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O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) terá de tomar decisões difíceis e confrontar seu próprio modo de pensar. Foto: Mauro Pimentel / AFP
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) terá de tomar decisões difíceis e confrontar seu próprio modo de pensar. Foto: Mauro Pimentel / AFP| Foto:

Você sabe o que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) vai fazer nos primeiros 100 dias de governo? Ou no primeiro ano? E nos quatro anos? A partir do que foi dito na corrida eleitoral, é difícil mesmo saber com precisão. Sem debates para aprofundar propostas e com tantas contradições nas entrevistas do candidato e de seus assessores, há muitas lacunas a serem preenchidas.

A única certeza é que Bolsonaro vai apoiar a tramitação rápida de uma pauta de segurança, que inclui uma facilitação do porte de arma, o fim dos “saidões” das penitenciárias, o excludente de ilicitude para policiais e o trabalho de presos, entre outras medidas. Ele também apoia a redução da maioridade penal, mas é pouco provável que esse tema ande rápido. Essa, no entanto, é uma pauta que já estava no Congresso e deve avançar pela própria mudança de configuração de forças na Câmara. Não é exatamente o que chamamos de governar.

Na campanha, Bolsonaro não deixou muito claro o que entende ser governar. Uma linha geral é a de que apoia um reforço no pacto federativo, com mais recursos transferidos diretamente para estados e municípios. Tem ideias bastante vagas para a educação (seu foco de campanha foram o risco do “kit gay” e a construção de mais escolas militares), gestão da saúde (onde o governo federal estipula diretrizes e paga boa parte da conta) e segurança (para além da pauta do Congresso).

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Em assuntos econômicos, prioridade número um em um país que se arrasta para sair da sua maior crise, o futuro está nas mãos do economista liberal Paulo Guedes, o “posto Ipiranga”. Ou não está? Não foram poucos os desencontros entre Bolsonaro e sua equipe econômica. Ele certa vez desmentiu a recriação da CPMF pelo Twitter no exato momento em que seus economistas discutiam como um imposto desse tipo seria uma boa saída para desonerar a folha de pagamentos e, quem sabe, substituir todos os outros impostos de uma vez. Na última semana, falou em controlar o câmbio, coisa que dá arrepios em qualquer economista liberal, da linha de Guedes.

Bolsonaro vai governar sem dinheiro. A proposta de Guedes é vender tudo o que der, sem pena de colocar em leilão Petrobras, Banco do Brasil e Caixa. O presidente eleito já disse que não é por aí. Prefere só vender o que não tem valor mesmo, o que cria uma contradição óbvia. A União ainda pode se desfazer de terrenos e coisas assim, ou acelerar concessões, coisas que ajudam a fechar as contas de 2019 e talvez 2020. No longo prazo, as reformas são mais embaixo.

E aí Bolsonaro vai ter de encarar suas falas mansas sobre reforma da Previdência durante a campanha. Vai manter a promessa de não votar a reforma da Previdência que está no Congresso em troca do que outro projeto? De uma proposta mais arrojada ou de uma mais mole. O Bolsonaro da campanha simplesmente parecia não ter captado qual é o tamanho do problema – não importando a abordagem para lidar com ele (se com ou sem plano de capitalização, ou isolamento dos ditos benefícios sociais vinculados à Previdência). O presidente eleito também terá de lidar com o gasto com o funcionalismo, tema que é ainda vago em seu plano de governo.

A ideia de um Estado menos interventor, que deixe no caminho menos obstáculos para a iniciativa privada, é exatamente o que o Brasil precisa neste momento. Somos pouco competitivos, apesar de todas as políticas para agricultores, industriais, universidades e assim por diante. Cortar esses laços de camaradagem com o Estado é bem mais duro do que parece e é por isso que Guedes quer o Ministério da Indústria e Comércio sob sua gestão no novo Ministério da Economia. Contraditoriamente, Bolsonaro acenou à indústria que pode rever esse modelo para o setor ter seu quinhão em Brasília.

A relação de Bolsonaro com o agronegócio também é coisa para ser acompanhada de perto. Acelerar o desmatamento na Amazônia não é o caminho para o desenvolvimento de longo prazo, seja pela limitação econômica da atividade, seja por seus efeitos ambientais. Coisa que talvez não importe a quem disse que tiraria o Brasil do Acordo de Paris e depois voltou atrás porque pegou mal até entre gente do agronegócio.

O capítulo do Acordo de Paris, aliás, serve para o novo presidente reavaliar suas fontes de informação. A retirada do Brasil do acordo seria uma decisão baseada em teorias da conspiração, do mesmo tipo que alimentaram as frases desconexas sobre urnas eletrônicas, ou sobre as tramoias do Foro de São Paulo.

Problemas reais como a relação com imigrantes da Venezuela precisarão ir além da inspiração em Donald Trump, o presidente dos Estados Unidos que vive sua campanha contra imigrantes e importações chineses apesar dos danos que possa provocar à sua economia. O mesmo vale para a relação do Brasil com a China, que Bolsonaro tentou azedar em alguns pronunciamentos nos últimos anos.

Governar, em resumo, significa procurar soluções para problemas reais e não reverberar frases de efeito e teorias da conspiração. Escolhas ruins formam um mau governo, do tipo que Dilma Rousseff construiu e depois vendeu como caso de sucesso em sua reeleição. Deu em uma inversão de rumo na economia que ajudou a derrubá-la – afinal, o Congresso não quis pagar a conta das reformas. Boas escolhas melhoram o ambiente e criam condições para novos avanços.

O Bolsonaro presidente precisa superar o candidato do antipetismo. Não basta criticar a “petezada” para resolver o déficit público (2% do PIB de déficit primário no orçamento do ano que vem), ou lembrar da corrupção de Lula para resolver o impasse que vai surgir em primeiro de janeiro em torno do preço do diesel. Se, na melhor das possibilidades, as lacunas eram estratégia eleitoral para não dar munição ao adversário, estão aí agora para serem preenchidas pelo eleito. O pior será elas terem sido deixadas em aberto por falta de conteúdo.

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