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Comunicação de Bolsonaro usa manuais da Dilma para redes sociais
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Cão que ladra não morde, diz o velho ditado. Enquanto se gaba publicamente pela eficiência nas redes sociais, o governo Bolsonaro não consegue converter a onda avassaladora da campanha em prática de governo. Fora a conta de twitter que o presidente da República diz ser pessoal mas usa para anúncios oficiais de governo, tudo continua como estipulado pelo governo Dilma Rousseff.

Existe o dito corrente de que o investimento agora é em comunicação direta com o povo, com cortes significativos em verbas publicitárias. Não é possível verificar a informação sobre os tais cortes por obra e graça de Michel Temer, que acabou com a transparência no setor em 2017, fechando o IAP, Instituto de Acompanhamento da Publicidade, órgão que centralizava os dados de todos os gastos no setor feitos pelos diversos órgãos de governo, empresas e autarquias públicas. A entidade havia sido criada em 1999.

Mas é fato que não houve investimento em redes sociais. Não falo aqui em valores, já que também não são divulgados cotidianamente, mas de qualquer ação consistente no sentido de mudar as regras e sistemas introduzidos pelos governos petistas. Para se ter uma ideia, continuam no site da Secretaria de Comunicação Social da Presidência todos os manuais de redes sociais feitos durante o governo de Dilma Rousseff e as regras ali postas continuam sendo seguidas por toda a comunicação de governo, exceção feita às contas “pessoais” de Twitter e Facebook do presidente.

Enquanto brada aos quatro ventos o foco nas redes sociais, o governo Bolsonaro continua utilizando o “Manual de Orientação para Atuação em Mídias Sociais -Identidade Padrão de Comunicação Digital do Poder Executivo Federal” feito durante o governo Dilma.

O documento, com 112 páginas, estabelece as normas que devem ser seguidas por funcionários públicos e terceirizados em todas as postagens feitas em nome do Governo Federal. Este documento seria o primeiro a substituir caso o Poder Executivo realmente desejasse imprimir sua marca e forma de atuar nas redes sociais, mas isso não foi feito nos primeiros 100 dias de governo nem na transição.

Tudo o que é feito pelas redes sociais do governo de Jair Bolsonaro ainda segue as premissas implementadas pela petista, algo que foi mantido durante o governo Temer, este sem nenhum compromisso nem promessa relacionada ao desenvolvimento ou mudança na área.

A grande questão é que, por mais inusitado que possa parecer, o documento produzido pelo governo Dilma se encaixa como uma luva nas crenças bolsonaristas sobre mídia tradicional e mídia digital.

Essa colocação, por exemplo, que parece saída de um manual 2.0 de bolsonarismo digital é, na realidade, parte técnica do documento produzido pelo governo petista: “O poder de dar o tom e pautar a sociedade não mais pertence à grande imprensa. Com os dispositivos em mãos e conectividade, o fato, a notícia ganha corpo com muito mais agilidade do que a própria imprensa tradicional consegue dar conta”.

O manual de Dilma também estabelecia as razões para ter foco nos blogueiros: “Dependendo da relevância do blog e do “blogueiro”, a audiência conseguida pode ser semelhante à de grandes e tradicionais veículos de
informação e, em alguns casos, até maior”.

De acordo com o documento, toda a comunicação em redes sociais deve ter como base 3 “dogmas”:

Dogma 1 – A verdade é algo repetido diversas vezes por diversas pessoas.

Dogma 2 – Grandes corporações estão erradas até que se prove o contrário.

Dogma 3 – O usuário só entende quem fala a mesma língua que ele.

O manual petista orienta os gestores públicos a se preparar para 3 situações:

1. Os servidores públicos são livres para ter opiniões nas redes. Seja criticando programas, ações ou a própria hierarquia governamental, é natural, em algum momento, que algum dos profissionais dos órgãos públicos acabe expondo a instituição nas mídias sociais e danificando o seu ecossistema político.
2. Alguém vai descobrir um ponto fraco seu e explorá-lo. Normalmente, isso significa alguma entidade política lançando uma ação focada justamente em aumentar a exposição de uma fraqueza sua, de algum “flanco” deixado mais aberto e exposto nas redes.
3. Alguém vai “inventar” ou “aumentar” algum problema – e você será possivelmente encarado como culpado. Este ponto refere-se justamente a boatos nascidos nas redes e que costumam carregar grande potencial de crise.

Há 3 medidas que devem ser tomadas para enfrentar esse tipo de situação, de acordo com o documento da Secom:

1. Monitorar cada um dos órgãos e principais temas/campanhas nas mídias sociais, detectando todo e qualquer tipo de crise em potencial;
2. Ter um relacionamento sólido com o seu público, quando possível e viável em termos de volume, transformando-o em uma camada de blindagem institucional natural, orgânica, fruto justamente de um modelo de confiança mútua;
3. Estar preparado com um fluxo de interpretação e resposta a crises em mídias sociais.

No manual, no entanto, tem uma regra que não foi seguida nem pelo governo de Dilma nem pelos subsequentes: o conflito constitucional representado pela existência de uma conta pessoal das autoridades gerida pela Secom. A opinião à época era contrária, mas tanto Dilma quanto Temer tiveram suas contas geridas profissionalmente pelos assessores da presidência. O mesmo ocorreu com ministros de ambos os governos e continua ocorrendo, embora ninguém saiba oficialmente quem são de fato os gestores do perfil pessoal do presidente da República.

“O desenvolvimento e a gestão de perfis oficiais de Ministros ou de autoridades da administração pública não são permitidos porque ferem o Artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu princípio de impessoalidade”, prega o manual de Dilma.

O manual do governo petista também fala sobre a produção de vídeos para mídias sociais e, pelo menos até agora, a metodologia tem sido seguida à risca pelo governo Bolsonaro:

Minidocumentários
Mostrando casos práticos em que determinadas ações ou programas foram colocados em prática (sempre destacando os números e benefícios). Estas peças serão de maior utilidade para completar conteúdos postados em blogs ou outras redes.

Propagandas oficiais e institucionais
Em muitos casos, esses vídeos são produzidos para veiculação no meio TV e postados nas mídias. Há uma demanda constante por esse tipo de vídeo nas próprias mídias (como o YouTube). Apesar de viralizarem pouco, sempre há usuários chegando a eles por meio de buscas. Só pense no formato ideal e na extensão, para evitar cansar o usuário e reduzir o número de visualizações.

Vídeos de teor mais artístico
Vídeos que podem carregar teores mais dramáticos, cômicos ou animados. Este tipo de conteúdo tende a ganhar mais repercussão nas mídias sociais, iniciando um boca-aboca fundamental para que a propagação alcance níveis elevados.

Serviços e utilidade pública
Vídeos em formato tutorial que explicam determinados processos, métodos, que ensinam, de forma simples e prática, o cidadão a realizar alguma atividade – como por exemplo, como tirar RG ou CPF ou como se inscrever para o Programa Bolsa Família. Em geral, esses vídeos apresentam bons resultados. Se contarem com animações que ilustram as etapas, ficam ainda mais acessíveis para o público.

Não há dúvidas de que até na conta pessoal o presidente Bolsonaro experimentou esse processo de vídeo artístico que ganha muita repercussão e propagação com níveis elevados. O mais “artístico” postado por um presidente da República virou a manchete na imprensa internacional, vencendo até mesmo a barreira do idioma.

Também é seguida à risca a estratégia do governo Dilma de mapear influenciadores e dividi-los entre “evangelizadores” e “detratores” do governo. Mudam os personagens, mas a metodologia continua a mesma. “Trata-se da identificação de personalidades, pessoas, entidades, órgãos, autoridades e figuras que possuam força suficiente para disseminar um conceito, tema, uma marca, um projeto ou uma estratégia – seja de forma positiva ou negativa – para uma massa significativa de público, causando influência direta na percepção que essas pessoas possuem sobre o assunto. Mas o conceito vai além. Há uma série de teorias que apresentam outros critérios que permitem classificar uma pessoa como influenciador digital.Alcance de suas redes, experiência sobre o universo do qual fala, relevância, credibilidade e confiança são algumas das características que devem compor a construção de uma régua de influência”.

“Influenciadores que costumam tecer comentários positivos à instituição devem ser considerados evangelizadores naturais, ao passo que influenciadores mais críticos com viés negativo devem ser considerados agressores da marca, instituição ou órgão”, prega o manual de redes sociais do governo Dilma.

Há apenas uma parte do manual que realmente não está sendo seguida, talvez porque fique no final e leitura longa cansa: o código de conduta dos funcionários públicos. Não sei se você é fã ou não do PT, mas o documento é técnico e tem dicas que podem ser importantes para todos nós, desde desta humilde escriba até o presidente da República, por isso fiz questão de transcrever.

Você é uma pessoa pública
Sempre que postar algo nas mídias sociais, entenda que o conteúdo da sua mensagem será visto por colegas, chefes, clientes, fornecedores, parceiros de negócio, amigos e familiares. Nunca poste nada que possa ser usado contra você na esfera profissional.

Seus seguidores/ amigos vão confundir o seu “eu” pessoal com o seu “eu” profissional
Você pode não ser o porta voz oficial do seu local de trabalho, mas, a partir do momento que o deixa público, será visto pelos demais usuários (amigos, seguidores, colegas, fãs) como alguém que fala em nome da instituição. Evite postar qualquer coisa que possa gerar danos à instituição em que atue.

Escrever na rede é o mesmo que escrever em pedra
Escrever não é o mesmo que falar: suas palavras ficam na web e são indexadas quase que instantaneamente por outras redes. Assim, mesmo que apague um post do qual tenha se arrependido, ele provavelmente já terá sido indexado pelo Google e por outros sites, se perenizando na Internet e ao alcance de todos os usuários. Pense antes
de publicar; se for para se arrepender, arrependa-se antes de escrever.

Nunca deixe de ser você
Isso não significa que você não possa ter opinião. Como qualquer cidadão, você é livre para pensar e expressar o que desejar, da forma que preferir. Mas, como qualquer pessoa pública, tem que entender que tudo o que expressar provavelmente trará consequências, sejam estas positivas ou negativas. Quando estiver na dúvida sobre
publicar ou não, questione-se:
• Você escreveria isso em um e-mail para seu chefe ou diretores?
• Se fosse comprar um anúncio, essa informação poderia ser utilizada?
• Contaria essa informação em voz alta em uma apresentação para clientes, parceiros, fornecedores ou terceiros?

Respeito às opiniões
O debate de ideias é sadio, ao contrário da tentativa de imposição de opiniões, que é algo negativo. Veja as mídias sociais como um ambiente para conversa e avaliação de pontos de vista diversos. Evite envolver-se em discussões públicas e seja cordial e respeitoso com a opinião de outras pessoas.

O encerramento do manual é lapidar, emblemático, suprapartidário e se estende além da área política: “Na prática, é sempre bom usar o bom senso e refletir antes de publicar um conteúdo, entrar em debates sobre temas variados e se posicionar sobre assuntos (pessoais e profissionais) nas mídias sociais”.

Hoje, na posse do ministro da Educação, o presidente Bolsonaro falou sobre a importância de colocar discursos em prática. Quem montou a máquina de apoio espontâneo que ele conseguiu reunir nas redes sociais poderia, uma vez vencidas as eleições, utilizar essa mesma força para o bem do Brasil, com técnica, métrica, planejamento, serenidade e, algo em falta no mundo de hoje, bom senso.

Poderíamos estar diante de uma revolução na comunicação pública, na transparência e na disseminação de informações importantes para todos os cidadãos. Infelizmente, estamos ainda na rinha de galo, no debate público de baixíssima qualidade sobre teorias conspiratórias, nas postagens polêmicas, nas lacrações, no gogó propriamente dito, que nada tem a ver com realização. Quanto a realizar mesmo na área de mídias sociais, por enquanto nem se substituiu o manual da Dilma. Oremos.

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