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Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas
Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas| Foto:

Com direito a 60 dias de férias por ano, os juízes reforçam o orçamento com o dinheiro das indenizações por férias não tiradas, uma prática conhecida na iniciativa privada como “vender” as férias. O ex-desembargador Breno Medeiros, hoje ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por exemplo, recebeu em dezembro uma indenização de R$ 225 mil por cinco períodos de férias não gozadas. Em todo o país, 1,8 mil magistrados ganharam um total de R$ 46,6 milhões na virada do ano com essas indenizações. Na média, foram R$ 26 mil por magistrado – quase um 14º salário improvisado.

Em apenas seis tribunais, o valor total pago chegou a R$ 41 milhões. A maior quantia foi depositada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – R$ 14,1 milhões. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) gastou R$ 10,8 milhões com essa despesa. No Tribunal do Distrito Federal, foram R$ 9,9 milhões.

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Mas a maior média ficou com o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJ-TO), que pagou R$ 3,9 milhões a 75 magistrados – R$ 53 mil per capita. Oito deles receberam R$ 91,4 mil por férias não gozadas – o equivalente a três subsídios. Outro 12 magistrados tiveram indenizações no valor de R$ 86,8 mil. O desembargador José de Moura Filho, beneficiado com o valor máximo, chegou à renda bruta de R$ 258 mil em dezembro, incluindo outros ganhos eventuais, como um retroativo de R$ 37 mil.

A juíza inativa Carla Reita Faria Leal, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 23ª Região, no Mato Grosso, contou com uma indenização de férias de R$ 206 mil. O TRT da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, pagou R$ 83 mil de indenização de férias à juíza aposentada Mirian Zancan, juntamente com demais acertos decorrentes da aposentadoria, a contar de novembro de 2017. Houve o reconhecimento de 65 dias de férias não fruídos em razão da aposentadoria.

Os dados foram extraídos do portal da transparência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“Imperiosa necessidade de serviço”

Pelas normas do CNJ, as férias não gozadas por “imperiosa necessidade de serviço” são indenizadas em dinheiro, sem prazo prescricional. Por isso, há o acúmulo de vários períodos. O CNJ também determina que “o caráter indenizatório do pagamento de férias não gozadas afasta a incidência do Imposto de Renda”. O dinheiro entra limpo na conta do magistrado, muitas vezes por dois períodos de 30 dias num mesmo ano.

No Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJ-MS), apenas o presidente e o vice-presidente receberam indenização de férias no último mês do ano. O presidente, desembargador Divoncir Maran, teve um reforço de caixa de R$ 68 mil – mais do que o dobro do seu subsídio –, chegando a uma renda bruta de R$ 202 mil. Ele também contou com R$ 30 mil de retroativos. O seu vice, Julizar Trindade, recebeu R$ 66 mil por férias não gozadas, alcançando uma renda de R$ 198 mil.

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O TJ-MS afirmou que a “administração do tribunal, ou seja, o presidente, o vice-presidente e o corregedor-geral do Estado, que respondem ininterruptamente pelo Poder Judiciário durante todo o ano, ficam impossibilitados de gozar as férias regularmente por necessidade de serviço”. O tribunal acrescentou que nenhum juiz ou desembargador recebe acima do teto constitucional. Mas fez uma ressalva: “o eventual recebimento de qualquer montante além do teto constitucional somente ocorre se previsto em lei, em hipóteses de indenizações ou pagamento de parcelas retroativas”.

“Cargos estratégicos”

O TRT da 18ª Região, com sede em Goiás, afirmou que a indenização de R$ 225 mil do ex-desembargador Breno Medeiros “refere-se à indenização de férias decorrentes de sua vacância ocorrida em 09/11/2017 e corresponde a cinco períodos de férias não gozadas, mais cinco dias residuais”.

As férias foram pagas com o adicional de um terço e sem a dedução de IR e previdência. O valor do subsídio (R$ 30.471,11) foi somado ao terço constitucional (R$ 10.157,00) e multiplicado por cinco, resultando no valor de R$ 203 mil. A diferença que falta se refere a dias residuais de outros exercícios que não totalizaram um mês.

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O tribunal acrescentou que o desembargador “não gozou tais períodos de férias no interesse do serviço, por ocupar cargos estratégicos no interesse da administração, em face de sua convocação para atuar no TST, de março de 2014 a dezembro de 2015; sua atuação na vice-presidência e Corregedoria-Regional do TRT-18 em 2016 e a presidência do Regional no ano passado. Com sua posterior nomeação para ocupar vaga de ministro do TST, o TRT-18 indenizou, na forma da lei, todas as verbas a que ele tinha direito enquanto exerceu o cargo de desembargador”.

Férias, PAE, conversão da URV…

O TJ-TO afirmou que as verbas pagas aos magistrados do Tocantins em dezembro estão previstas em dispositivos constitucionais e legais. “Os valores não se referem apenas ao rendimento mensal. Trata-se, além do subsídio e décimo terceiro, da composição da soma da indenização de férias não gozadas, por absoluta necessidade do serviço, após o acúmulo de dois períodos; e parcela autônoma de equivalência – PAE, (valores retroativos referentes ao período de 1994 a 2004, que permitiram a simetria dos vencimentos entre o Judiciário e o Legislativo com reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal)”.

O tribunal acrescentou que ainda compõe o crédito o saldo residual das perdas salariais decorrentes da conversão da Unidade Real de Valor (URV) para o Real. “Por fim, é importante registrar que é dever da Administração honrar com o pagamento de seus passivos (dívidas a pagar), com a devida previsão legal”, conclui nota enviada à Gazeta do Povo.

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O secretário-geral do TJ-SC, juiz Jefferson Zanini , afirmou, por meio da sua assessoria de imprensa, que “o motivo do acúmulo de férias no TJ-SC se deve ao reduzido quadro de juízes substitutos para atuar nas mais de 300 varas existentes em Santa Catarina”.

Os demais tribunais citados não responderam aos questionamentos da reportagem até o fechamento desta edição.

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