizações de direitos humanos produziram uma petição, chamada “Para onde vão as armas?”, para sensibilizar a sociedade brasileira a pressionar o Congresso pela aprovação do Tratado.

“Temos armas brasileiras aparecendo na Costa do Marfim, no Iêmen, no Barein. Armas usadas em explosões com o selo ‘Made in Brazil’. É isso que a gente quer?”, questiona.

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