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Porto de Paranaguá (PR): Congresso debate projeto de reciprocidade para parceiros comerciais que impõem ao Brasil exigências ambientais não requeridas de nenhum outro país.
Porto de Paranaguá (PR): Congresso debate projeto de reciprocidade para parceiros comerciais que impõem ao Brasil exigências ambientais não requeridas de nenhum outro país.| Foto: Felipe Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo

Se os europeus são tão zelosos em relação às mudanças climáticas e à proteção do meio ambiente, deveriam aceitar um desafio para verificar, ponto a ponto, o real nível de sustentabilidade de seus países na comparação com o Brasil. Quem propõe essa espécie de checklist ambiental é o senador Zequinha Marinho (PL-PA), autor do Projeto de Lei da Reciprocidade (PL 2.088/2023), que tramita no Congresso.

A Lei da Reciprocidade Ambiental prevê a adoção do critério “olho por olho”, estabelecendo que só poderão ser disponibilizados no mercado brasileiro “bens e produtos originados de países que adotem e cumpram níveis de emissões de gases de efeito estufa iguais ou inferiores aos do Brasil” e que “cumpram padrões de proteção do meio ambiente compatíveis com as estabelecidas pela legislação brasileira”.

“Ora, se vale para o Brasil, qual a razão de não valer para eles? Vamos aos fatos. Enquanto o Brasil possui uma área de 58,5% do seu território preservado com floresta nativa, o Reino Unido tem apenas 13%. Na Dinamarca, essa cobertura florestal é de pouco mais de 14%. Esses países, além de importar nossas commodities, deveriam se inspirar nas regras e padrões ambientais do Brasil”, aponta Marinho.

O senador cita ainda o exemplo da Noruega, segundo maior fornecedor de energia para Europa, atrás apenas da Rússia. “Exploram petróleo, se beneficiam dessa indústria, mas financiam as ONGs – por meio do Fundo Amazônia – para impedir a liberação de um estudo de prospecção para produção de petróleo na Foz do Amazonas”, argumenta.

Ideia é forçar o diálogo bilateral

A proposta de uma legislação com medidas recíprocas a parceiros comerciais tem apoio significativo no Congresso, e é vista como maneira de forçar o diálogo bilateral.

Como pano de fundo estão o impasse no acordo União Europeia-Mercosul, após um aditivo de exigências ambientais apresentadas pelo bloco europeu numa side letter, e a aprovação do regulamento antidesmatamento que obrigará as empresas a comprovarem que os produtos adquiridos não vêm de áreas desmatadas após 2020. A regra europeia não diferencia o desmatamento ilegal da conversão legal de áreas para agricultura respeitando o Código Florestal Brasileiro.

Para a advogada especialista em Direito Socioambiental Samantha Piñeda, os europeus ainda não se deram conta de que teriam muito a perder numa guerra comercial com o Brasil.

“Seria muito pior se outro país tentasse fazer isso e a gente tivesse prejudicialidade de questões comerciais maiores. Porque o Brasil compra significativamente queijos, vinhos e azeites da Europa, e eles não têm muitas outras coisas para exportar para nós. Se a gente bloqueia isso, eles saem perdendo mais do que o Brasil”, avalia.

Ela se diz favorável à Lei de Reciprocidade de uma forma ampla, e não apenas espelhando o Código Florestal. “Se olharmos os produtos que importamos da Europa, na maioria industrializados, e começarmos a fazer uma exigência ambiental em nível de emissões para países cuja indústria é baseada na queima de combustível fóssil, também poderemos criar protecionismo para os nossos processos, para os nossos produtos. Por que aqui temos energia limpa e renovável”, sublinha.

Preocupação europeia seria mercadológica, e não ambiental

A advogada vê a Lei da Reciprocidade como uma medida “sensata e viável” para se defender do protecionismo europeu. “Eles se desenvolveram de uma forma insustentável, emitindo gases de efeito estufa e acabando com a diversidade e a flora. E não querem que nos desenvolvamos de uma forma minimamente sustentável. Por isso se percebe que a preocupação não é ambiental, mas é mercadológica”, afirma.

Segundo o regulamento aprovado pelo Conselho Europeu em maio, os compradores de óleo de palma, gado, soja, madeira, cacau, café e borracha, além de produtos derivados como chocolate, couro, móveis e papel, terão de comprovar que esses itens não foram produzidos em solo que tenha sofrido desmatamento ou degradação florestal depois de 31 de dezembro de 2020, e que também não infringiram os direitos humanos e dos povos indígenas.

A lei entra em vigor no fim de 2024. Um ano depois, no entanto, está prevista revisão para eventualmente incorporar outros biomas, como o Cerrado, às exigências.

Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a lei europeia vai resultar em aumento de custos aos produtores e erra ao não fazer diferenciação entre desmatamento legal e ilegal e ao desconsiderar os estoques de terras de cada país. A entidade considera que os produtores brasileiros já cumprem a maior parte dos requisitos ambientais, e vê com preocupação os custos para comprovar as boas práticas nas cadeias, de ponta a ponta.

Recorrer à OMC não adianta muito atualmente

Em relação à Lei da Reciprocidade ou ao acionamento da Organização Mundial do Comércio (OMC), a preferência ainda é buscar o diálogo. “A negociação é sempre o melhor caminho, mas não deve ser descartada uma disputa num organismo multilateral. Mas um processo dessa natureza demora anos, e como o órgão de apelação da OMC não está funcionando, o ganho real disso no caso de sucesso numa disputa também não aconteceria agora”, diz Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da CNA.

A Lei da Reciprocidade tem o apoio da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG). Para a entidade, isso não quer dizer que as empresas brasileiras deixarão de cumprir as exigências adicionais.

Segundo Ingo Ploger, vice-presidente da ABAG, as exigências são em grande parte inócuas e vão aumentar o preço dos produtos no mercado europeu. Ele defende que os setores e associações brasileiras informem o consumidor europeu desta realidade, atuando a partir de uma frente ampla, que envolve política, lei de reciprocidade, e atuação conjunta do Mercosul junto à União Europeia e a órgãos como a OMC e a OCDE.

O entendimento é de que a União Europeia estaria escondendo de seus cidadãos os reais custos das medidas, que carregam o equívoco de tratar a agricultura tropical sob a mesma ótica de países de clima mais frio. A restrição à importação de biocombustíveis (etanol) para adição à gasolina ou uso em motores flex fuel, por exemplo, tira uma opção do consumidor e eleva o preço do combustível fóssil a valor três vezes maior do que no Brasil.

Ingo Ploger é vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG)
Ingo Ploger é vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG)| Johnny Duarte / Divulgação ABAG

Consumidor europeu vai pagar até 50% mais caro, sem necessidade

“Ao solicitarem mais uma série de certificações comprovando o não envolvimento no desmatamento, encarecerão produtos em até 50%, mesmo sabendo que muitos destes produtos já possuem certificações suficientes e de alta credibilidade. O Brasil, como o Mercosul, irá atender a estas exigências, pois ‘o cliente manda’. No entanto, sabemos que infelizmente ele desconhece que pagará uma conta alta, sem atingir o objetivo divulgado”, enfatiza Ploger.

A crítica da ABAG aos europeus é de que eles não consultaram previamente seus aliados estratégicos quanto à lei antidesmatamento, ao contrário do que vêm fazendo os Estados Unidos. Isso estaria ferindo os princípios da OMC.

“Ao agir dessa forma, a UE coloca seus aliados comerciais em uma situação de atendimento ou obstrução. Em situações como essa, o Projeto de Lei n° 2088, de 2023, é uma forte sinalização do parlamento brasileiro de que legislações unilaterais que cerceiem o comercio internacional terão respostas fortes de reciprocidade”, diz o vice-presidente da ABAG.

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