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Se meu fusca falasse…(V)
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Se meu fusca falasse…

“Nunca deixe que alguém te diga que não pode fazer algo. Nem mesmo eu. Se você tem um sonho, tem que protegê-lo. As pessoas que não podem fazer por si mesmas, dirão que você não consegue. Se quer alguma coisa, vá e lute por ela. Ponto final.”  (do filme: “À Procura da Felicidade”)

 

Indignada… Não tenho outra palavra para expressar o sentimento que tive hoje pela manhã quando busquei meu filho no colégio.

Não sou uma pessoa de posses financeiras.

Minha família e eu temos uma vida muito simples, sem luxos, exageros ou quaisquer extravagâncias.

As maiores riquezas que preservamos em casa são a união, a amizade entre nós, a alegria que permeia nossos dias, as conversas cheias de brincadeiras, os passeios que fazemos juntos, o respeito que aprendemos a nutrir por nós e pelos outros.

Na minha casa há bastante espaço para longas conversas, choros, colo, ombro e algumas discussões também.

Somos uma família imperfeita, graças a Deus, um “laboratório comportamental” onde nele experimentamos emoções e lições a respeito do amor ao próximo, de cidadania, de solidariedade, de ética e moral para, posteriormente, exercitá-las, colocá-las em prática no meio social.

Afinal, a família é a nossa primeira escola, pelo menos eu acredito que deveria ser. Você não?

Juro que, como mãe e esposa, esforço-me para aprender e autoeducar-me todos os dias sobre estas questões seculares de moral e boa convivência, mas há dias em que minha paciência e tolerância são colocadas à prova e hoje foi mais um deles.

Então vamos aos fatos…

Ultimamente tenho dirigido um fusquinha 69. É um carro que está na minha família há pelo menos 30 anos, meu pai é o segundo dono. Está lindo! Pintura nova, estofaria refeita, faltam apenas alguns detalhes para deixá-lo impecável.

Quando busco Antonio na escola o fusquinha vira uma sensação. Desperta curiosidade e gera  brincadeiras de oferta para comprá-lo, principalmente de alguns dos seus colegas.

Hoje, como de costume, Antonio já me esperava na saída da escola.

Percebi que entrou no carro chateado e fiz a clássica pergunta:

– Aconteceu alguma coisa, filho?

– Não, mãe, nada.

Insisti:

– Filho, se não fosse nada você não estaria com essa cara de aborrecido… Alguém encheu você por causa do fusca?

– Não, mãe, coisa minha.

Continuei:

– Tá, filho, mas o quê te deixou chateado? Se você me contar, quem sabe eu posso te ajudar a sair desta chateação…

– Ah, mãe, fico bravo quando alguém fala coisas que não sabe e eu sei que eu não sou : o fulano (que preservarei o nome aqui em respeito aos pais dele) me chamou de pobre!

– Como assim, filho, por causa do carro? (Do tênis, da meia, da cueca, da mochila? Pensei eu.) O que aconteceu?

– Não, mãe. Um amigo estava com um pacote de balas e eu pedi algumas pra ele…

– Tá, filho e?…

– Então, mãe, só porque eu pedi as balas, o tal fulano virou e disse:

” – Fica aí pedindo bala para os outros, só podia ser coisa de pobre mesmo!”

– E o que você fez, filho?

– Nada, mãe, só fiquei chateado por ele dizer uma coisa que eu não sou.

Queridos leitores… O caminho da escola até em casa não dura mais que 10 minutos…

Primeiro, uma bronca enorme tomou conta do meu cérebro, no que procurei controlar, respirar e agradecer a Deus por dar entendimento ao meu filho em não trazer para si mesmo a pobreza do colega, tampouco revidar de forma agressiva ou grosseira ao comentário infeliz do mesmo.

Segundo, meu instinto materno pedia-me para dar meia volta no fusquinha e ir ter com o “fulano”, e já visualizando a cena: pondo-me diante dele com o dedo em riste bem no nariz do mocinho, que por incrível que pareça,  ELE  deve ter a mesma idade que o meu filho  e não é a primeira vez que este fulano faz das suas.

Há uns dois anos mais ou menos ele deixou o Antonio com as calças arriadas mostrando a cueca no meio do pátio da escola, isto já deixaria qualquer mãe indignada. Já tentou organizar uma “zoeira”, para o Antonio e uma colega de classe, com outros colegas da turma. Mas, um dia antes de acontecer, eu por acaso li – via orkut na época – uma conversa entre ele e um outro garoto da turma combinando a “zoeira” e a forma chula como descreviam e tratavam a menina.

Na hora, encaminhei-lhe uma mensagem e disse-lhe que no dia seguinte iria ao colégio para conversar com ele e a professora com uma cópia do “assunto” dele com o outro amigo na mão… E claro, pediu um monte de desculpas, disse que não iria fazer nada daquilo e não apareceu na escola no dia seguinte, mas eu fui para salvaguardar meu filho e a exposição ridícula com que fariam passar a garota!!

Tudo isto vinha à minha mente enquanto conversávamos e voltávamos para casa…

Enfim… Enquanto eu preparava o almoço questionava-me sobre a situação que havia deixado  Antonio chateado. Embora soubesse que era coisa de criança, mal educada, diga-se de passagem,  eu também havia me aborrecido com o ocorrido e já não era de hoje…

Chamei-o e perguntei o quê ele sentiu quando o fulano disse aquilo.

Respondeu-me que havia ficado chateado. Perguntei o porquê e ele devolveu:

“- Mãe, porque eu não sou o que ele falou. ”

– Filho – respondi – por você saber disto não deveria se chatear. Certo?

E se você não é e nem se sente assim, ótimo! Nem dê bola, esqueça!

E se fôssemos pobres de verdade, filho, menos ainda, pois esta seria a nossa real condição.

Disse ao Antonio que ninguém neste mundo tem o direito de colocá-lo para baixo, ou fazer qualquer comentário que o possa diminuir. E que se ele estiver sentindo-se bem com ele mesmo, ninguém o fará sentir-se mal. E que, infelizmente, na vida encontraremos muitos fulanos assim, só não poderemos nos deixar convencer por suas palavras mal colocadas.

E de novo, pedi a ele que analisasse o fulano, quem era, como era, como deveria ser sua vida em família, seu relacionamento com seu pai e sua mãe… E assim fomos levantando seu “perfil” para entender o quê o fez agir assim.

Pois bem… Quando lá atrás perguntei ao Antonio se a chateação era por causa do fusca é porque na semana passada ouvimos eu, Alexandre e Antonio, de um outro colega, de carona no fusca, dizer que fusca é carro de pobre… E de novo por ouvir do mesmo colega, há alguns meses atrás, que o nosso carro tinha duas portas e não 4 e por isto era carro de pobre!

Desculpem, leitores, meu desabafo, mas esta semana tive uma overdose auditiva de um conjunto de variáveis sobre a pobreza do tema.

Pergunto: quem são os verdadeiros pobres nesta história? Pais ou filhos?

Que valores estamos passando aos nossos filhos?

Quais filtros usamos para as conversas mantidas dentro de casa diante das crianças, para que o meu filho ou o seu não ouçam e digam estas bobagens?

Estamos, de verdade, preocupados com o ser e não o ter?

E se estamos, que SER é este que estamos formando dentro de casa?

Desculpem-me se faço tempestade em copo d’água, se o assunto não é para tanto, mas fico muito aborrecida com atitudes como estas e tomo sim as dores do meu filho. Sou mãe e não tenho sangue de barata!

E depois de tudo isto já pensaram se o meu fusca falasse? (risos)… ‘Bora dar uma volta!

 

 

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