• Carregando...
A Rede Social é muito mais do que um filme sobre o Facebook
| Foto:
Divulgação
Jesse Eisenberg (sentado), premiado pelo National Board of Review como melhor ator, vive o criador do Facebook, Mark Zucherberg.

O cinema norte-americano é pródigo em heróis. E também em vilões. Mas Mark Zuckerberg, o protagonista de A Rede Social, não se enquadra em nenhuma dessas categorias. Talvez por isso que o novo filme de David Fincher (de O Clube da Luta e O Curioso Caso de Benjamin Button) tenha sido comparado por alguns críticos norte-americanos ao clássico dos clássicos Cidadão Kane (1941).

Assim como o magistral filme de Orson Welles, que reconstitui a trajetória de um magnata da imprensa norte-americana inspirado pelo multimilionário William Randolph Hearst, A Rede Social – premiado ontem pelo National Board of review nas categorias de melhor filme, direção, roteiro adaptado e ator – também parte de fatos reais na história recente da comunicação. E os reimagina. Zuckerberg é um dos fundadores do Facebook, que hoje congrega 500 milhões de usuários ao redor do planeta. E como Kane, é um anti-herói que beira a sociopatia.

Ao contrário do personagem criado e encarnado por Welles, cuja infância e juventude ocupam parte significativa da narrativa, Zuckerberg é um enigma até maior do que o significado da palavra “Rosebud”, pronunciada por Kane em seu último suspiro antes de morrer. Pouco é revelado sobre o passado do jovem criador do Facebook, a não ser que é um brilhante estudante da Universidade de Harvard, que apresenta quase todos os traços de um nerd convicto e enfrenta constantes dificuldades de relacionamento com mulheres, além de ter muito poucos amigos. Nada é dito sobre sua família ou sua vida antes de ingressar na faculdade.

Narrado em tom de fábula moral high-tech, A Rede Social tem dois tempos narrativos. O mais recente mostra o enfrentamento judicial de Zuckerberg com seu ex-sócio e melhor amigo, o brasileiro Eduardo Sevarin (Andrew Garfield), com quem criou o Facebook e que ele acaba traindo e deixando no caminho em sua rota de ascensão. Zuckerberg também está sendo processado por colegas de Harvard, com quem havia firmado um acordo para a criação de uma rede interna em Harvard, projeto que jamais teve o intento de tocar. Quis ganhar tempo para seu golpe de mestre.

Essa ação é entremeada por flashbacks que, como num quebra-cabeças, ao poucos vão reconstituindo o processo que culminou com o litígio que serve de esqueleto da narrativa. No fundo, entretanto, Fincher, um diretor especializado em outsiders, parece estar muito mais interessado em mergulhar fundo na trajetória ao mesmo tempo gloriosa e patética de seu protagonista, um jovem cuja habilidade de manter à distância qualquer possibilidade de afeto verdadeiro é assustadora.

Baseado no livro Bilionários por Acaso, do jornalista Ben Mezrich, que teria romanceado e tomado liberdades em relação à história da criação do Facebook, o roteiro de Aaron Sorkin é brilhante, por conseguir servir ao intento de Fincher de não focar apenas no factual, mas na saga existencial de Zuckerberg. Ele é tratado como uma espécie de personagem-símbolo da geração Y, que busca mais reconhecimento e notoriedade do que fortuna, movida por baixa autoesptima disfarçada de arrogância. O filme também trata da fragilidade dos vínculos entre pessoas que se relacionam mais no plano virtual do que no físico e, portanto, emocional.

Vivido à perfeição por Jesse Eisenberg (de A Lula e a Baleia), Zuckerberg incomoda muito, sobretudo porque está no centro da trama. Sevarin, ou “Wardo”, como chamam o brasileiro naturalizado norte-americano, lhe serve de contraponto. Graças à interpretação empática de Andrew Garfield, já escalado para ser o novo Homem-Aranha, a tendência é que o espectador médio se identifique com ele e não com o protagonista.

Mas prestem atenção à sequência inicial – um longo diálogo desencontrado entre Zuckerberg e sua namorada (por pouco tempo) Erica, vivida por Rooney Mara, escalada por Fincher para ser a Lisbeth da versão norte-americana da Trilogia Millenium, de Stieg Larsson. Esse prólogo servirá, ao lado da última cena do filme, de chaves importantes para compreender a complexidade emocional do personagem. Que não é exatamente um vilão, mas alguém com a alma mutilada. Como a de um certo cidadão Kane.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]