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A ciência torna obsoleta a crença em Deus? – Parte 13: Stuart Kauffman
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Antes de entrar no assunto do post, um aviso: este blogueiro aproveitará merecidas férias no mês de março, e estará de volta no dia da mentira. Enquanto eu descanso, haverá eventos interessantes no campo da ciência e religião, especialmente um congresso sobre Darwin organizado pelo Vaticano. Quando eu voltar, espero poder recuperar esses eventos para vocês. Já garanto que durante as férias pretendo ler alguns livros que serão comentados depois na seção Para sua biblioteca. Enquanto isso, divirtam-se com o material que já foi publicado até agora!

Finalmente encerramos a série de respostas à big question da Fundação John Templeton – série essa que deu início ao blog, lá em setembro do ano passado. O autor do último ensaio é um biólogo norte-americano que atualmente dá aulas no Canadá.

Stuart Kauffman – Não, mas apenas se…

Arquivo Universidade de Calgary
Stuart Kauffman quer “reinventar o sagrado”.

É interessante como essa última resposta se parece com a primeira (de Steven Pinker) no sentido de criar condições. No caso de Kauffman, a crença em Deus não ficaria obsoleta se desenvolvêssemos uma nova noção de Deus – passar de uma entidade sobrenatural a um “Deus natural que é a criatividade no cosmos”, afirma. Em outras palavras (dele mesmo), poderíamos chamar de Deus a “incessante criatividade no universo”. Como sabemos, outras personalidades que escreveram ensaios defenderam essa ideia, a de que com essas divindades que temos hoje o negócio vai ser complicado, e que a noção de Deus só permanecerá se ela for alterada em relação ao que existe atualmente.

O problema de termos respostas meio repetidas é que os comentários ficam repetitivos também. Eu já afirmei aqui antes que é muito fácil construir um Deus do jeito que desejamos – seja para acabar com ele depois, seja para O adotarmos. E isso não é privilégio de gente de ciência: muitas pessoas que se dizem religiosas preferem construir para si um Deus do jeitinho que elas querem, mesmo que ele seja frontalmente contrário ao que sua religião prega. De preferência um Deus que feche os olhos às bobagens que cometemos, para que não precisemos sequer nos arrepender do mal que fazemos (eis um tema interessante para os cristãos que começaram a Quaresma anteontem). Bento XVI, no começo de seu livro Jesus de Nazaré, diz que as tentativas de criar um “Jesus histórico” dizem mais sobre os autores dessas tentativas que sobre o próprio Cristo. Basta ver que teólogos da libertação, por exemplo, inventaram (o verbo é proposital) um Jesus mais parecido com um Che Guevara que com o filho de Deus. Então, se até gente que se diz religiosa faz isso, não surpreende que os demais também façam. Agora, se isso é coerente ou não, é outra história…

Falando em inventar, o bordão de Kauffman é “reinventar o sagrado” – título de um de seus livros recentes. Ele mesmo afirma que a expressão é nitroglicerina pura, pois significa que o sagrado é inventado. “Quantos deuses adoramos ao longo dos séculos? Somos nós que dizemos a nossos deuses o que é sagrado, e não o contrário”, afirma, deixando a entender que a religião é uma construção puramente humana. Mas não poderíamos dizer algo parecido da ciência? Quantas teorias científicas, cosmologias, visões de mundo vieram e foram derrubadas por outras… claro que nesse campo a ciência tem uma vantagem: desde o aparecimento do método experimental as novas teorias podem ser testadas, retestadas, comprovadas ou refutadas. Já a veracidade de uma religião não pode ser comprovada em laboratório, mas o que C.S. Lewis faz em Mero Cristianismo a respeito da divindade de Jesus não deixa de ser uma tentativa de demonstração.

Para Kauffman, essa reinvenção seria um gigantesco passo para a humanidade (como diria Neil Armstrong): assumir a responsabilidade pelo que consideramos sagrado. “Não queremos voltar a nenhuma forma de religião que exige que abandonemos a verdade do mundo real”, afirma. Mas quem disse que para isso é preciso acabar com a religião como ela é hoje? Isso é tomar o fenômeno do fundamentalismo como medida para julgar a religião como um todo.

O biólogo afirma que essa reinvenção também exigirá uma mudança de postura por parte da ciência. Se o desenvolvimento desse universo incessantemente criativo (e de cuja criatividade participamos) não pode ser previsto, “a razão, a máxima virtude do nosso querido Iluminismo, não é suficiente para guiar nossas vidas. (…) E, diante do que só podemos chamar de Mistério, precisamos de um meio de orientar nossas vidas. Que nós realmente vivamos diante do desconhecido é uma raiz da necessidade ancestral da humanidade de ter um Deus sobrenatural”, diz.

Mas o Deus que temos hoje, principalmente o judaico-cristão, é limitado demais para Kauffman. Um Deus que cria o universo e tudo que há nele para nosso benefício é algo muito conveniente para nós. Para o biólogo, nossas vidas teriam muito mais sentido como parte do desenvolvimento de todo o universo. Estaríamos mais propensos a nos maravilharmos, a sermos gratos e a cuidar do que existe à nossa volta. E mais: “Se Deus é a criatividade no universo, não somos feitos à imagem de Deus; nós mesmos somos Deus. Agora podemos assumir responsabilidade por nós mesmos e nosso mundo”, comenta Kauffman perto do fim do ensaio. Mas onde está a incompatibilidade entre crer num Deus pessoal, sobrenatural, e assumir essas responsabilidades, ou o senso de que devemos cuidar da criação? O fatalismo não é característica de toda religião – em muitas crenças, somos responsáveis pelo nosso destino, inclusive na vida após a morte. Da mesma forma, há quem argumente que, ao ver o homem como ponto culminante e senhor da criação, algumas religiões dão aval a coisas como a destruição do meio ambiente. Já adianto que, pelo menos no Cristianismo, não é assim que a banda toca, pois diz o Gênesis que Deus colocou o homem no jardim para que cuidasse dele. Mas é certo que a discussão não para por aí: inclusive é uma das pautas que pretendo aprofundar ao longo deste ano.

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Para saber mais sobre Stuart Kauffman:
Wikipedia
Entrevista a Steve Paulson, do Salon.com

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Agora que a série acabou, seguem os links para os comentários a todos os ensaios anteriores:
Parte 1: Steven Pinker
Parte 2: cardeal Christoph Schönborn
Parte 3: William Phillips
Parte 4: Pervez Hoodbhoy
Parte 5: Mary Midgley
Parte 6: Robert Sapolsky
Parte 7: Christopher Hitchens
Parte 8: Keith Ward
Parte 9: Victor Stenger
Parte 10: Jerome Groopman
Parte 11: Michael Shermer
Parte 12: Kenneth Miller

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