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O ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, prepara medidas liberais. Foto: Mauro Pimentel / AFP
O ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, prepara medidas liberais. Foto: Mauro Pimentel / AFP| Foto:

Paulo Guedes, o futuro ministro da Economia de Jair Bolsonaro, não usou meias palavras ao dizer que é preciso passar a faca no Sistema S. E esse não é o único gasto que está na mira de Guedes, o que vai tornar os primeiros meses de sua gestão bastante interessantes.

Além do Sistema S, podemos esperar facadas no funcionalismo, no BNDES, abono salarial, seguro-desemprego, lucros de dividendos, Simples e outros benefícios fiscais, além da Previdência. São alguns exemplos da aplicação prática de uma visão liberal na economia, algo que sempre sofre resistência no Brasil. Talvez por isso a fala sobre o Sistema S tenha causado tanta repercussão.

Não é de hoje que o Sistema S está na mira de economistas liberais. Joaquim Levy, quando ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, fez uma proposta na mesma linha de corte nos repasses a instituições como Senai, Sesc e Senat. Não durou muito tempo mais no cargo para colocar a ideia em prática. Com formação na Universidade de Chicago, a mesma pela qual passou Paulo Guedes, Levy argumentava que há no repasse obrigatório ao Sistema S uma fonte de ineficiências. O ciclo político mudou de 2015 para cá. Levy vai voltar ao governo em janeiro, como presidente do BNDES, onde deve continuar o choque de mercado iniciado no governo Michel Temer.

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E a faca volta a pairar sobre os gastos bilionários do Sistema S, perto de R$ 20 bilhões por ano. O debate sobre essa dinheirama é interessante porque representa bem o que liberais e desenvolvimentistas pensam sobre economia. Do ponto de vista liberal, as empresas deveriam ter liberdade para escolher como investir na capacitação de seus trabalhadores. Grandes empresas poderiam criar suas próprias escolas, por exemplo. Como alternativa, associações de empresas poderiam pagar escolas privadas para oferecer cursos. As possibilidades de organização e custeio são várias.

A visão desenvolvimentista clama por uma organização estatal para prover a capacitação e o bem estar do trabalhador. Recolhe-se o dinheiro compulsoriamente e ele é aplicado por organizações para isso formadas. Para as empresas, o resultado pode variar imensamente. Há aquelas que vão se beneficiar muito, pois terão acesso a serviços que talvez não conseguissem sozinhas. Outras verão no sistema só um imposto a mais, que reduz a competitividade.

Os liberais têm ainda a seu favor o argumento da qualidade do gasto. Instituições centralizadas custeadas por dinheiro público tendem a não se preocupar o tanto que deviam com a eficiência do que estão fazendo. Elas também não são expostas à competição (embora prestem serviços que são pagos por usuários), nem ao risco de verem seus mantenedores indo para outra organização.

No fim da linha, a análise pouco crítica do Sistema S, baseada apenas em seus serviços prestados, ignora seu custo de oportunidade. Será que não haveria um mercado privado mais eficiente e barato para a capacitação de trabalhadores na ausência do modelo estatista? Será que as empresas não teriam destino melhor para o dinheiro? Ele poderia melhorar suas margens e virar investimento, por exemplo, criando empregos. Ou ser o percentual que falta para uma fábrica conseguir embarcar seus produtos para outro país. O número de possibilidades que o mercado dá a esse mesmo recurso me faz acreditar que a imposição do Sistema S é menos eficiente do que um modelo optativo. É a lógica aplicada aos sindicatos na reforma trabalhista.

Esse conflito de visões vai aflorar em várias áreas onde o novo governo promete reformas. Está em análise a mudança de regras do abono salarial, um subsídio ao trabalho de baixa qualificação. Eu apoiaria seu fim imediato. Não entendo por que o Estado precisa pagar um salário extra para quem tem emprego, mesmo que com remuneração baixa. No fim da linha, o governo está ajudando empresas que pagam pouco e são menos eficientes.

Possivelmente haverá reformas no seguro-desemprego e no FGTS, embora aqui não haja ainda uma proposta na mesa além de alguma liberdade adicional na aplicação dos recursos do fundo. No caso do seguro-desemprego, há um desequilíbrio que precisa ser corrido: o país gasta mais no apoio financeiro ao desempregado do que em programas de recolocação.

Na área tributária, a última novidade apresentada pela equipe de Guedes é a ideia de se mexer no Simples. Este é o maior benefício fiscal do país e tem uma estrutura que merece ser revisada. Coloco duas razões para isso: o desestímulo ao crescimento e o estímulo à pejotização. De um lado, o Simples cria um degrau que empresas em crescimento muitas vezes não topam encarar. É comum que um empresário abra uma segunda empresa quando seu negócio cresce para não perder o benefício fiscal. Ao mesmo tempo, muitas empresas preferem contratar funcionários como pessoas jurídicas para economizar na tributação – o sistema de lucro presumido, que está na mira da equipe de Guedes, presta um bom serviço para gente que ganha bem e não se expõe à tabela do Imposto de Renda.

A principal facada deve ser na Previdência. Pelo menos espera-se que seja. Vários membros do governo Bolsonaro deram declarações contraditórias sobre o assunto, mas é consenso na equipe de Guedes de que a reforma é o pilar de um ajuste de longo prazo para a economia. Ela poderá ser fatiada em vários projetos que, juntos, terão de entregar uma economia igual ou maior do que a prevista na reforma proposta no governo Temer.

Se precisar simplificar seus argumentos para o público, Guedes poderá escalar Joaquim Levy para lembrar quanto cada uma dessas coisas custa. Ele tentou dar o recado em 2015 quando propôs o fim da desoneração da folha de pagamentos e disse que “essa brincadeira nos custa R$ 25 bilhões por ano”. Na época, teve de se desculpar. Hoje isso não seria mais necessário. Em alguma coisa o país evoluiu.

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