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Produtores de soja dos Estados Unidos criticaram a guerra comercial travada pelo governo de Donald Trump com a China, alertando que as barreiras tarifárias levantadas pelos países devem acabar por favorecer economias como o Brasil.
Nesta semana entraram em vigor tarifas chinesas de 10% sobre produtos americanos como soja, carnes suína e bovina e frutas, e de 15% sobre frango, trigo e milho. A China ainda suspendeu as importações de soja de três entidades dos Estados Unidos e interrompeu a compra de madeira americana.
Maior mercado para produtos agrícolas dos Estados Unidos, a China tomou a decisão de forma a retaliar uma taxação adicional de 10% imposta pelo governo Trump sobre importações chinesas, que entrou em vigor na semana passada.
A Associação Americana de Soja lançou uma nota em que afirma manter “consistentemente por anos” a posição de que não apoia o uso de tarifas como tática de negociação. Segundo a entidade, o movimento “ameaça mercados importantes e aumenta os custos de insumos para os agricultores”.
“Sabemos que os produtores estrangeiros de soja no Brasil e em outros países estão esperando colheitas abundantes este ano e estão preparados para atender a qualquer demanda decorrente de uma nova guerra comercial Estados Unidos-China”, declarou Caleb Ragland, presidente da associação.
“Os produtores de soja ainda não recuperaram totalmente os volumes de mercado dos impactos prejudiciais da guerra comercial de 2018, e isso agravará ainda mais as dificuldades econômicas de nossos agricultores”, acrescentou.
Analistas concordam com a previsão de que o agro brasileiro deve se beneficiar da guerra comercial entre Trump e China. A questão, segundo eles, é quanto espaço o Brasil ainda tem a ocupar no mercado chinês, após o terreno conquistado em disputa semelhante anos atrás.
Em 2018, durante o primeiro mandato de Trump, os Estados Unidos também elevaram tarifas sobre importações chinesas, levando a uma retaliação do país asiático. Na época, a China subiu de 3% para 25% a taxação sobre a soja americana, resultando em uma reorganização do comércio global do grão.
Enquanto os Estados Unidos redirecionaram as exportações para outras economias, como a União Europeia, o México e outros países da Ásia, a China buscou comprar soja de outros fornecedores, principalmente da Argentina e do Brasil, que passou a ser o maior exportador da commodity para o mercado chinês, superando os Estados Unidos.
Em janeiro de 2020, China e Estados Unidos assinaram um acordo que incluiu um compromisso do país asiático de comprar US$ 40 bilhões adicionais em produtos do agro americano, incluindo soja, nos dois anos seguintes.
Fatia da soja brasileira nas importações da China subiu de 53% para 70%
Dessa vez, embora o redirecionamento das importações chinesas para o Brasil seja praticamente consenso entre analistas, a atual disputa comercial entre Trump e China deve ter efeito mais contido do que o ocorrido entre 2018 e 2020.
Uma das razões é que o país asiático dessa vez não teria capacidade de absorver muito mais exportações brasileiras de commodities como a soja. Hoje cerca de 70% das importações chinesas do grão já tem origem no Brasil, contra um marketshare de 53% em 2017, segundo relatório do Itaú BBA. No caso do milho, estoques chineses elevados podem levar à redução de importações neste ano.
“Para a soja, o aumento das tarifas chinesas sobre os Estados Unidos em 2018 realmente levou a um declínio significativo nas exportações dos Estados Unidos para a China e a um aumento nas exportações brasileiras”, ressalta Felipe Kotinda, do Santander, em relatório recente. “No entanto, mesmo que o volume de exportações cresça desta vez – dada a próxima abundante safra em 2024/25 – esperamos que os preços desvalorizados equilibrem o valor total de exportações”, diz.
“No caso de proteínas (suína, bovina e de aves), o principal impulsionador do aumento impressionante das exportações brasileiras foi a febre suína africana na China, não o aumento das tarifas chinesas em si”, acrescenta. “Em resumo, antecipamos uma alta limitada no total de exportações brasileiras devido a uma taxa retaliatória chinesa sobre produtos agrícolas dos Estados Unidos.”
Os economistas Igor Barreto Rose e Julia Marasca, do Itaú, avaliam ainda que a China pode buscar comprar mais produtos do setor agro americano, visando um acordo para barrar maiores tarifas. “Se este for o caso, os impactos positivos para o Brasil podem ser até menores”, afirmam.
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Além disso, a escalada protecionista americana pode resultar em novos aumentos de tarifas sobre produtos brasileiros, impactando as exportações para os Estados Unidos. Trump já citou o Brasil algumas vezes como exemplo de país que adota uma taxação “injusta” sobre mercadorias americanas.
O país é uma das principais vítimas da taxação de 25% sobre aço e alumínio importados pelos EUA, que entrou em vigor na quarta-feira (12). E tende a ser incluído nas "tarifas de reciprocidade" que serão aplicadas a partir de abril.
Kevin Hassett, presidente do Conselho de Políticas Econômicas de Trump, indicou recentemente que a política externa americana pode adotar como princípio “equiparar” as tarifas cobradas entre países.
Segundo estudo do Bradesco, o Brasil tarifa, em média, em 11,3% os produtos importados dos Estados Unidos, enquanto os americanos aplicam uma tarifa de 2,2%, em média, em itens brasileiros.
Analistas do banco traçaram três possíveis cenários para o comércio exterior brasileiro diante das ameaças do governo americano. Se for adotada a reciprocidade, as exportações brasileiras teriam uma redução de US$ 2 bilhões, o equivalente a 5% do total vendido ao exterior.
Caso os Estados Unidos aumentem as tarifas de importação sobre produtos brasileiros para 25%, como ameaçam fazer contra México e Canadá, o impacto seria de US$ 6,5 bilhões.
No terceiro cenário, em que o Brasil retalia os Estados Unidos e impõe tarifas de 25% sobre mercadorias americanas, as importações recuariam cerca de US$ 4,5 bilhões, com um repasse para a inflação de até 0,3 ponto porcentual.
“O atual contexto sugere um balanço de riscos assimétrico para o lado negativo para o Brasil, uma vez que os riscos positivos parecem mais limitados do que em 2018, e o risco de novas tarifas sobre as exportações brasileiras vem crescendo”, concluem Igor Barreto Rose e Julia Marasca, do Itaú.








