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Nossa, como você é gorda!
Nossa, como você é gorda!| Foto:

Ni hao,

Esse negócio de diferença cultural é muito relativo. Dependendo do pé com o qual você levantou de manhã, “diferença cultural” pode ter outro nome: falta de educação mesmo.

Vou tentar ser mais clara.

Há mais de um ano, quando a Tina ainda era minha professora de mandarim, eu comprei para ela um anel de raposa, cheio de pedras coloridas, que ocupava quase todo o comprimento do dedo. Quem leu o post “Vai ser boa assim lá na China”, sabe que esse tipo de apetrecho é a cara da Tina!

Alguns meses mais tarde, reparando que a Tina nunca havia usado meu anel de raposa, eu fiz aquela perguntinha capciosa cuja intenção escusa é deixar o outro ser humano sem graça: _ Poxa Tina, não gostou do presente que eu te dei?

Só que quem ficou sem graça fui eu. A Tina, sem hesitar um segundo sequer, respondeu: _ Não!

Só me restou fazer cara de tristeza-indignada e perguntar: _ Mas, por quêêê???? E, como quem responde a uma prova de história, ela enumerou os três motivos para não ter apreciado o meu presentinho: _ Eu não gosto de raposa, achei a cor das pedras feias e, além de tudo, o anel é grande demais; eu não consigno nem digitar no telefone.

Calma, Chris. Isso é apenas uma questão de diferença cultural! Ela não quis te ofender… É, mas ofendeu!

_ Sabe, Tina, por que então você não devolve o presente?

Pronto, vingada! Só que ela efetivamente devolveu.

Essa historinha, que eu resgatei dos primórdios da minha chegada em Shenzhen, me voltou à memória quando me deparei com uma propaganda gigante bem em frente ao condomínio onde moramos. Condomínio, aliás, que possui a maior concentração de ocidentais da cidade.

Nossa, como você é gorda!

Nossa, como você é gorda!

Não precisa nem saber mandarim para entender a mensagem sutil que se “esconde” nas entrelinhas do cartaz: Vocês, ocidentais gordas, se quiserem ser magrinhas como nós chinesas, comprem o nosso produto.

E, para piorar um pouco, o caractere (pronunciasse fei)quer dizer “gorda”. O caractere menor, do ladinho, (pronunciasse jian) significa perder. Ou seja, lendo os dois juntos, o cartaz diria “perder peso”. Mas como o “fei” está ligeiramente maior que o “jian”, então a loura de cabelo seco e maiô cafona é gorda mesmo!

Antes de escrever o post, fui consultar minha especialista em sinologia, a Liu. Brinquei de inverter os papéis: Liu, imagine uma ocidental linda e alta (estatura baixa é um complexo dos chineses – peguei pesado!) de cabelos loiros e olhos azuis dizendo para um chinesa feia e baixinha que ela está gorda demais. Não seria ofensivo? Como eu imaginava, a Liu praticamente não entendeu a analogia e respondeu que não via nada demais.

Enfim, leitores, este é apenas um pequenino exemplo das “descomunicações” que vivemos todos os dias no supermercado, no taxi, no restaurante. Imaginem, então, os desencontros que acontecem quando o assunto é “business”. Quantos códigos de conduta são quebrados por ambas as partes nas visitas a fábricas, nos e-mails de cotação de preço, nas conversas informais nos estandes das feiras.

Um simples cartão de visitas pode abrir o coração de um fornecedor para você ou, ao contrário, fazê-lo fechar-se em seus próprios preconceitos. Isso sem falar na forma como se entregam os cartões, ou mesmo o dinheiro, para outras pessoas: sempre segurando com as duas mãos em sinal de respeito.

Felizmente, meus dois anos de China e meu 关系 (guan xi)  já me deram uma boa compreensão sobre os códigos de relacionamento dos chineses, o que me coloca em vantagem em relação a turistas e visitantes esporádicos.

Mas, confesso que, mesmo para mim, em alguns momentos ainda é difícil vivenciar essas diferenças sem me alterar. Em tempo, gorda é a mãe!

再见!

Zai Jian

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