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Agro enfrenta desafio da sucessão familiar e só 30% chegam à segunda geração

Apenas 5% das famílias conseguem fazer a sucessão no campo, em todo o território nacional. A família Salvalaggio, em Campo Alegre de Goiás, mostra que a transição é possível.
Apenas 5% das famílias conseguem fazer a sucessão no campo, em todo o território nacional. A família Salvalaggio, em Campo Alegre de Goiás, mostra que a transição é possível. (Foto: José Airton/Acervo Cocari)

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A sucessão familiar e o esvaziamento das áreas rurais formam um binômio preocupante para o agronegócio brasileiro. O setor registrou um resultado de R$ 2,72 trilhões em 2024 — mais de 24% do PIB nacional — mas a falta de renovação de lideranças no campo ameaça a produção e fragiliza comunidades rurais.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país perdeu cerca de 4,3 milhões de moradores do campo entre 2010 e 2022. No início da década passada, o país tinha 29,8 milhões de habitantes em áreas rurais. Doze anos depois, eram 25,6 milhões.

Ao mesmo tempo, a sucessão familiar enfrenta obstáculos históricos. Apenas 30% das propriedades chegam à segunda geração. Somente 5% ultrapassam a terceira. Os dados do IBGE mostram a fragilidade na transição de comando no agro.

Conforme estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em 2019, os principais entraves incluem a falta de interesse das novas gerações, a gestão complexa das fazendas e os conflitos familiares. A pesquisa se chama “Sucessão dos negócios na agricultura: experiências internacionais e políticas públicas”.

No entanto, o cenário conta com alguns elementos interessantes. Embora muitos jovens ainda enxerguem o campo como um ambiente sem oportunidades, herdeiros rurais têm assumido o desafio. Para esses jovens, a sucessão familiar no agro vai além da posse da terra: representa a transmissão de valores, de visão de futuro e de orgulho pela vida no campo.

“O legado construído no campo não se resume ao patrimônio físico, ele carrega uma herança emocional e cultural que atravessa gerações. O que antes parecia desafio virou plano de vida. Com apoio, educação e confiança, filhos e netos assumem o comando com firmeza”, indica Richard Valandro, coordenador do programa Herdeiros do Campo da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Sistema Faep).

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O desafio de transformar herdeiros em sucessores

Na região de Ortigueira (PR), Osmar Rati mostra como a sucessão familiar é viável. Ele compartilha o dia a dia da fazenda com a esposa, Janete, as filhas Daylle, Danielle e Daiane, e os netos Daniel e Gabriel.

Antes de começar a trabalhar no campo, Rati foi bancário por 22 anos, em Pato Branco (PR). Em 1981, comprou 15 alqueires em Ortigueira. Começou com 10 vacas criadeiras. “Fui comprando mais terra, ampliando o trabalho com o gado. Hoje criamos em confinamento. Produzimos silagem de milho, mas o forte mesmo é com a soja e o trigo”, conta.

Com o tempo, Osmar decidiu preparar a família. “Estou devagarinho passando para as filhas. Tornando-as sucessoras, não só herdeiras. É prazeroso ver a continuidade. O neto mais velho cursa veterinária e já me ajuda na pecuária e na agricultura”, relata.

Todos participam da rotina. “É um amor pelo campo que continuamos passando para as filhas e para os netos. A melhor forma de continuar uma propriedade é ter a família junto", diz o produtor rural.

Osmar Rati envolve filhas e netos nos negócios da família para garantir o futuro da propriedade.Osmar Rati envolve filhas e netos nos negócios da família para garantir o futuro da propriedade. (Foto: José Airton/Acervo Cocari)

Tradição que se renova na sucessão no campo

No norte do Paraná, em Mandaguari, Paulo Campana mantém a mesma terra há quase oito décadas. “Essa propriedade é da minha família há 78 anos. Parece que é uma questão de sangue, sabe? Casei, construí minha casa aqui”, conta ele.

Desde cedo, ele assumiu responsabilidades. “Logo que fiz 18 anos, meu pai começou a passar algumas atividades e compromissos. Hoje transmito conhecimento para toda a família”, compartilha. Por isso, ele aposta no diálogo. “Conversar é o primeiro passo. Diria ao pessoal mais novo que fale com a família, que vá tomando a frente", sugere o agricultor.

Campana é exemplo de que a paixão pela agropecuária é uma herança que passa de pai para filho. "Pra mim, é um orgulho imenso continuar aqui, cultivar as raízes da minha família que estão cravadas nesse lugar. Gosto muito do que eu faço e pretendo continuar fazendo por muito tempo".

A família Campanha possui propriedade rural há quase oito décadas em Mandaguari (PR).Família Campana possui propriedade rural há quase oito décadas em Mandaguari (PR). (Foto: José Airton/Acervo Cocari)

Pioneiros no agro em Goiás avançam na sucessão no campo

A história da família Salvalaggio também mostra o impacto da sucessão familiar no agro. Em 1986, Arlindo deixou Mandaguari com os filhos Sidney, Márcio e Osmar. Eles desbravaram o cerrado goiano e iniciaram uma nova etapa em Campo Alegre (GO).

Atualmente, os filhos tocam os negócios. “Os mais jovens estão pegando firme e demonstrando interesse em continuar nosso trabalho”, diz Arlindo.

Osmar Salvalaggio destaca o pioneirismo da família. “Meu pai era cooperado da Cooperativa Agropecuária e Industrial (Cocari). Adquirimos os primeiros lotes aqui em Campo Alegre. Fomos pioneiros. Viemos desenvolver o cerrado. Aprendemos com meu pai, que havia aprendido com o nosso avô e fomos crescendo”, lembra.

A filha de Osmar é responsável pela administração da contabilidade da fazenda. "Meu pai definiu o papel de cada um dos filhos e repetimos a receita com os nossos; isso é fundamental para a integração dos sucessores", afirma o agricultor.

Outro neto de Arlindo, o jovem Vinícius, também participa do processo de transição, contribuindo com os conhecimentos tecnológicos e de informatização. “Nossos pais e tios nos aconselham. A gente aprende e ensina também. Às vezes, temos mais facilidade com tecnologia e acabamos ensinando", afirma Vinícius Salvalaggio.

Família Salvalaggio: parceria entre gerações traz avanço e tecnologia no campo.Família Salvalaggio: parceria entre gerações traz avanço e tecnologia no campo. (Foto: José Airton/Acervo Cocari)

Cooperativa faz a ponte entre gerações para a sucessão familiar no campo

Nesse contexto, cooperativas como a Cocari têm papel estratégico. Por meio de programas como "Liderança feminina" e "Geração agrojovem", a cooperativa forma herdeiros para assumir negócios com foco em gestão, inovação e cooperativismo.

Na família Rati, os efeitos são visíveis. “Meu pai sempre insistiu que a gente estivesse ao lado dele. Somos só filhas mulheres e estamos recebendo capacitação da Cocari. Recebemos conhecimento para trabalhar na propriedade e dar continuidade na história e no legado que meu pai construiu”, afirma Daylle Rati.

Em Mandaguari, os gêmeos Marcos Vinicius e Carlos Alexandre, de 25 anos, iniciaram o curso Agrojovem. Segundo Paulo Campana, o programa tem sido decisivo na vida dos irmãos.

Na trajetória da família Salvalaggio, o cooperativismo foi decisivo desde o início. “A gente veio do Paraná para Goiás com a Cocari, que sempre foi uma parceira para tudo. As novas gerações estão entendendo que não precisam deixar o campo, que aqui elas podem construir a história e alcançar mais do que conseguimos até hoje”, conclui Osmar Salvalaggio.

O presidente da Cocari, Marcos Antônio Trintinalha, aponta a sucessão familiar como um impulso para o agronegócio. "Nada se perpetua se não houver os sucessores e eles precisam ter o mesmo dinamismo dos que vieram primeiro. Este é o legado que será deixado. Nosso propósito é impulsionar as famílias cooperativistas, os negócios, a sociedade e o meio ambiente, gerando uma cadeia de valor e prosperidade para todos", afirma.

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