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Candidato ideal para concurso da Polícia Militar seria um sociopata
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Mesmo se você tentar, dificilmente conseguirá escrever um texto de três linhas tão problemático quanto o do edital de contratação de cadetes da PM paranaense. Depois de ver que dessa vez tinha ultrapassado qualquer limite do bom senso, a polícia voltou atrás e tirou da seleção o critério de “Masculinidade”. Quem dera o problema fosse só esse.

A exigência de “masculinidade” é de fato ridícula numa corporação que há décadas aceita mulheres; quanto mais no momento em que, pela primeira vez em quase dois séculos, a PM é comandada por uma mulher. Era o que faltava agora um retorno ao passado, ou a insinuação de que as mulheres, para entrar na polícia, têm que ser “masculinizadas”.

O critério da “masculinidade” também é uma afronta à comunidade gay, que prontamente foi à Justiça para retirar a palavra do edital. Nos Estados Unidos, o presidente Obama acabou recentemente com qualquer restrição à participação de homossexuais nas Forças Armadas – que podem inclusive manifestar sua sexualidade abertamente. Na província, o sujeito não tem esse direito.

A PM exagerou tanto na mão que mesmo uma sociedade violenta como a nossa, que tolera episódios de truculência explícita dos militares, gritou. E fez a comissão responsável pelo concurso recuar. Mas só o que se fez foi trocar o título do critério de “Masculinidade” por “Enfrentamento”. Trocou-se o rótulo e manteve-se o princípio ativo da bobagem.

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Porque o que se encontra abaixo do título é no mínimo tão problemático quanto. O que o edital diz é que o cadete precisa (1) não se incomodar com cenas violentas, (2) suportar vulgaridades, (3) não se emocionar facilmente e (4) não demonstrar interesse em histórias românticas e de amor.

Basicamente, o candidato perfeito para a vaga é um sociopata. Pois o que se pede não é aquilo que pareceria razoável. Suponhamos que o texto fosse redigido assim: “Capacidade de manter a estabilidade emocional e a frieza mesmo diante de situações perigosas ou de conflitos violentos”. Ok, de fato faz parte do que se pode esperar de um bom profissional de segurança.

Mas não é isso que se pede. Pede-se que o sujeito “não se incomode” com cenas violentas. Às vezes a profissão de policial exige inclusive que ele mate pessoas. Muitas e muitas vezes, que veja pessoas mortas. Saber conviver com isso, dentro do limite do humano, é necessário. “Não se incomodar” com esse tipo de situação é algo que só um zen budista ou um psicopata poderão fazer.

Igualmente complicado é o pedido de que o candidato não se interesse por “histórias românticas e de amor”. Falando em português claro, naquele de quem “suporta vulgaridades”, parece que a PM está pedindo que o cadete não me venha com frescura. Tem que ser o tipo de macho que acha qualquer coisa abaixo de Rambo coisa “de mulherzinha”.

Quando se pede alguém incapaz de se incomodar com violência, que não se emocione demais e que não se interesse por romantismos, o que se pede é alguém que consiga se fechar dentro de uma casca de inumanidade diante dos seus semelhantes. Quando o que um bom policial precisa é justamente ter a capacidade de sofrer com o drama de outras pessoas, vítimas de violência; de se compadecer com eles; e de tratar humanamente os cidadãos.

A PM, com esse edital, mostra que quer perpetuar seu histórico de violência. É uma pena. A Polícia Militar é uma instituição absolutamente necessária para proteger o cidadão – e que realiza serviços inestimáveis. Sem ela, estaríamos mais perto do caos e da barbárie. Mas não podemos deixar que a PM vire, ela própria, instrumento da violência, do machismo e do caos.

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