O Brasil de 1919 estava na ebulição de uma corrida eleitoral. Era a quarta vez em que Rui Barbosa se candidatava, tentando romper o acordo político conservador da Primeira República, a chamada política dos governadores. A primeira edição da Gazeta do Povo, no dia 3 de fevereiro daquele ano, dedicou espaço ao assunto em sua primeira página. Era, como de costume na época, uma mistura de opinião e narrativa, na qual elogiava Rui Barbosa e contava como senadores de pequenos estados declararam apoio a ele em uma reunião.
Rui Barbosa era um reformista liberal. Seu modo de pensar caberia bem no mundo atual: defendia uma política baseada no voto secreto, na separação dos poderes e voltada para o cumprimento da vontade popular. Foi o primeiro a fazer uma campanha nas ruas, percorrendo dezenas de cidades entre 1909 e 1910, quando perdeu a eleição para o Marechal Hermes da Fonseca – presidente cujo mandato ficou marcado pelo uso do estado de sítio como forma de contornar as limitações da república democrática.
Na campanha de 1919, Rui Barbosa voltou a procurar o voto popular e nessa busca ficou famosa sua análise sobre a questão operária – ele falava dos direitos que deveriam ser garantidos à classe, inclusive o de igualdade entre os sexos. Era a pauta liberal da virada do século 20, que se ocupava de criar uma alternativa democrática ao socialismo e desembocou na social democracia. A busca do apoio operário não foi suficiente para a vitória nas urnas e Rui Barbosa perdeu para Epitácio Pessoa, como era de se esperar.
O Brasil do ano da fundação da Gazeta do Povo era uma democracia frágil, na qual havia a manipulação dos pleitos, que não eram abertos a todos os cidadãos. A atividade industrial era apenas incipiente, mas crescente – o censo de 1920 apontava a existência de 13,3 mil indústrias, ante 3 mil registradas na contagem de 1907. O país tinha 30 milhões de habitantes, a maior parte na zona rural. O principal produto de exportação era o café, o que explica em grande medida os arranjos políticos que vigoraram até 1930.
Naquele tempo, o compromisso da Gazeta em observar os interesses da coletividade era ainda uma novidade no jornalismo. A prática no século anterior no país era a da criação e fechamento de jornais de acordo com o interesse dos grupos que disputavam o poder. O empastelamento dos diários era algo comum.
Em cem anos, a democracia brasileira atravessou duas ditaduras. No caminho, conquistou-se o voto universal e secreto. A economia abandonou a dependência do café e se industrializou. Mesmo assim, os debates de um século atrás não parecem estranhos. Os impostos e o inchaço da máquina administrativa eram as reclamações do primeiro editorial. O apoio do jornal a Rui Barbosa era a defesa de uma reforma política para aperfeiçoar a democracia representativa. Duas pautas que continuam sendo defendidas hoje.
Olhar um século para trás nos ajuda a entender que o debate público é uma maratona sem fim, daquelas feitas no deserto. Temos ainda problemas que derivam do corporativismo do Império, da escravidão, do coronelismo e da distância que o mundo político tem do cidadão comum. Mas a capacidade do país de responder a eles é muito maior hoje porque já passamos por algumas revoluções, como a universalização do ensino, a formalização (mesmo que incompleta) do mercado de trabalho e a construção de um sistema de proteção aos mais necessitados. A existência de jornais centenários, como a Gazeta, é parte dessa evolução.
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