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Salgadinho com o rótulo de transgênico no Brasil. Atualmente, é obrigatória a apresentação gráfica em alimentos e ingredientes com componentes geneticamente modificados |
Salgadinho com o rótulo de transgênico no Brasil. Atualmente, é obrigatória a apresentação gráfica em alimentos e ingredientes com componentes geneticamente modificados| Foto:

Uma agência federal deveria impor uma nova regra que custaria até US$ 3,5 bilhões em um ano, ainda que essa nova norma praticamente não ofereça benefícios?

Pode soar estranho. Contudo, há algumas semanas, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) sugeriu quase isso.

A proposta é consequência de uma longa batalha sobre a necessidade de rotular alimentos com bioengenharia - ou geneticamente modificados, os famosos transgênicos. A análise de custos e benefícios merece ser observada cuidadosamente, mesmo que levante sérias questões sobre a própria proposta.

Em breve, rótulos sobre transgênicos também podem ‘cair’ no Brasil

No verão de 2016, o Congresso dos Estados Unidos fez uma requisição para o USDA acerca desses rótulos. No mês passado, o órgão respondeu publicamente sobre o tema, com a Proposta Nacional do Padrão de Divulgação de Alimentos com Bioengenharia.

O Departamento da Agricultura foi franco sobre os custos da proposta. No primeiro ano, as companhias - a maioria dela produtoras de alimentos - iriam gastar algo em torno de US$ 600 milhões e US$ 3,5 bilhões em custos de adequação. Após esse elevado custo inicial, os custos anuais iriam variar entre US$ 132 milhões e US$ 300 milhões. Isso não pode ser classificado como monstruosamente caro, mas é muito dinheiro.

E o que o país ganha em troca?

O Departamento da Agricultura divulgou em nota que não há evidências de que alimentos geneticamente modificados causem riscos à saúde. Por isso, o padrão de divulgação “não tem a intenção de transmitir informações de segurança ou saúde”. E acrescentou que uma nova regra “não deveria trazer nenhum beneficio à saúde humana ou ao meio ambiente”, ainda que a rotulagem alterasse a proporção de compras de alimentos biogeneticamente modificados e ‘naturais’.

A conclusão não foi ‘partidária’. Ela foi apoiada pela Academia Nacional de Ciências, e reflete opiniões de especialistas tanto de governos republicanos quanto de democratas. Apesar disso, alguns experts não descartam possíveis riscos ambientais.

Rotulagem [ainda] é obrigatória no Brasil

Proposta do Deputado Federal Luis Carlos Heinze (PP/RS), a PLC 34/2015 sugere que os produtores de alimentos fiquem livres de rolar os produtos com alimentos transgênicos com a letra “T”. Em abril, o projeto foi aprovado na Comissão de Meio Ambiente do Senado.

Atualmente, a Portaria 2685 de 2003 do Ministério da Justiça acata resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que obriga a apresentação gráfica em alimentos e ingredientes com componentes geneticamente modificados, e a Lei 11.105/05 estabelece mecanismos de fiscalização de atividades com organismos geneticamente modificados.

Esse não é o fim da história. O USDA admite que muitos consumidores têm interesse de receber essas informações e afirmam que pagariam para receber os resultados de algumas pesquisas.

Mas o Departamento de Agricultura dos EUA não acredita nesses estudos. As pessoas poderiam responder aos questionários de forma exagerada, conforme seu nível de preocupação. E se essas pessoas querem saber se a comida é biomodificada, isso pode significar que acreditam, erroneamente, que ela não é saudável. Nesse caso, os reguladores devem corrigir o erro, ao invés de atender a demanda do consumidor.

O exemplo de Vermont

Ao mesmo tempo, o órgão norte-americano estava ciente de que se nada fosse feito pela administração federal, os produtores poderiam enfrentar caros e custosos sistemas de regulação e rotulagem nos estados. Em 2014, por exemplo, o estado de Vermont promulgou uma legislação de rotulagem obrigatória. De fato, essa regulação antecipou a análise do federal, que atraiu o apoio de fabricantes que buscavam uma uniformidade no país - e um conjunto menos agressivo para padrões de rotulagem.

Pela avaliação do USDA, se todos os fabricantes tivessem de aplicar a abordagem determinada em Vermont, e esse se tornasse o padrão nacional, os custos seriam ainda maiores, entre US$ 1,9 bilhão e US$ 6,8 bilhões apenas no primeiro ano. Nesse sentido, a proposta do Departamento de Agricultura ainda seria menos custosa.

Resumindo: um novo padrão federal não traria benefícios para ninguém, exceto para antecipar possíveis leis estaduais ainda mais caras para o setor produtivo.

Rótulo “T” em insumo agrícola Rodolfo Buhrer

Quantificar os benefícios

Para ter certeza, o USDA poderia ter feito uma tentativa para quantificar os benefícios mensurando o quanto os consumidores estariam dispostos a pagar por tal rotulagem. Além disso, alguns analistas sugerem que, diante das incertezas, certas precauções fazem sentido, já que algumas pessoas acreditam que os alimentos produzidos por bioengenharia oferecem risco ambiental.

Poderia ter sido produtivo para o Departamento da Agricultura avaliar esses tópicos. Contudo, ficou claro que mesmo que isso tivesse sido feito, a proposta de lei poderia acabar sem muito nexo.

Os céticos argumentam que sob a administração Trump quaisquer evidências contrárias não seriam destacadas, em qualquer caso. Mas a análise do USDA é consistente com o consenso científico e não se afasta de pontos de vistas da administração Obama, por exemplo.

Aqui segue o ‘resumo da ópera’: nenhum governo, federal ou estadual, deveria obrigar alimentos geneticamente modificados a levar rótulos.

* Cass Sustein é colunista de opinião da Bloomberg. É editor do livro Can It Happen Here? Authoritarianism in America” (Isso poderia acontecer aqui? O autoritarismo na América) e co-autor de “Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Happiness” (Um Empurrão: Melhorando Decisões sobre Saúde, Riqueza e Felicidade).

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