• Carregando...
Foto: Pixabay
Foto: Pixabay| Foto:

Em união estável com o pai de seus dois filhos, Sara de Almeida teve a sua pensão de “filha solteira” considerada ilegal pelo Tribunal de Contas da União (TCU).  Sara havia sido adotada pelo avô, de 72 anos, Júlio Almeida, servidor público, quando tinha um ano de idade. Enfermo, o avô morreu oito meses após a adoção. Esse é apenas uma das pensões anuladas recentemente pelo TCU, que continua barrando pensões de filhas “solteiras” casadas ou com emprego público.

No processo envolvendo a pensão deixada por Júlio Almeida, ex-servidor do Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério Público do TCU apurou que Sara estaria vivendo com o pai de seus filhos, Gilmar da Silveira, no mesmo endereço. O ministro relator do caso, Aroldo Cedraz, alegou que isso violaria a condição para o recebimento da pensão porque a filha solteira dependente economicamente “não pode contrair casamento ou se encontrar em situação de união estável”.

LEIA TAMBÉM: Filha solteira de 96 anos recebe mesada da Câmara desde 1947

Segundo dados do TCU, as filhas solteiras do serviço público civil – cerca de 50 mil – consomem em torno de R$ 3 bilhões por ano. A conta é ainda mais pesada no caso das filhas solteiras de militares 87 mil pensionistas recebem um total de R$ 6 bilhões por ano. E com uma vantagem: podem ser casadas, divorciadas, em união estável. Na verdade, são “filhas maiores”.

Em setembro de 2018, o TCU considerou ilegal a pensão de “filha maior solteira” de Isabel Neves da Silva, beneficiária de Antônio Neves. Segundo consta no processo, Izabel teria se casado em março de 1991 e se separado em junho de 2000, tendo adquirido a condição de divorciada. Em junho de 1999, quando já estava casada, declarou que continuava solteira.

“Não há como atribuir boa-fé à sua conduta. Somente em 2016, quando notificada pelo órgão gestor para esclarecer sua situação, é que informou que havia se casado. Dessa forma, ante a notória má-fé, é cabível a revisão de ofício da decisão que considerou legal a pensão”, afirmou o relator do processo, ministro Cedraz.

Exemplo na própria casa

Em agosto do mesmo ano, o TCU enfrentou um caso ocorrido dentro do próprio tribunal. Foi no julgamento do recurso de Luzia Soares de Melo contra decisão da presidência do tribunal, que cancelou a pensão que vinha percebendo na qualidade de filha maior solteira. Ocorre que ela também recebia benefício pago pelo INSS decorrente de união estável constituída após a concessão da pensão estatutária.

Luzia alegou que, após a morte do pai, quando já recebia pensão especial do tribunal, manteve relacionamento com pessoa contribuinte do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Passou a receber a pensão por aquele regime mais de uma década após a instituição da pensão especial.

Acrescentou que não teria sido perdida a condição de dependência econômica do pai pelo recebimento de benefício do INSS, no valor de apenas R$ 1.974 em abril de 2017. Ela recebia mais R$ 8.180 do TCU. Alegou ainda que a condição de beneficiária da pensão estatutária apenas poderia ser suprimida pela ocupação de cargo público permanente.

LEIA TAMBÉM: Filhas solteiras do STF recebem pensão equivalente ao salário de um ministro do tribunal

A ministra relatora, Ana Arraes, argumentou que “não procede a alegação de que apenas ocupação de cargo público ensejaria a perda da condição de beneficiária. Não há previsão legal para pagamento de pensão a filha maior de 21 anos não solteira”.

A relatora afirmou que o benefício em questão foi concedido após o falecimento do pai da recorrente, em março de 1985, quando a interessada já era maior de 21 anos e seria solteira. “Com a identificação de pensão recebida do INSS por morte de ex-companheiro, restou caracterizada a perda da condição de solteira, conforme equiparação promovida pela Constituição Federal de 1988. A partir desse fato, a recorrente faz jus tão somente à pensão do INSS”.

Emprego público e dois filhos

A pensão que Eveline Soares de Arruda recebia do Tribunal Regional do Trabalho do Ceará foi considerada ilegal pelo TCU em julho de 2018. Os documentos constantes no processo indicam que a pensionista é atualmente auditora-fiscal da Receita Estadual, sendo servidora da Secretaria da Fazenda do Ceará desde agosto de 1982, inicialmente no cargo de assistente fazendário.

No processo, Eveline alegou “ausência de má-fé”. Informou que ingressou como estagiária no Serviço de Processamento da Dados (Seproce) em 1983. Em 1984, permaneceu como técnica de informática do mesmo órgão sem assinar contrato com a administração pública. Registrou que, “sendo solteira e mãe de 2 filhos, não sabia que a pensão recebida pela morte de seu pai, de inegável caráter alimentar, estaria em desacordo com a lei”.

Mas o tribunal apurou que fotocópias dos dados funcionais da servidora indicam que ela, em agosto de 1982, já possuía vínculo estatutário com a Secretaria de Fazenda. Também consta nos autos publicação no diário oficial de progressão funcional concedida na carreira de auditor-fiscal estadual. “Tais documentos caracterizam que a Sra. Eveline Maria Soares Arruda exerce cargo público efetivo estadual”, diz o relatório.

LEIA TAMBÉM: Senado gasta R$ 32 milhões em mesadas para filhas solteiras

O relatório técnico acrescentou que “as inúmeras declarações assinadas pela interessada de que não ocupava cargo público na esfera federal, estadual e municipal, quando, na verdade, era funcionária pública estadual, excluem a boa-fé da beneficiária da pensão”.

O ministro relator, Augusto Nardes, concluiu que “há quantidade considerável de documentos em que fica caracterizada a responsabilidade da interessada ao prestar informações falsas quanto a sua condição, induzindo ao erro a administração do TRT 7ª Região”.

Informações da irmã

Mônica Gonzalez teve a sua pensão civil como filha solteira considerada ilegal porque exercia cargo público permanente no Banco do Estado do Amazonas, à época do óbito do instituidor da pensão, além de ter adquirido união estável após a concessão do benefício.

O tribunal apurou que Mônica trabalhava no Banco do Amazonas entre dezembro de 1982 e julho de 1984, como consta na sua carteira de trabalho. Além disso, sua irmã, Martha, informou que Mônica adquiriu relação estável, como indica a ação de inventário apresentada.

Valentim Gonzales, ex-auditor fiscal da Receita Federal, morreu em junho de 1983, deixando pensão para a viúva, Marlucia Mafra Gonzalez, e para a filha Mônica. “Portanto, no momento do óbito, a recorrente não reunia condições de ser habilitada na pensão”, concluiu o ministro relator, Vital do Rego.

O relator citou a recente decisão do ministro Edson Fachin sobre pensões para filhas solteiras, em maio deste ano, no Mandado de Segurança 35.032. Segundo Fachin, a lei que rege a concessão do benefício por morte é a vigente na data do óbito do segurado. Se a filha solteira ocupa cargo público no momento do óbito, não pode se habilitar à pensão.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]