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Presente em 93,2% das lavouras do grão no país, a biotecnologia entrou de forma ilegal no Brasil, via contrabando da Argentina |
Presente em 93,2% das lavouras do grão no país, a biotecnologia entrou de forma ilegal no Brasil, via contrabando da Argentina| Foto:

O peso da soja para o Brasil vai muito além das mais de 90 milhões de toneladas esperadas nesta safra. Com os preços atuais, esse volume vale mais de R$ 80 bilhões, riqueza que se multiplica em segmentos correlatos.

O principal produto da agricultura brasileira faz com que o agronegócio tenha participação de 23% no Produto Interno Bruto (PIB). Em grão, farelo ou óleo, a soja responde por 13% das exportações do país.

O próprio custo de vida passa a depender da oleaginosa, por sua influência nos preços das carnes, do óleo e do biodiesel, uma lista de produtos que só cresce. Em nenhuma cidade do Brasil alguma família vive isolada do ciclo econômico da soja.

O aumento da produção e o consequente ganho de participação do Brasil no mercado internacional nos últimos anos fizeram da soja a segunda mais importante commodity nacional, atrás somente do minério de ferro. As exportações do complexo soja (grão, farelo e óleo) rendem mais US$ 30,9 bilhões (R$ 77,2 bilhões) ao país ao ano.

O faturamento obtido com essas transações internacionais corresponde a 31% das exportações do agronegócio, que envolvem outros grãos, o setor sucroalcooleiro, a pecuária e a indústria florestal. Esse desempenho tem garantido saldo positivo na balança comercial do Brasil há 13 anos. No ano passado, quando o superávit foi de US$ 2,55 bilhões, sem a soja, o país teria um déficit de US$ 28,35 bilhões.

Os resultados crescem com a produção, mas estão sujeitos a incertezas que vão além da influência do clima. “Há alguns anos, o que ditava os preços internacionais eram basicamente os estoques mundiais. Hoje estamos num mercado totalmente globalizado, sujeito à interferência de fundos de investimento especuladores e da indefinição na troca do ministro da Fazenda, por exemplo”, afirma o agricultor Gustavo Ribas, de Ponta Grossa, um dos polos brasileiros de produção de soja.

Cultivo pop

Com um século de história nos campos brasileiros, a commodity completa o mais duradouro e importante ciclo agroeconômico do país. Nenhum outro produto teve expansão por quatro décadas consecutivas, ressalta o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa-Soja), Amélio Dall’Agnol.

Apesar da idade avançada, a soja está longe do seu ápice, avalia. “Ocupa quase metade da área cultivada no Brasil e continuará crescendo. As pastagens vão ceder espaço e também serão incorporadas na produção de soja e milho”, prevê Dall’Agnol.

Para o sócio-diretor da consultoria MB Agro, José Carlos O’Farril, a única ameaça à expansão da soja no mundo e, principalmente no Brasil, vem do continente asiático. “A grande questão que se levanta hoje é a sustentabilidade do crescimento chinês”, frisa.

“A China é o maior importador mundial e vem diminuindo suas taxas de crescimento”, acrescenta. Mas isso não é tudo. “A economia chinesa é muito maior, o PIB do país dobrou.  Portanto, crescer 7% seria o mesmo que crescer 14% lá atrás”, pondera. O mercado da soja está relacionado ao aumento do consumo de proteína, que depende da renda per capita e de mudanças de hábito consideradas irreversíveis.

Fome mundial

A expansão da soja em todas as regiões do Brasil está associada a mudanças na economia e no consumo notados também no Brasil. Metade da colheita do grão é processada e boa parte fica no mercado interno, para abastecer cadeias como as que produzem carnes. O brasileiro passou a consumir mais frango que boi em 2006 e estimulou a formação de uma indústria que produz 12,3 milhões de toneladas de carne da ave ao ano (70% para consumo doméstico). É soja e milho transformados em proteína animal na mesa da população.

Além do consumo crescente no Brasil, explora-se o mercado externo. “Outros países da Ásia estão seguindo o caminho da China, como o Vietnã, que tem um potencial enorme, além da África e Índia, que possuem mais de 1 bilhão de habitantes”, diz o economista da MB Agro.

Cidades emergem no meio da lavoura

A soja é capaz de fazer brotar cidades no interior do Brasil. Luis Eduardo Magalhães, no Oeste Baiano; Sorriso, ao Norte de Mato Grosso e Toledo, no Oeste do Paraná, são alguns exemplos. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita desses municípios está acima da média nacional. No caso da cidade baiana, que pertence à mais recente fronteira agrícola do país, é de R$ 43 mil. Já a média brasileira é de cerca e R$ 28 mil, conforme dados do IBGE.

Pesquisador do Cepea e professor da Universidade de São Paulo (USP), Lucílio Rogério Alves ressalta que o desenvolvimento da cultura, especialmente entre as décadas de 1970 e 1980, permitiu um avanço da colonização do Brasil Central. “Isso automaticamente promoveu um desenvolvimento de tecnologias para o campo, de infraestrutura”. Em outra frente, houve a “internacionalização do Brasil”. “Com a lei Kandir e os incentivos para exportar, intensificamos a relação do preço da soja com o mercado internacional”, comenta. E as cidades que giram em torno da oleaginosa, onde quer que se situem, passaram a ter conexão direta com o exterior.

“Aqui não existia cidade. Éramos um distrito. Conforme a soja foi entrando nos campos e a produção foi crescendo, houve a transformação. A emancipação ocorreu em 1986”, conta Dilceu Rossato, prefeito de Sorriso (Mato Grosso), a “Capital Mundial da Soja”.

No município, a commodity tem status de moeda. E, apesar de não gerar imposto para a prefeitura, alimenta o setor de transporte, líder em contribuição. “A agricultura está em segundo lugar, e depois vem o comércio”, afirma o prefeito. “A cidade vive em função da soja.” Em pouco mais de dez anos, Sorriso quintuplicou seu PIB, que hoje está em mais de R$ 3 bilhões.

Toledo multiplica riqueza da agricultura

A riqueza da soja não acomoda uma região determinada a diversificar o agronegócio.  É assim em Toledo, município do Oeste do Paraná responsável por 2,3% da Valor Bruto da Produção (VBP) do agronegócio no estado. Os produtos primários renderam R$ 1,59 bilhão aos produtores, conforme estimativa do Departamento de Economia Rural (Deral), órgão da Secretaria Estadual da Agricultura e do Abastecimento. As lavouras de verão renderam R$ 382 milhões ao setor produtivo em 2013, mas ficaram pequenas diante dos R$ 870 milhões da pecuária (suíno, frango e leite). Um fenômeno que se repete em dois corredores, um na Região Oeste e outro nos Campos Gerais.

Com estímulo interno, setor teria mais força

O Brasil desponta no campo mas se intimida na indústria da soja. O sistema tributário estimula a exportação de grãos e deixam as fábricas de óleo e farelo ociosas. Um quadro a se lamentar, conforme a Associação Brasileira das Indústrias e Óleos Vegetais (Abiove). Mais da metade da produção do país – 46 milhões de toneladas – passa em frente a porta das esmagadoras, foge dos impostos e segue direto aos portos. Na década de 1980, 87% dos embarques eram de farelo e óleo.

Essa inversão ocorreu a partir de meados da década de 1990 e início dos anos 2000, com a Lei Kandir, que isentou os exportadores de grãos, e a partir da expansão da demanda chinesa, que possui vasta estrutura de processamento.

Trata-se de um processo de desindustrialização gradual, afirma Fábio Trigueirinho, secretário-executivo da Abiove. “Enquanto a China aumenta suas importações de soja em grão e agrega valor com a produção de óleo, farelo e carnes, nós aqui no Brasil fechamos a indústria esmagadora”, critica.

Levantamento da entidade revela que se a produção de um hectare de soja em Mato Grosso for transformada em carne e exportada, a receita supera os US$ 9 mil, enquanto a exportação do grão gera menos de US$ 3 mil. A própria indústria, com base na rentabilidade de cada operação, exporta soja que poderia ser processada.

Na zona rural também não faltam críticas ao governo, que não leva a efeito a garantia de preços mínimos. O agricultor Cândido Uemura, pioneiro no plantio direto, prefere não quebrar a cabeça com as contradições internas: planta commodities. “É muito melhor trabalhar com um produto que tem formação de preço internacional do que um que depende da política brasileira [como feijão e trigo]”. O cooperado da Integrada cultiva 500 hectares de soja em Mauá da Serra (PR) e 10 mil hectares de soja, algodão e milho em São Desidério (Oeste da Bahia).

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