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Livro da semana – “A Celestina”
| Foto:
Pablo Picasso
Quadro da Fase Azul de Picasso retratando a Celestina de Fernando Rojas.

É normal que grandes obras de arte surjam em grandes momentos de um país ou de um povo. Os gregos tiveram o auge da sua força e de sua literatura ao mesmo tempo; a Itália do Renascimento produziu uma multidão de gênios ao mesmo tempo; e não é coincidência que boa parte da arte mais sofisticada que temos hoje venha da Europa Ocidental e dos Estados Unidos.

A Espanha, assim como Portugal, viveu seu grande momento na virada do século 15 para o 16. Os dois países eram ricos, dominavam a navegação mundial e conquistavam terrenos na América, que haviam acabado de descobrir.

A Espanha além de tudo havia reconquistado a parte de seu território que estava nas mãos dos muçulmanos e finalmente se unia em um só país. Com o dinheiro que viria da América, tinha tudo para ser a nação mais importante do planeta.

É nesse momento que surge a grande literatura espanhola. No final do século 16 viria a turma mais conhecida: Cervantes, Calderón de La Barca, Lope de Vega. Na pintura, viriam El Greco e Velázquez.

Mas, antes desses todos, apareceu um outro gênio, que até Cervantes fez questão de homenagear em seu “Quixote” e que, curiosamente, é menos conhecido por esses dias.

Fernando Rojas inventou uma peça de teatro para ser lida (e não encenada) que causou furor na época dos “reis católicos”. Não parava de ser reimpressa e imitada (até Calderón de La Barca fez uma peça com o mesmo nome).

E lendo a “Celestina” dá para entender o porquê. A peça (que não é peça), é divertida, sagaz e pinta um quadro fabuloso de uma sociedade dividida entre os valores cristãos e os velhos instintos sexuais e selvagens que vivem em cada um de nós.

A trama começa como uma comédia. Um sujeito (Calisto) entra em um quintal, vê uma moça e se apaixona imediatamente. Ela não quer nada com o sujeito e ele resolve seguir o conselho de um criado: vai a uma espécie de feiticeira (a Celestina) que fará com que Melibeia se apaixone também.

A personagem de Celestina é a mais viva do livro. Ela quer é se dar bem. Ganha a vida com falsos feitiços e com a prostituição alheia (está muito velha para ela mesma se prostituir). De quebra, “reconstitui” a virgindade das moças que não são mais moças (algumas já costurou sabe-se lá quantas vezes).

Em troca de uma corrente de ouro, ela invoca Plutão e garante que é coisa certa: o rapaz vai conseguir o que quer. E, na verdade, Calisto e Melibeia acabam mesmo tendo sua noite juntos.

Mas se a peça fala de sexo, instintos e perversão, fala também do seu contrário. E, como o ambiente exigia inclusive, tudo começa a dar errado para os que desrespeitaram as boas regras do pudor e da moral.

Celestina é roubada, querem ficar com sua corrente. Resiste e é morta. Os assaltantes são pegos pela população e linchados. E mesmo o casal principal não consegue terminar a noite de amor sem uma tragédia daquelas.

No fim, a comédia vira trágica e acaba virando uma obra completa: os amores de dois jovens mostram como funcionam a luxúria, a inveja, o ódio e a cobiça. Tudo contado com graça e requinte.

Existem duas versões da obra e até hoje se discutem questões literárias (afinal, é uma peça para ser lida ou um romance em forma de diálogo?) que têm, claro, sua importância.

Mas o mais impressionante é que mesmo para um leitor comum, que só queira um livro bacana e divertido para passar um fim de semana do século 21, funciona perfeitamente.

Serviço: A L&PM tem uma versão de bolso de “A Celestina” com tradução de Millôr Fernandes.

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