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O produtor paranaense Adir Lui não se deixa seduzir pela tentação de plantar soja na segunda safra. “Sou contra quem planta comercialmente. Além de tudo, porque o custo de fungicida, inseticida, herbicida está muito alto”, diz. | Michel Willian/Gazeta do Povo
O produtor paranaense Adir Lui não se deixa seduzir pela tentação de plantar soja na segunda safra. “Sou contra quem planta comercialmente. Além de tudo, porque o custo de fungicida, inseticida, herbicida está muito alto”, diz.| Foto: Michel Willian/Gazeta do Povo

O ano de 2019 não estará, com certeza, entre os mais memoráveis para a agricultura do Paraguai. Além de registrar uma quebra de 15% a 20% na recém-colhida safra de verão devido a problemas climáticos, os agricultores paraguaios – muitos deles brasiguaios – podem sofrer mais um revés ainda neste primeiro semestre: o governo do presidente Mario Abdo Benítez promete enviar ao Senado nas próximas semanas um projeto de lei que prevê a criação do chamado “imposto da soja”, mas que atinge também o milho e o trigo num valor de 10%.

Pelo sistema atual, os agricultores do Paraguai pagam 10% de imposto de renda (Iragro) e 2,5% de Imposto de Valor Agregado (IVA). A cobrança de um novo “imposto da soja”, entre 10 a 15% sobre o valor de exportação do grão, foi proposta pela Frente Guasu, de partidos de esquerda, e aprovada pelo Congresso há dois anos, mas até hoje não está regulamentada. O atual governo, eleito em agosto do ano passado, promete entregar um pacote de reforma tributária ao Congresso que, além de criar o “impuesto de la soja”, prevê reajuste nas alíquotas pagas pelo cigarro (de 18% para 35%), bebidas alcoólicas e refrigerantes (de um máximo hoje de 19,5% para até 26%) e 10% para importação de carros e motocicletas usadas.

Veja fotos da Expedição Safra no Paraguai

Parlamentares favoráveis ao imposto sobre a oleaginosa calcularam que a medida injetará 300 milhões de dólares adicionais por ano aos cofres públicos, que seriam distribuídos 50% para financiar a reforma agrária, 20% para apoio à agricultura campesina (familiar), 20% para serviços de saúde e 10% para obras de infraestrutura no meio rural e manutenção de estradas.

“Acreditamos que os impostos que os produtores pagam hoje são significativos, não precisa haver modificações. O presidente disse que não haveria aumento de imposto e queremos agora que ele cumpra o que disse à nação”, enfatiza Jose Berea, presidente da Câmara Paraguaia dos Exportadores e Comercializadores de Cereais e Oleaginosas (CAPECO).

Caso o setor agropecuário perceba que a aprovação do imposto se torne inevitável, a estratégia será tentar reduzir o índice. Uma possibilidade, segundo o dirigente da CAPECO, é adotar um imposto de renda diretamente da comercialização primária; outra, é não haver devolução de metade do IVA pago pelo produtor (5%). Em vez de ficar com 2,5%, o tesouro paraguaio ficaria com todos os 5%. “Mas se o imposto da soja for instituído, seguramente perderemos competitividade, porque temos dois vizinhos poderosos, a Argentina e o Brasil”, pondera Berea.

“Não temos para onde vender, se não para o Brasil”, diz Milton Abich, gerente da associação de produtores Coordinadora Agrícola de Paraguay, em Santa RitaMichel Willian/Gazeta do Povo

Efeito contrário

O produtor brasiguaio Marcos Pies, do distrito de San Cristóbal, no Alto Paraná, aponta que a tributação mais pesada poderá ter efeito exatamente contrário do pretendido: prejudicar em vez de ajudar os pequenos produtores. “Se já tivesse o imposto nesta safra, seria um tiro no pé. Porque tem muito pequeno e médio agricultor que já está com dificuldade para cobrir os custos e, com esse imposto, não teria como aguentar”. A região onde Pies plantou 110 hectares de soja no último verão teve redução de até 40% da produtividade, por causa do forte calor. “Quebrou a soja plantada cedo e quebrou a soja plantada tarde. Enquanto no ano passado passamos de 4 mil kg por hectare, neste ano não passou de 2 mil kg. Hoje eu não pago ninguém com essa renda”, sublinha.

A safra de soja de verão no Paraguai foi estimada pela CAPECO em 7,5 milhões de toneladas, contra 9,2 milhões no ano passado. Devido à quebra, os produtores aumentaram de 600 mil para 800 mil hectares a área plantada com safrinha de soja, que deve render mais 1,5 milhão de hectares. A segunda safra não é recomendada agronomicamente por favorecer o aparecimento de pragas e doenças, mas é popular no Paraguai. Arlei Rockenback, brasiguaio de Santa Rita, assegura que “a safrinha viabilizou a agricultura no Paraguai” por sua alta liquidez. O vizinho dele, Adir Lui, natural de Palotina (PR), não se deixa seduzir. “Nunca plantei soja safrinha, sou contra quem planta comercialmente. Além de tudo, porque o custo de fungicida, inseticida, herbicida está muito alto”.

Ano melhor

No ciclo 2017/18, a safra do Paraguai quebrou pela primeira vez a marca das 10 milhões de toneladas de soja.Michel Willian/Gazeta do Povo

No ciclo 2017/18, a safra do Paraguai quebrou pela primeira vez a marca das 10 milhões de toneladas de soja. Além do impulso do clima perfeito, os paraguaios surfaram na onda dos preços de soja sobrevalorizados na América do Sul, por causa da guerra comercial entre EUA e a China. Alguns produtores chegaram a receber adicional de 8 dólares a 15 dólares por tonelada do preço em Chicago. Atualmente, o prêmio é negativo: entre 40 e 42 dólares abaixo do preço da bolsa americana.

“Na soja, perdemos cerca de 20% na produção e em torno de 15% na diferença do preço de venda final. No milho, dependemos praticamente só do mercado brasileiro. E com o câmbio a R$ 4 para cada dólar, fica praticamente inviável o plantio. Não temos para onde vender, se não para o Brasil”, diz Milton Abich, gerente da associação de produtores Coordinadora Agrícola de Paraguay, em Santa Rita. Neste ponto, o produtor Arlei Rockenbach reforça: “se o câmbio não ajudar, nosso milho perde em preço até para o milho do Mato Grosso, que está muito mais longe de Santa Catarina (de onde vem a maior demanda)”.

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