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Criacionismo na escola – a polêmica do Mackenzie
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No fim do mês passado, o jornalista Marcelo Leite, da Folha, mostrou que a escola infantil do Mackenzie, em São Paulo (mais conhecida pela sua faculdade, que tem alguns cursos muito bons), está ensinando a teoria criacionista aos seus alunos de 6 a 9 anos. Obviamente está cheio de gente achando isso um absurdo, um retrocesso, e nos comentários feitos no blog do jornalista podemos ver amostras de puro preconceito anti-religioso. Hoje, é a vez de O Estado de S. Paulo trazer uma reportagem sobre o tema, mencionando mais escolas.

O Mackenzie é uma escola confessional, presbiteriana. Tem o direito de ensinar a sua religião aos seus alunos. Se os pais não querem que seus filhos recebam doutrina presbiteriana, há muitas outras escolas de qualidade por aí. Assim como eu acredito que as escolas e universidades católicas deviam, sim, ensinar doutrina católica nas aulas de religião ou na disciplina obrigatória de Teologia (ou “Estudos Religiosos”, ou sei lá o nome que dão a isso agora) que alunos de PUCs por aí precisam fazer. “Ah, mas os alunos protestantes, judeus, etc. vão se ofender”, argumentam. Mas, quando matricularam os filhos ou prestaram vestibular, não sabiam que estavam buscando vaga em uma instituição de ensino católica? Então que agüentem as conseqüências… mas tragicamente o politicamente correto levou as PUCs a renegarem o “P” e o “C”, ficando apenas com o “U”, como diz um amigo carioca que estuda na PUC do Rio. Isso quando essas escolas não contratam professores de ciências humanas que hostilizam abertamente a religião em suas aulas, e aí PUC vira “Primeira Universidade Comunista”, segundo outro amigo meu.

No entanto, o que parece complicar a situação no caso dessas escolas mencionadas nas reportagens é que a doutrina está sendo passada não apenas nas aulas de Religião, mas também nas aulas de Ciências. Tudo bem que se explique que o evolucionismo não é fato consumado, que há outras teorias (há quem não considere design inteligente como ciência, mas essa é outra discussão). Só que criacionismo não é exatamente ciência: é fé.

Mas, voltando ao criacionismo, só não comentei o assunto logo que o Marcelo Leite escreveu em seu blog porque eu quis conversar com alguns pastores presbiterianos para entender exatamente o que essa denominação cristã defende sobre a criação do universo e dos seres vivos, já que é possível entender muita coisa por “criacionismo”. Acreditar que Deus fez o universo surgir do nada já é suficiente para ser criacionista? Ou é preciso crer também que Deus fez o pingüim, a girafa, a aranha marrom e o urso polar do jeito que são hoje?

Por isso, procurei o reverendo Jean Selleti, diretor do curso de Teologia da Faculdade Evangélica do Paraná, e ele intermediou um contato com o professor Agemir de Carvalho Dias, professor de Teologia da Faculdade Teológica SulBrasileira, também presbiteriana e sediada aqui em Curitiba.

Reprodução
No afresco de Michelangelo no teto da Capela Sistina, Deus cria o sol, a lua e os planetas.

O professor Agemir começa lembrando que não existe nenhum órgão central que tenha o poder de impor doutrina a todos os presbiterianos. Em comum, as igrejas presbiterianas têm a herança da reforma feita por Calvino na Suíça, mas as igrejas são autônomas. No Brasil, as principais são a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (Ipib), a Igreja Presbiteriana Renovada (IPR) e a Igreja Presbiteriana Unida (IPU). Aqui e em muitos países, o documento de fé dos presbiterianos é a Confissão de Fé de Westminster (CFW), que diz o seguinte sobre a criação:

CAPÍTULO IV
DA CRIAÇÃO

I. Ao princípio aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para a manifestação da glória do seu eterno poder, sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom, o mundo e tudo o que nele há, visíveis ou invisíveis.
Ref. Rom. 9:36; Heb. 1:2; João 1:2-3, Rom. 1:20; Sal. 104:24; Jer. 10: 12; Gen. 1; At. 17:24; Col. 1: 16; Exo. 20: 11.

II. Depois de haver feito as outras criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com almas racionais e imortais, e dotou-as de inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus corações, e o poder de cumpri-la, mas com a possibilidade de transgredi-la, sendo deixados à liberdade da sua própria vontade, que era mutável. Além dessa escrita em seus corações, receberam o preceito de não comerem da árvore da ciência do bem e do mal; enquanto obedeceram a este preceito, foram felizes em sua comunhão com Deus e tiveram domínio sobre as criaturas.
Ref. Gen. 1:27 e 2:7; Sal. 8:5; Ecl. 12:7; Mat. 10:28; Rom. 2:14, 15; Col. 3:10; Gen. 3:6.

“Como se percebe, o texto da CFW é sucinto e dá margem a diversas interpretações, mas a idéia básica se mantém: Deus criou o mundo e criou o homem. Isto é dogma para o presbiteriano. Contudo, o texto da CFW é de 1649, antes da teoria de Darwin”, ressalta o professor Agemir. Naquela época, sem elementos científicos, era bem plausível aceitar que Deus tivesse efetivamente feito tudo por meio de atos individuais de criação.

Como não houve documentos de fé posteriores à CFW, e a definição de Westminster é breve e pouco detalhada, as descobertas científicas não abalam o texto do século 17. “Nos documentos de fé dos presbiterianos não há possicionamento sobre essa discussão. Há uma declaração sucinta, segundo a qual Deus criou o mundo. Como criou? Quando criou? Há processos evolutivos? Não é questão de fé para um presbiteriano”, acrescenta o teólogo.

Conseqüentemente, os presbiterianos se dividem em várias correntes, todas lícitas do ponto de vista dá fé, explica o professor Agemir. “Alguns são partidários da evolução como sendo o processo como Deus cria as coisas; outros são criacionistas, ou seja, defendem que todas as coisas já foram criadas como são em um momento que data aproximadamente de dez mil anos; e outros são adpetos do design inteligente, que defende que há uma inteligência que projetou e criou o universo. O que é comum entre os presbiterianos é a rejeição da tese materialista de que todo o universo se desenvolveu por um acaso”, afirma. Nesse sentido, a expressão “Deus criou” pode não implicar necessariamente naqueles atos criadores próprios para cada espécie animal ou vegetal que havíamos mencionado anteriormente.

O problema maior é referente ao grupo criacionista. Como eles lidam com as evidências científicas que comprovam a existências de espécies animais com milhões de anos? Para o professor Agemir, os criacionistas “seqüestraram” a fé, considerando-se os únicos que estão corretos sobre a criação. “Isso causa um desconforto, pois eles não trabalham com as evidências; pelo contrário, todo o esforço deles é no sentido da negação das evidências evolutivas”, diz Agemir, apontando um paradoxo no comportamento dos criacionistas: diante das descobertas científicas eles são muito céticos, mas diante da narrativa do Gênesis eles se comportam com muita ingenuidade. “O criacionista inverte o processo do conhecimento científico, transformando narrativas mitológicas (entendido o termo ‘mito’ na sua idéia técnica, não como uma mentira mas como uma explicação que dá sentido ao mundo) e literárias como dogmas científicos”, completa.

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