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Fenômeno El Niño trouxe altas temperaturas e escassez de chuvas ao Centro-Oeste. Quebra de safra em Mato Grosso pode ser a maior da história do estado.
Fenômeno El Niño trouxe altas temperaturas e escassez de chuvas ao Centro-Oeste. Quebra de safra em Mato Grosso pode ser a maior da história do estado.| Foto: Priscila Forone/Arquivo/Gazeta do Povo

No mundo das commodities agrícolas que têm cotação na Bolsa de Chicago, todas as atenções de momento estão voltadas para o andamento das lavouras no Brasil Central, em particular em Mato Grosso, maior produtor de soja do país e um dos maiores cinturões verdes globais. Tradicionalmente, o estado confirma ano após ano sua excelente aptidão agrícola e jamais quebrou acima de 11%, mas este ciclo pode ser a exceção à regra.

Depois de três anos seguidos de colheitas recordes impulsionadas pelo fenômeno meteorológico La Ninã, neste ciclo houve mudança de cenário e o El Niño trouxe temperaturas elevadas à região, combinadas com chuvas escassas e erráticas, o que atrasou a época de plantio e obrigou muitos produtores a replantar a soja, mais de uma vez. Em muitas áreas, a perda da soja é irreversível e já estima-se na casa de 20%.

Historicamente, a maior quebra já registrada em Mato Grosso, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), foi de 11% na safra 1989/90.  No acompanhamento mensal das lavouras, o último relatório da consultoria Agro Itaú BBA prevê perdas de 20% no estado, o que reduz as estimativas de uma colheita potencial no país de 163 milhões para 153 milhões de toneladas.

Chuvas previstas não vieram em quantidade suficiente

Havia previsão de boas chuvas no Centro-Oeste no mês de dezembro, o que não se concretizou. Pelo contrário, houve uma nova onda de calor com temperaturas acima de 40º C. Situação inversa vive a Argentina, que sofreu com o fenômeno La Niña por três safras seguidas e agora, com o El Niño, deverá dobrar a produção, chegando a 50 milhões de toneladas, contra 25 milhões da colheita anterior de soja.

Na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), a última do Brasil a lançar a semente ao solo, ainda há expectativa de que a chuva chegue a tempo de garantir um bom desenvolvimento das lavouras.

O meteorologista Luiz Renato Lazinski observa que, regra geral, o La Niña (resfriamento das águas do Pacífico) costuma ser favorável às plantações do Centro-Oeste e do Matopiba, enquanto para o Centro-Sul ocorre o inverso, com o El Niño (aquecimento do Pacífico) trazendo chuvas mais abundantes e regulares.

Soja é leguminosa "cascuda" e ainda pode reagir

“O que está acontecendo em Mato Grosso e no Matopiba com o El Niño são os veranicos, períodos de 20 dias ou mais sem chuva. Isso ainda agravado por temperaturas extremamente altas, acima da média. Muita gente vai plantar fora da janela e, quando planta fora da janela, não faz o seguro. Se der, deu. Se não der, não deu. Mas sem tecnologia [uso das melhores sementes], a produtividade é menor”, diz Lazinski.

Ainda há esperança de recuperação das lavouras porque a soja é uma leguminosa “cascuda”. “Acho que a quebra não será pequena, apesar de a soja ser um mato resistente. Vem a estiagem, o mato morre, a soja fica. Com a chuva ela se recupera. A boa notícia é que as condições do clima vão melhorar bastante nos próximos dias e no início de janeiro”, afirma Lazinski.

Pesquisa da Associação dos Produtores de Soja do Mato Grosso (Aprosoja-MT) com mais de 600 agricultores confirma projeção de quebra de 20%, reduzindo a colheita de soja no estado em 9,16 milhões de toneladas – de 45,31 milhões para 36,15 milhões. No município de Vera, no médio-norte do estado, o volume de chuvas nos meses de setembro, outubro e novembro foi 52% menor do que no mesmo período de 2022.

Falta de chuva já afeta próxima safra de milho

Na média, 34,3% dos produtores disseram que as lavouras estavam em condições excelentes ou boas, 37,7% falaram em condições razoáveis e 27,6%, em condições ruins ou muito ruins. Em função do atraso na soja, o cultivo de milho safrinha, subsequente, deve encolher 24,6%, porque muitos produtores ficarão fora da janela do zoneamento climático, preferindo não arriscar novas perdas.

Por ora, a consultoria Agrural prevê quebra de 11% na safra do Mato Grosso, cerca de 5 milhões de toneladas. “Vamos revisar o número em janeiro, e é bem provável que a quebra seja maior, pois dezembro tem sido muito quente e as chuvas continuam irregulares”, diz a analista Daniele Siqueira.

A esperança está nas chuvas previstas para a virada do ano, que podem favorecer áreas replantadas. “Mas as áreas plantadas em setembro realmente já têm quebras irreversíveis. As perdas são bem espalhadas, em todo canto do estado. Entre as piores, estão as áreas plantadas mais cedo no oeste e no médio-norte do Mato Grosso”, destaca.

O mesmo El Niño severo que “roubou” a chuva do Centro-Oeste provocou inundações históricas no Sul do país. Isso provocou o atraso no cultivo da soja e, consequentemente, deve atrasar também o plantio do milho safrinha, que acontece em sucessão. Para complicar o cenário, o radar dos meteorologistas aponta forte probabilidade de uma nova La Niña a partir de maio. “Essa La Niña vem muito rápido e não deve ser fraca”, avisa Lazinski.

La Niña pode estar a caminho, com risco de geadas

“O que está acontecendo em Mato Grosso e no Matopiba pode acontecer no sul do Brasil a partir de maio. E o grande problema são as massas de ar frio características do La Niña. Plantando o milho safrinha mais tarde no Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo, as chances são grandes para massas de ar frias muito intensas, de geadas a partir de junho. Não é que vá acontecer, mas é bom ficar de olho”, alerta o meteorologista.

Coincidência ou não, justamente em ano de turbulência climática, o governo federal cortou os recursos destinados à subvenção do seguro rural. A subvenção é uma parte do custo da apólice encampada pelo governo, para tornar a contratação do seguro viável aos produtores.

O orçamento destinado ao seguro rural deste ano, de R$ 933 milhões, é o menor desde 2020. E garantiu a cobertura de uma área de apenas 5,5 milhões de hectares, enquanto em 2020 e 2021 a área protegida chegou a 14 milhões de hectares.

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