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No Meio-Oeste americano, Trump chegou a obter 75% dos votos nas eleições presidenciais | RICK WILKING/REUTERS
No Meio-Oeste americano, Trump chegou a obter 75% dos votos nas eleições presidenciais| Foto: RICK WILKING/REUTERS

O custo para produzir milho nos Estados Unidos é hoje mais alto do que o seu valor de venda, cotado em US$ 3,50 o bushel (cerca de R$ 26 pela saca de 60 kg). A soja, que avançou em área plantada depois da queda livre do milho, mantém apenas uma estreita vantagem. Atualmente vendida por menos de US$ 10 o bushel (cerca de R$ 70 a saca), a leguminosa alcança menos de 2/3 do preço que tinha até poucos anos atrás.

Para atravessar esses tempos difíceis, os produtores vêm tomando mais e mais empréstimos. As estatísticas do Departamento de Agricultura indicam que, enquanto a renda agrícola caiu quase pela metade nos últimos quatro anos, o endividamento aumentou em mais de 25% - com projeção de que poderá ultrapassar US$ 390 bilhões neste ano, o nível mais alto desde a crise agrícola dos anos 80.

E mesmo assim, o presidente Donald Trump, em quem os fazendeiros votaram justamente por causa da queda de renda, está prestes a tornar as coisas muito piores.

Afundados em dívidas e incomodados com os lucros minguantes, mais de 75% dos eleitores rurais do Cinturão Verde americano votaram para Trump na última eleição presidencial. Eles vibraram com a promessa de apoio à política de Combustíveis Renováveis (que sustenta a indústria do etanol), com o compromisso de eliminar taxas sobre terras herdadas e aliviar algumas regras ambientais.

Acima de tudo, eles gostaram do discurso duro contra a política comercial americana. Praticamente metade da colheita de milho e soja é despachada para fora do país, assim, os produtores se animaram com a reputação de que Trump é um negociador nato, um empresário renomado por habilidades gerenciais que pode usar seu braço forte para fazer parceiros comerciais pagarem mais pelas commodities americanas.

Retórica de conflito

O que se vê, no entanto, é Trump repetir as ameaças de sair completamente do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta) – um gesto que seria desastroso para os agricultores, na avaliação unânime de organizações agrícolas, analistas de mercado e especialistas em comércio.

Alguns negociadores americanos no México e outros especialistas veem a retórica anti-Nafta de Trump como uma mera estratégia de barganha, mas nos últimos nove meses ele tem se comportado bem mais como um exterminador do que um construtor de acordos. Trump se retirou da Parceria Transpacífico (TPP) apesar dos protestos do Farm Bureau (equivalente à Confederação da Agricultura e Pecuária), que apontou que o tratado aumentaria a renda agrícola líquida em cerca de US$ 4,4 bilhões por ano e criaria 400 mil empregos, a maioria em áreas rurais. Em seguida, o presidente ameaçou cancelar o acordo comercial com a Coreia do Sul, que chamou de “tratado horrível”. Isso levou a Associação de Produtores de Soja a condenar com veemência o plano “equivocado” de Trump, advertindo que ele teria “consequências desastrosas para os produtores de soja do país”.

Desde então, Trump contemporizou, dizendo que os Estados Unidos poderiam manter o pacto, desde que haja uma revisão completa. “Somente o ato de fazer ameaças contra esse ou qualquer outro tratado comercial já é uma linha de ação muito perigosa”, aponta o presidente da Associação dos Produtores de Soja, Ron Moore.

A pedido de Trump, o representante comercial americano Robert Lighthizer assumiu um discurso linha-dura na renegociação do Nafta, incluindo demandas de maior proteção à indústria automobilística. Nos últimos 25 anos, o Nafta ganhou reputação de matador de empregos das montadoras do país, atraindo os eleitores do “Cinturão da Ferrugem” para o barulho isolacionista de Trump, na esperança de que uma renegociação do Nafta, ou sua mera suspensão, possa forçar a indústria a investir novamente em fábricas e operários americanos.

O Canadá e o México classificam as exigências de Trump como impraticáveis, ao propor, por exemplo, que todos os carros feitos fora dos Estados Unidos devam ter pelo menos 50% de partes fabricadas em solo americano. Os dois países recusaram prontamente a exigência e, em consequência, as discussões que deveriam estar encaminhadas até o final do ano devem avançar primavera adentro.

Este cenário de incerteza deprime a demanda por grãos dos Estados Unidos, já que, na iminência de colapso das negociações, os parceiros do Nafta começam a buscar outros fornecedores, em um movimento que já prejudica os agricultores americanos.

México se volta para a América do Sul

Em 2016, o México respondeu por quase 12% de todas as exportações agrícolas americanas, incluindo cerca de um quarto de toda soja e milho embarcados. Em resposta à ameaça de Trump de que fará o México pagar pela construção de um muro na fronteira, o Senado mexicano propôs proibir toda a importação de milho dos Estados Unidos. Mesmo após o projeto ser engavetado, o México começou a estabelecer novos acordos bilaterais, especialmente com países sul-americanos, preparando-se para a possibilidade de Trump cancelar o Nafta. Como resultado, as compras mexicanas de milho dos EUA caíram 6% nesta temporada, enquanto os pedidos de soja encolheram 15%.

México já busca na América do Sul fornecedores para substituir o milho importado dos Estados UnidosArquivo

E tudo isso acontece em meio a uma colheita incerta. Fortes chuvas nas Grandes Planícies têm dificultado os levantamentos do USDA sobre danos às lavouras de soja e milho. À medida em que o solo seca e as colheitadeiras avançam, cada bushel adicional empurra os preços para baixo – forçando os produtores a tomar mais empréstimos e a depender ainda mais de subsídios do governo.

Trump, enquanto isso, vem propondo cortar ou mesmo eliminar esse apoio “salva-vidas” e outros programas federais críticos para preservação das comunidades rurais.

O orçamento da Casa Branca recomenda cortes de bilhões de dólares em programas de desenvolvimento e habitação rural. Trump chegou a propor diminuir a subvenção ao seguro agrícola, que tem sido a principal rede de proteção dos agricultores desde a grande seca da década de 1930.

Em 2013, Sam Clovis, o radialista conservador escolhido por Trump para ocupar o mais alto cargo científico no Departamento de Agricultura, cuja principal qualificação parece ter sido a coordenação da campanha presidencial em Iowa, questionou se a subvenção ao seguro agrícola era constitucional. Trump já sugeriu cortar em US$ 165 milhões o orçamento destinado ao serviço de pesquisa agrícola do USDA.

Confiança exagerada

Em resumo, Trump quer fechar as portas do comércio e, ao mesmo tempo, retirar políticas de apoio aos produtores e comunidades rurais. Sem rodeios: essas medidas vão devastar a agricultura norte-americana.

De maneira geral, Trump e o Partido Republicano claramente acreditam que o mar de estados vermelhos (cor do partido), que se estende do Arkansas até Idaho, permanecerá assim, solidamente republicano, não importa o que houver. Eles apostam que podem agradar aos eleitores do “Cinturão da Ferrugem” e das minas de carvão com discurso duro no comércio e grandes cortes em programas de ajuda governamental, sem perder o apoio maciço das Grandes Planícies, que consideram como favas contadas.

Mas o apoio pode estar se erodindo. Rick Hammond, agricultor do condado de York, no Nebraska, diz que “se o milho continuar abaixo de US$ 4 o bushel por mais dois anos, muita gente vai quebrar”. Rick, que nunca foi fã de Trump, e um número crescente de vizinhos estão abertamente questionando as políticas do governo e o comprometimento de Trump com os produtores e comunidades rurais que o apoiaram.

Se um número suficiente de produtores se unirem a Rick Hammond, eles podem acabar tirando o apoio das grandes entidades representativas do meio rural aos republicanos e até mesmo inverter o mapa de votos nos redutos do partido. De um jeito ou de outro, os produtores vão em breve enfrentar uma crise existencial: Permanecem leais ao partido político que definiu suas identidades por décadas e, assim fazendo, arriscam perder o que foi construído por gerações de trabalho árduo, ou mudam a opção política para salvar não apenas seus meios de subsistência, mas o próprio estilo de vida?

* Tradução de Marcos Tosi

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