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Monteverdi: um gênio que se utilizou das novidades de Florença
Monteverdi: um gênio que se utilizou das novidades de Florença | Foto:
O Palazzo Bardi em Florença, local de uma revolução na história da música

O Palazzo Bardi em Florença, local de uma revolução na história da música

Este é o segundo texto de uma série de cinco em que falarei de Compositores que tiveram uma importância excepcional na história da música. Como já disse anteriormente no primeiro texto esta é uma lista de compositores, famosos ou não, cuja influência foi sentida por séculos. Volto a afirmar que odeio listas do tipo dos maiores compositores, dos mais amados autores, etc. E nem quero fazer nestes textos uma lista exaustiva. Só quero observar como o trabalho de certos compositores influenciaram o trabalho de outros compositores, mesmo séculos depois de sua morte.

Parte II – O final da Renascença

No final da Renascença um grupo de compositores, sem saber, muda radicalmente a linguagem musical

No final do século XVI na cidade italiana de Florença, um grupo de compositores, pouco conhecidos hoje em dia, se reuniu sob a proteção de um nobre chamado Giovanni de’ Bardi (1534-1612). Este grupo de compositores ficou conhecido como “Camerata fiorentina”. Eles discutiam a possibilidade de se fazer um drama teatral com música do princípio ao fim. O problema estava nos trechos do texto que necessitavam serem compreendidos com clareza pelo público. Pela primeira vez na história da música algo foi inventado. No início recebeu um nome em italiano: “Stile rappresentativo” (estilo representativo). Posteriormente este procedimento ficou conhecido como “recitativo”. Neste procedimento um canto silábico é acompanhado por acordes bem simples, pouco sonoros. Com o canto sibilar e com os acordes pouco sonoros o público conseguia entender o que de necessário se deveria compreender para o entendimento do entrecho. Este texto tinha vírgulas e pontos finais e para que isso ficasse claro existiam um tipo de sequência de acordes que se tornarão as cadências, material básico da música tonal. Sem terem ideia, os compositores da “Camerata fiorentina” aceleraram o processo do nascimento da Harmonia, do Baixo contínuo, e do próprio tonalismo. Sem que tenha tido ideia da coisa, estes compositores, ao pensarem que estavam reavivando a “melopeia” das tragédias gregas, mudaram a história da música ocidental. Um tanto quanto anônimos hoje em dia, tornaram-se alguns dos mais influentes compositores da história da música.

Prólogo da Euridice de Peri. Um novo estilo abre caminho para o tonalismo.

Prólogo da Euridice de Peri. Um novo estilo abre caminho para o tonalismo.

Os membros da “Camerata Fiorentina”

Os principais compositores que fizeram parte da “Camerata fiorentina” entre 1577 e 1582, período áureo do grupo, foram Giulio Caccini (1551-1618), Pietro Strozzi (1550-1609), Vincenzo Galilei (1520-1591) e Emilio de’ Cavalieri (1550-1602). Posteriormente aproximou-se do grupo Jacopo Peri (1561 –1633), compositor da mais antiga ópera conhecida: Euridice (1600). Para se ter uma ideia da sofisticação intelectual dos artistas da “Camerata” basta lembrarmos que Vincenzo Galilei foi o pai do conhecido astrônomo Galileu Galilei, e que Emilio de’ Cavalieri era filho de Tommaso dei Cavalieri, aquele para o qual Michelangelo dedicou dezenas de seus sonetos amorosos. Existe muita discussão sobre quem teria sido o inventor do “Stile rappresentativo”. As hipóteses mais aceitas é de que este poderia ter sido mesmo Emilio de’ Cavalieri. Há outra corrente que defende Vincenzo Galilei como o criador da ideia. Vale lembrar que o termo “Camerata Fiorentina” apareceu pela primeira vez no prefácio da Euridice de Giulio Caccini (também de 1600).

Monteverdi: um gênio que se utilizou das novidades de Florença

Monteverdi: um gênio que se utilizou das novidades de Florença

Um gênio se utiliza dos ensinamentos da “Camerata Fiorentina”

Apesar da excelência dos membros da “Camerata Fiorentina” foi necessário que um verdadeiro gênio se utilizasse de seus ensinamentos. Este gênio foi Claudio Monteverdi (1567- 1643). Sem ter participado do grupo patrocinado pelo conde Giovanni de’ Bardi, Monteverdi vai se informar com cantores que participaram de apresentações de obras representadas em Florença, e dará um feitio genial ao “Stile rappresentativo”. No início do século XVII Monteverdi já era um consumado autor de Madrigais. Em suas óperas (a primeira delas Orfeo, de 1607) ele alternará o “Stile rappresentativo” com Madrigais e Canzonette, o que dará vigor ao seu pensamento dramático. A monotonia do “Stile rappresentativo” passa a ser em si um trecho musical de grande interesse, com a vantagem de que, ao contrário do madrigal, o invento florentino permitia a compreensão total do texto. A ópera tornou-se mesmo uma realidade. Não colocaria Monteverdi na lista dos mais influentes compositores da história, simplesmente por que ele foi totalmente esquecido a partir da segunda metade do século XVII, sendo que sua obra só foi redescoberta no século XX. Na realidade em termos de influência acredito que mesmo Emilio de’ Cavalieri e Vincenzo Galilei ou todos os membros da “Camerata Fiorentina” estão habilitados para pertencer à lista dos “mais influentes”.

O  filósofo Nietzsche: o primeiro a chamar a atenção da importância histórica dos florentinos

O filósofo Nietzsche: o primeiro a chamar a atenção da importância histórica dos florentinos

Friedrich Nietzsche: o primeiro a perceber a importância dos “florentinos”

Quando vemos que o baixo cifrado foi usado até o final do século XVIII, e que compositores como Bach, Mozart, Verdi e Wagner usaram formas novas do “Stile rappresentativo”, o “recitativo”, a influência fica bem clara. Só algo para refletirmos: nem Bach, nem Mozart, nem Verdi e nem Wagner conheciam uma única nota escrita por estes compositores que fizeram parte da “Camerata”. Vale a pena lembrar que o primeiro a chamar a atenção sobre a influência da “Camerata Fiorentina” na história da música foi o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900). Em seu livro “O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música” (Die Geburt der Tragödie aus dem Geiste der Musik) escrito em 1872, ele demostra a amplidão de sua cultura ao discorrer da importância do “Stile rappresentativo” na história da música. Um filósofo, com 28 anos de idade, nesta questão, esteve à frente dos músicos de seu tempo.

Exemplos musicais

“Stile rappresentativo” numa das mais antigas óperas. Prólogo da Euridice de Caccini

Emilio De’ Cavalieri: Início de sua obra prima Rappresentatione di Anima, et di Corpo.

Trecho do Orfeo de Monteverdi (1607). Aos 2:48 o “Stile rappresentativo” genial da Mensageira contando a morte de Euridice. A genialidade de Monteverdi torna a invenção da “Camerata Fiorentina” um instrumento dramático de alto nível

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