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Crime organizado

A máquina de lavar do PCC: como a facção movimentou bilhões em postos, fintechs e motéis

Posto de combustíveis
Nova operação indica braço financeiro do PCC na lavagem de dinheiro. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Na manhã desta quinta-feira (25), o Ministério Público de São Paulo (MPSP), por meio do Gaeco, a Secretaria da Fazenda e Planejamento de SP, a Polícia Militar em parceria com a Receita Federal, deflagrou a Operação Spare, mais um desdobramento da Operação Carbono Oculto, realizada no dia 28 de agosto e que revelou um esquema bilionário de adulteração de combustíveis e lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC). Desta vez há suspeitas que o esquema também envolva, além de postos de combustíveis, jogos de azar.

A ação desta quinta teve como alvo, segundo o MPSP, um dos principais operadores do PCC que atua há cerca de duas décadas no mercado de combustíveis em São Paulo e pessoas a ele associadas.

Em coletiva à imprensa, o MPSP afirmou que os investigados, de modo semelhante ao que foi descoberta na Operação Carbono Oculto, usavam postos de combustíveis, empreendimentos imobiliários, motéis e lojas de franquia para lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio da organização criminosa.

Nesta nova fase, a operação contra o esquema bilionário do PCC cumpriu 25 mandados de busca e apreensão em São Paulo (19), Santo André (2), Barueri, Bertioga, Campos do Jordão e Osasco. A ação levou às ruas 64 servidores da Receita, 28 do MP e cerca de cem policiais militares.

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Como o PCC usa o mercado formal para lavar dinheiro

As investigações têm apontado que o grupo, alvo nesta quinta, controlava cerca de 400 postos de combustíveis. A promotoria de São Paulo começou a investigar essa rede após realizar, em 2020, operações em casas de jogos ilegais, em Santos, que utilizavam maquininhas de cartão registradas em nomes de postos de combustíveis. Esses achados geraram as primeiras suspeitas de lavagem de dinheiro, evidenciando como o crime organizado misturava atividades ilegais com empresas formais.

De 2020 e 2024, pelo menos 267 desses postos movimentaram aproximadamente R$ 4,5 bilhões, mas recolheram apenas R$ 4,5 milhões em tributos federais, equivalente a 0,1% do total movimentado. Além disso, administradoras de postos ligadas aos investigados movimentaram R$ 540 milhões no mesmo período.

O esquema também abrangia lojas de franquia, motéis e empreendimentos imobiliários, com movimentações financeiras bilionárias, distribuição de lucros a sócios e emissão irregular de notas fiscais. Com os recursos obtidos, os investigados adquiriram imóveis de alto valor, iates, helicópteros, carros de luxo e terrenos onde funcionam estabelecimentos comerciais utilizando empresas de fachada.

Um padrão identificado pela Receita Federal envolvia ainda retificações de declarações de Imposto de Renda em um mesmo dia, com inclusão de altos valores em fichas antigas sem a correspondente tributação, configurando tentativa de indicar origem legal para recursos ilícitos. Estima-se que o patrimônio identificado represente apenas 10% do total real dos envolvidos, e que, com essas práticas, a família do principal alvo nesta quinta, ligado ao PCC, ampliou irregularmente seu patrimônio em cerca de R$ 120 milhões.

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Conexões com outras operações e os tentáculos bilionários do PCC

A Operação Spare mantém ligação direta com a Carbono Oculto, que teve como foco também a lavagem de dinheiro por meio de postos de combustíveis, e com a Operação Rei do Crime, envolvendo transações imobiliárias e comerciais, uso compartilhado de helicópteros e reservas de viagens internacionais. As apurações se estendem por anos e envolvem múltiplas forças de fiscalização e controle.

Outras ações recentes, como a Operação Cadeia de Carbono, deflagrada no dia 19, resultaram na apreensão de cargas de petróleo e derivados avaliadas em R$ 240 milhões, suspeitas de terem sido adquiridas por empresas sem comprovação da origem dos recursos.

Porém, a Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto pela Receita Federal, Polícia Federal e Ministério Público, traçou um panorama detalhado da atuação criminosa do PCC em setores do mercado formal.

A investigação revelou que grupos criminosos estendiam o controle além dos postos, chegando a distribuidoras e usinas de etanol, e sofisticaram a lavagem de dinheiro utilizando fintechs, gestoras e fundos de investimento, com pagamentos digitais e contas em que os titulares não eram identificáveis, chamadas de contas “bolsão”. Recursos ilícitos eram inseridos na economia formal e reinvestidos em imóveis e estabelecimentos comerciais.

Na ocasião, se identificou cerca de mil postos de combustíveis envolvidos no esquema, movimentando aproximadamente R$ 52 bilhões de 2020 a 2024, com estimativa de R$ 7,6 bilhões em sonegação de tributos.

A investigação também detectou importação de metanol pelo porto de Paranaguá (PR) para adulterar gasolina, com concentrações de até 50% no combustível, muito acima do limite de 0,5% permitido pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), oferecendo risco à segurança dos motores e à saúde pública. No diesel, a redução do biodiesel aumentava a margem de lucro em até quatro vezes, estimulando ainda mais a fraude.

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As fintechs para as transações de valores

O uso de fintechs no esquema mostrou, segundo as autoridades, que membros ligados ao PCC conseguiram criar uma espécie de paraíso fiscal digital. A operação também destacou a circulação de dinheiro em espécie, movimentações sem notas fiscais e distribuição de lucros, evidenciando como o crime organizado se adaptou às novas tecnologias para ampliar o alcance das atividades ilegais, muitas vezes com o uso de laranjas.

Após a Carbono Oculto, o Banco Central alterou regras de movimentação financeira para fintechs, sob a justificativa de dificultar a lavagem de dinheiro. Neste mesmo caminho, o Senado aprovou o projeto de lei do devedor contumaz, que segue para a Câmara, com o objetivo de punir empresas que utilizam inadimplência fiscal como estratégia.

A análise fiscal de uma das fintechs investigadas na Carbono Oculto permitiu que os investigadores chegassem aos suspeitos presos na operação Spare, deflagrada nesta quinta.

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Como começaram as investigações que revelaram esquema bilionário do PCC

A investigação que culminou na Operação Carbono Oculto, deflagrada em agosto, seguida com desdobramentos e novas fases a caminho, começou com sinais de atuação ilícita no setor de combustíveis e movimentos financeiros atípicos, que chamaram a atenção da Polícia Federal (PF), do Ministério Público de São Paulo e da Receita Federal.

Desde 2019, apurações indicavam que o PCC e organizações associadas vinham estruturando um esquema de adulteração de gasolina, diesel e etanol, além de lavagem de dinheiro em larga escala, envolvendo fundos de investimento e fintechs localizadas, principalmente, na Avenida Faria Lima, em São Paulo, considerada o centro financeiro do país.

O esquema explorava múltiplos setores da cadeia de combustíveis: postos, distribuidoras, transportadoras e até usinas de produção de etanol. Criminosos utilizavam fintechs e contas digitais sem titular identificado, conhecidas como contas “bolsão”, para movimentar recursos sem deixar rastros, dificultando a fiscalização e a identificação dos beneficiários finais. O dinheiro obtido com a venda de combustíveis adulterados e com fraudes fiscais era reinvestido em empresas formais, imóveis, motéis e franquias, ampliando a infiltração do crime organizado na economia legal.

A investigação inicial detectou que cerca de mil postos de combustíveis em dez estados movimentavam bilhões de reais, com estimativa bilhões em sonegação de tributos de 2020 a 2024. Também foi constatado que o PCC desviava e utilizava metanol e nafta importados de forma irregular, compondo até 50% da gasolina vendida, percentual muito acima do permitido pela ANP, colocando em risco veículos e consumidores. Fraudes quantitativas, como bombas adulteradas, e qualitativas, com combustíveis fora das especificações técnicas, eram rotina.

A partir dessas evidências, a PF estruturou em agosto três operações simultâneas: Tank, Quasar e Carbono Oculto. A Operação Tank identificou a maior rede de lavagem de dinheiro no Paraná, com movimentações que ultrapassaram R$ 23 bilhões e ao menos R$ 600 milhões em recursos ilícitos lavados. Já a Operação Quasar focou em fundos de investimento usados para ocultar patrimônio do crime, com camadas societárias complexas para proteger os verdadeiros beneficiários, incluindo bloqueio de bens de até R$ 1,2 bilhão.

Por fim, a Carbono Oculto cumpriu mais de 350 mandados de prisão e busca e apreensão em diversos estados, mobilizando cerca de 1,4 mil agentes de diversos órgãos, como Gaeco, MP, Polícias Civil e Militar, Receita Federal, ANP e Secretaria da Fazenda paulista. Segundo o MPSP, a facção migrou da ilegalidade para a legalidade ao se inserir na economia formal, adquirindo usinas de etanol, distribuidoras e novos postos, e utilizando lojas de conveniência, padarias e administradoras de postos como instrumentos de lavagem de dinheiro.

Fintechs controladas pelo PCC permitiam contabilidade paralela, movimentando valores entre empresas e pessoas físicas sem identificação dos beneficiários. O esquema, de acordo com especialistas, não apenas provocou prejuízos bilionários à economia, mas também colocou em risco a segurança de consumidores, dado o alto teor de adulteração dos combustíveis.

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