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Manifestantes protestam em Bonn, no Oeste da Alemanha, contra a aquisição da Monsanto pela Bayer, em maio deste ano | PATRIK STOLLARZ/AFP
Manifestantes protestam em Bonn, no Oeste da Alemanha, contra a aquisição da Monsanto pela Bayer, em maio deste ano| Foto: PATRIK STOLLARZ/AFP

As ações da Bayer abriram a semana em queda livre, no pior patamar dos últimos sete anos, em meio às especulações sobre quanto poderá custar uma prolongada batalha judicial em torno do herbicida Roundup (nome comercial do glifosato), produto da linha de frente da Monsanto, recentemente adquirida pela multinacional alemã.

A Monsanto foi condenada na última sexta-feira, 10, por um tribunal estadual de São Francisco a pagar indenização de US$ 289 milhões (R$ 1,1 bilhão) ao jardineiro Lee Johnson, que alegou ter contraído câncer por causa da exposição contínua ao glifosato. A empresa, cujo valor de mercado despencou 10 bilhões de euros (cerca de R$ 44 bilhões), garante que o Roundup é seguro.

O julgamento colocou à prova as evidências contra a Monsanto e pode balizar o desfecho de milhares de outros processos judiciais contra o glifosato. Em junho, a Bayer fechou um acordo para comprar a Monsanto por cerca de US$ 66 bilhões (R$ 247 bilhões). Na avaliação de Chris Perrella, analista da Bloomberg Intelligence, se condenações semelhantes se repetirem, a Bayer terá os alicerces abalados.

O veredito surpreendeu investidores da Bayer e trouxe à tona incômodas memórias do escândalo da pílula anticolesterol Lipobay. A Bayer teve que gastar mais de US$ 1,1 bilhão (R$ 4,3 bilhões) para fechar acordos em processos judiciais, lembra Markus Mayer, analista do Baader Bank.

Jardineiro Lee Johnson, após sentença favorável a indenizaçãoJOSH EDELSON/AFP

“Os investidores estão preocupados que o caso se transforme numa espécie de Lipobay 2.0”, disse Mayer.

Nesta segunda-feira, as ações da Bayer em Frankfurt chegaram a recuar 12%, a pior queda desde setembro de 2011. No total, já caíram 19% desde o início do ano. Os títulos de dívida emitidos pela Bayer para resgate em dezembro de 2029, no valor de 1,5 bilhão de euros, caíram 3 centavos por euro, o pior desempenho desde a emissão, em junho, para ajudar a pagar pela aquisição da Monsanto.

O glifosato, ingrediente ativo do Roundup, foi aprovado pela primeira vez para controle de ervas daninhas em 1974, pela Monsanto. Apesar de ter se tornado o herbicida mais popular do mundo, a suspeita de que pudesse ser tem provocado acalorados debates entre ambientalistas, legisladores, pesquisadores e advogados – a despeito de, por décadas, a Monsanto ter insistido de que se trata de uma molécula perfeitamente segura.

“Mais de 800 estudos e revisões científicas, além de relatórios da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, do Instituto Americano de Saúde e de autoridades competentes ao redor do mundo, dão sustentação ao fato de que o glifosato não provoca câncer, e não causou a doença do senhor Johnson”, disse, em nota, o vice-presidente da Monsanto Scott Partridge após a condenação de sexta-feira.

A importância do Roundup para a companhia americana, e agora para sua nova proprietária germânica, vai muito além da eficiência para matar ervas daninhas. A Monsanto alterou geneticamente o DNA do milho, da soja e de outras culturas para torna-las resistentes ao Roundup; atualmente fatura mais com as variedades de sementes do que com o herbicida.

Cabe recurso

Os jurados determinaram uma indenização de US$ 39 milhões ao jardineiro (cerca de R$ 150 milhões), e aplicaram outros US$ 250 milhões (cerca de R$ 647 milhões) como punição à Monsanto, por concluírem que a empresa é responsável pelos efeitos colaterais do glifosato, e por falhar em alertar sobre o risco. A companhia avisou que irá recorrer.

“O veredito é apenas uma etapa deste processo”, afirmou a Bayer em nota, nesta segunda-feira. Antes de estourar o caso, o processo de integração das operações da Monsanto à Bayer estava marcado para começar até o final deste mês.

No trabalho como jardineiro em escolas municipais de Benicia, na Califórnia, a cerca de 65 quilômetros de São Francisco, Lee Johnson misturou e pulverizou milhares de litros de Roundup. Ele recebeu o diagnóstico de câncer em 2014 e, em julho de 2017, após fazer quimioterapia e outros tratamentos, recebeu do médico a notícia de que teria somente seis meses de vida.

Os advogados de Johnson argumentaram que a exposição do cliente, e os acidentes que o deixaram encharcado com glifosato, dos pés à cabeça, foram a causa de ser acometido pelo linfoma não-Hodgkin. Eles pleiteavam indenização de US$ 412 milhões (cerca de R$ 1,61 bilhão).

Em suas argumentações finais perante o júri, na semana passada, o advogado de Johnson, Brent Wisner, disse que os pesquisadores da Monsanto sabiam do risco do glifosato causar câncer desde o início dos anos 1970, mas falharam e não informaram ao público, pelo contrário, “se engajaram num esforço deliberado para distorcer a verdade”, na medida em que o herbicida produzia generosos lucros.

“Apesar de a Agência de Proteção Ambiental fracassar ao não exigir a rotulagem adequada, estamos orgulhosos pelo fato de um júri independente ter seguido as evidências e usado sua voz para enviar uma mensagem à Monsanto, de que os anos de engano envolvendo o Roundup se acabaram, e que ela deve colocar a segurança do consumidor acima do interesse por lucros”, disse Wisner, em nota, após o veredito.

Em defesa, a Monsanto argumentou que o tipo de câncer contraído por Johnson leva vários anos para se formar. O curto período entre a primeira exposição do jardineiro ao glifosato, em 2012, e o diagnóstico da doença, em 2014, tornaria impossível qualquer conexão entre os dois fatos, segundo a empresa.

“Eles vão recorrer e veremos o que acontecerá em seguida”, diz Ulrich Huwald, analista do Warburg Research, em Hamburgo. Mesmo que a Bayer não sofra condenações semelhantes em outros casos, a companhia poderá ser forçada a fazer acordos. “Como dizemos no norte da Alemanha, ‘em um tribunal e no alto-mar, você está nas mãos de Deus’”.

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