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Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado| Foto:

O arrocho da proposta de reforma da Previdência do governo Michel Temer em nada lembra as condições privilegiadas das pensões concedidas às viúvas e demais dependentes dos senadores da República. O valor máximo pago por mês é de R$ 16,8 mil, três vezes o teto da Previdência Social, e ainda pode ser acumulado com outras pensões – pagas por governos estaduais, pelo Tribunal de Contas da União e até pelo próprio Senado –, superando R$ 40 mil em alguns casos. E a conta anual de R$ 8,3 milhões é paga pelo contribuinte.

O Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) foi criado em 1963 como uma entidade de direito privado, com personalidade jurídica própria e autonomia financeira. Entre as fontes de renda estavam “auxílios e subvenções da União” e o saldo das diárias descontadas dos congressistas que faltassem às sessões. A falta dos parlamentares engordava o caixa do instituto.

Mesmo altamente subsidiado, o IPC estava quebrado quando foi extinto, em fevereiro de 1999 – não tinha como pagar as pensões. Uma lei aprovada pelos próprios parlamentares determinou, então, que a União assumiria o pagamento das pensões já concedidas e daquelas que viessem a ser concedidas. Hoje, 85 pensionistas dependentes de 82 ex-senadores recebem mensalmente um total de R$ 640 mil (leia infográfico no fim do post).

Algumas pensões são bastante antigas. Quinze delas foram concedidas na década de 70. O benefício de Regina de Barros Carvalho, dependente de Antônio de Barros Carvalho (PTB-PE), começou a ser pago em setembro de 1966 – há mais de meio século, portanto. Todos os pagamentos feitos após a extinção do IPC, por conta do contribuinte, somam R$ 96 milhões. Considerando o total de pagamentos, antes e depois da extinção, as pensões hoje existentes já consumiram R$ 138 milhões.

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Acúmulos

O ex-senador Alberto Hoffmann (PDS-RS) exerceu mandatos como deputado estadual e federal e foi suplente de senador, tendo assumido o cargo por 10 meses, em substituição ao titular, Carlos Chiarelli, em 1990. Também foi ministro do TCU, de 1983 a 1990. Morto em janeiro de 2014, deixou para a viúva, Adelina Rieger, uma pensão de R$ 16,8 mil pelo IPC e outra de R$ 33,2 mil pelo TCU.

O próprio tribunal já decidiu que as pensões das duas casas podem ser acumuladas porque considera o instituto como uma entidade de direito privado, embora os benefícios sejam custeados com dinheiro público.

Ex-governador do Paraná, o ex-senador tucano José Richa faleceu em 2003. Também deixou duas pensões para a viúva, Arlete Vilela Richa – mãe do atual governador Beto Richa (PSDB) –, uma do IPC, no valor de R$ 13,3 mil, e outra do governo do estado, de R$ 30,7 mil. A pensionista Vera Karan Kleinubing, viúva de Wilson Kleinubing (PFL-SC), ex-senador e ex-governador de Santa Catarina, recebe R$ 4,4 mil do IPC e mais R$ 15 mil do governo do estado.

Servidores

Há casos de senadores que também foram servidores do Senado. Evandro Carreira (MDB-AM) aposentou-se como senador e como funcionário comissionado do Senado. Deixou uma pensão para a ex-mulher e outra para a companheira, com quem mantinha união estável. Cada uma delas recebe R$ 2,2 mil do IPC e outros R$ 5,2 mil do Senado. Segundo o Senado, a pensão do IPC concedida às senhoras Francinete dos Santos e Idenis de Oliveira Reis, “na condição de companheira e ex-esposa pensionada, respectivamente”, tem previsão legal nos artigos 28, 30 e 38 da Lei nº 7.087/82.

O Senado também informou que a Lei nº 8.112/90, em sua redação original, permitia a aposentadoria de servidores comissionados sem vínculo efetivo. Esse direito foi revogado pela Lei nº 8.647/1993. O TCU entendeu que os servidores sem vínculo que preencheram os requisitos para aposentadoria até 13 de abril de 1993 teriam direito ao benefício – o que ocorreu com o ex-senador Evandro Carreira.

O ex-senador João Gilvan Rocha, ao deixar o mandato, em janeiro de 1983, assumiu a função de consultor médico do Senado, cargo que ocupou até maio de 1985. Depois disso, foi presidente da Central de Medicamentos (CEME). Em maio de 1988, sofreu acidente vascular cerebral e ficou incapacitado. Morreu em 2002 e deixou para a mulher, Maria Célia Dória Rocha, uma pensão de R$ 4,3 mil pelo IPC e mais R$ 37 mil como analista legislativo.

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Efetivo, mas sem concurso

A Gazeta do Povo questionou o Senado se Rocha era servidor efetivo da Casa, quando ingressou na carreira, se foi por meio concurso público e como contou o tempo de serviço para obter aposentadoria integral. O Senado informou que Rocha “era servidor efetivo do Senado Federal, tendo ingressado em 9 de fevereiro de 1983, sem concurso público, no cargo de consultor médico (hoje analista legislativo-medicina), regido pela CLT”.

Quanto à aposentadoria, disse que foi concedida em maio de 1991, com fundamento no artigo 186, da Lei nº 8.112/90, “com proventos integrais, em decorrência de invalidez permanente e, portanto, não necessitava de comprovação de tempo de serviço mínimo para inatividade”.

Dirceu Arcoverde foi governador por três anos e senador por 44 dias. Morreu no exercício do mandato, em 1979, e deixou pensão de R$ 16,8 mil para Maria José Arcoverde. Questionado como o senador comprovou tempo de serviço suficiente, o Senado respondeu que, de acordo com as Leis nº 4.284/66 e 4.937/66, a pensão devida aos beneficiários do contribuinte falecido no exercício do mandato, qualquer que seja o tempo de contribuição, é equivalente a 50% do subsídio fixo em vigor.

Ilustres

Entre os chamados “instituidores” das pensões estão ex-senadores ilustres como Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), Orestes Quércia (PMDB-SP), Mário Covas (PSDB-SP), João Calmon (Arena-ES) e Marcos Freire (PMDB-PE). No grupo dos “instituidores” estão também oito senadores biônicos – parlamentares nomeados pelo governo militar após o “Pacote de abril” de 1977, que fechou temporariamente o Congresso Nacional. Entre eles, João Calmon, Murilo Badaró (MG) e Saldanha Derzi (MS), todos da Arena na época.

Muitos dos ex-senadores que deixaram pensão fizeram carreira política a partir das décadas de 40 e 50. O IPC foi criado somente em 1963, mas permitia aos filiados a averbação (aproveitamento) de mandatos anteriores, mediante o pagamento das respectivas contribuições. Seis meses após a sua criação, já havia um aposentado. Em quatro anos, já eram oito. Quando os senadores aposentados morrem, a pensão fica para o cônjuge, companheiro, companheira, filhos, pai, mãe, irmãos, desde que dependentes economicamente.

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Previdência privada?

Questionado por que as pensionistas do IPC podem acumular pensões, o Senado respondeu: “Considerando que o IPC é uma entidade fechada de previdência privada, o TCU, mediante Acórdão nº 3.622/2013, decidiu ‘que, tanto em razão do contido nas Resoluções 13 e 14/2006 do CNJ, quanto em função da ausência do sistema integrado previsto no art. 3º da Lei nº 10.887/2004, os benefícios oriundos do extinto IPC estão excluídos da incidência do art. 37, inciso XI, da Carta Constitucional’”.

Sobre as aposentadorias concedidas poucos anos após a criação do IPC, o Senado registrou que o art. 27 da Lei nº 7.087/82, assim estabelecia: “É permitida a averbação, pelos deputados federais e senadores em exercício, de até um mandato estadual ou municipal para efeito de cálculo de pensão dos segurados obrigatórios”.

Apesar de ser uma entidade de previdência fechada, as pensões do IPC são mantidas pela União, como confirmou o Senado: “Após extinção, o IPC foi sucedido, em todos os direitos e obrigações, pela União, por intermédio da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, os quais assumiram, mediante recursos orçamentários próprios, a concessão e manutenção dos benefícios, conforme art. 1º da Lei nº 9.506/97”.

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