
Ouça este conteúdo
Nas últimas duas semanas, os sinais, gestos e falas de praticamente todos os caciques dos partidos do centro para a direita do espectro político são claros. Nos almoços, jantares e eventos públicos e privados com banqueiros, produtores rurais e empresários no eixo Rio-São Paulo, também.
A “Faria Lima” — como é conhecido o grupamento de executivos e funcionários de bancos e fundos de investimento que se concentram na sua maioria na região da avenida paulistana de mesmo nome —, parte importante do empresariado, do agronegócio e os caciques do Centrão sinalizam ter escolhido seu candidato para enfrentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026.
Só falta combinar com a família Bolsonaro e o núcleo duro de apoiadores e eleitores do ex-presidente. Apesar de oficialmente ainda buscar a reeleição estadual, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tem se mostrado cada vez mais disposto a encarar a tarefa.
Soma-se isso ao fato de que o nome de Tarcísio é apontado como o mais viável e competitivo contra o petista em um eventual segundo turno, de acordo com os cenários testados por institutos de pesquisa de intenção de voto recentemente — quando excluído o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até 2030 e seria o principal rival de Lula no pleito do ano que vem.
Lula empataria com Tarcísio e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro em um eventual segundo turno na eleição presidencial de 2026, segundo levantamento do instituto Paraná Pesquisas divulgado nesta semana. De acordo com a sondagem, Lula e Tarcísio têm um empate numérico: ambos com 41,9% das intenções de voto.
Já na disputa com Michelle, o petista teria 42,3% contra 43,4% da ex-primeira-dama — a diferença está dentro da margem de erro de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos, o que configura empate técnico. A pesquisa foi realizada de 17 a 21 de agosto de 2025. Foram entrevistadas 2.020 pessoas com 16 anos ou mais em 26 estados e no Distrito Federal. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais, para mais ou para menos. O intervalo de confiança é de 95%.
Já na pesquisa Quaest, divulgada no final da semana passada, Lula abriu vantagem em relação a julho e supera todos os adversários da direita no primeiro e no segundo turno. As diferenças a favor de Lula são:
- Tarcísio (8 pontos)
- Ratinho Junior (10)
- Bolsonaro (12)
- Michelle (13)
- Romeu Zema (14)
- Eduardo Bolsonaro (15)
- Eduardo Leite (16)
- Ronaldo Caiado (16)
- Flávio Bolsonaro (16).
A pesquisa Quaest foi encomendada pela Genial Investimentos e realizada entre os dias 13 e 17 de agosto. Ao todo, foram ouvidas 12.150 pessoas. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95%.
"40 anos em 4", defende Tarcísio
Do grupo de governadores mais à direita que almejam disputar a presidência da República em 2026, Tarcísio é o preferido da maior parte dos partidos que controlam o Congresso, incluindo o quinteto que integra a Esplanada dos Ministérios de Lula: União Brasil, Progressistas, PSD, MDB e Republicanos.
“Vamos ampliar nossas bancadas de deputados estaduais, de deputados federais, senadores, reeleger e eleger governadores”, afirmou o deputado federal Marcos Pereira, presidente do Republicanos, no início da semana. "Se a conjuntura do país permitir, quem sabe nas próximas eleições nós não teremos um candidato à Presidência da República? Não é, Tarcísio?”, provocou de maneira explícita, em evento de 20 anos do partido.
Na manhã do mesmo dia, em encontro com empresários, Valdemar Costa Neto defendeu que o chefe do Executivo paulista migre para o PL. "Tarcísio já declarou. Eu tive um jantar com ele há um ano e meio atrás e ele falou: Se eu for candidato, eu vou para o PL. Logo depois, num recente jantar com governadores, ele falou na frente de cinco deles: sou candidato a governador, mas se eu for candidato a presidente, eu vou para o PL", afirmou Costa Neto.
“Todos sabem da admiração e respeito que eu tenho pelo governador Tarcísio, que tem sido estimulado a pensar em um projeto nacional. Eu acho que a candidatura do governador Tarcísio pode, sim, provocar uma reflexão no PSD para que a gente possa estar inserido em um contexto de uma candidatura maior. Mas, como ela não existe, hoje o nosso foco é Ratinho Junior (governador do Paraná) e Eduardo Leite (governador do Rio Grande do Sul)”, disse Gilberto Kassab (PSD) no mesmo evento.
Já o próprio Tarcísio, durante mais um encontro com empresários na capital paulista, no início da semana, afirmou: "Não sei qual vai ser o lema de um novo governo, mas eu sei que a gente precisa fazer pelo menos 40 anos em quatro. Isso está muito claro", quando praticamente se colocou como pré-candidato à Presidência, ao lado de Ciro Nogueira (Progressistas-PI), Valdemar Costa Neto e Kassab, alguns dos principais caciques do Centrão.
Eu acho que a candidatura do governador Tarcísio pode, sim, provocar uma reflexão no PSD para que a gente possa estar inserido em um contexto de uma candidatura maior.
Gilberto Kassab, presidente do PSD
Nessa verdadeira “frente ampla” da direita forjada pelo Centrão, já admitem entrar apoiadores de primeira hora do ex-presidente, mesmo que a contragosto. “As movimentações do governador de São Paulo são naturais e compreensíveis, mas é preciso ter clareza: qualquer projeto nacional de 2026 no campo da direita passa, necessariamente, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro”, afirma à Gazeta do Povo a deputada federal Rosana Valle (PL-SP).
A deputada reforça que Tarcísio demonstra disposição para buscar a reeleição em São Paulo em 2026, o que é considerado por ela como "coerente com sua trajetória e mostra compromisso com os paulistas”. "O Centrão e o mercado olham para Tarcísio porque ele representa equilíbrio, capacidade de diálogo e competência administrativa. Isso não o coloca em oposição a Bolsonaro, mas, sim, como parte de um mesmo campo político”, afirma a deputada.
"Obviamente, o nosso candidato até transitado em julgado todo o processo na Suprema Corte, continua sendo Jair Bolsonaro”, afirma à Gazeta do Povo o deputado estadual Tenente Coimbra (PL-SP). "Mas na ausência de nosso líder maior, certamente Tarcísio seria um grande nome, e as pesquisas já mostram isso, inclusive com o aceno do mercado”, afirma o deputado estadual.
Projeto "Tarcísio 2026" precisa combinar com família e núcleo forte de apoiadores a Bolsonaro
Apesar do clima favorável de consenso que vai se formando no espectro político, Tarcísio ainda não conta com o aval de Bolsonaro nem de seu núcleo duro. Antes de ser colocado em prisão domiciliar pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, no dia 4 de agosto, o ex-presidente reafirmava sua disposição de reverter a inelegibilidade e sair candidato à Presidência da República no ano que vem — posição que, pelo menos oficialmente, não mudou até agora.
“A direita tem que se alinhar não em nome de um candidato presidencial, e sim em nome da reconstrução da democracia”, afirma de maneira categórica à Gazeta do Povo o vereador paulistano Adrilles Jorge (União Brasil).
"Todos esses governadores que se colocam como pré-candidatos à Presidência têm que ter vergonha na cara e falar, denunciar com todas as letras esse Supremo Tribunal Federal autoritário e ditatorial”, diz o vereador. “Nesse momento, qualquer posicionamento em relação a um candidato que vá substituir Bolsonaro é uma traição à direita, ao conservadorismo e ao ex-presidente”, opina ele.
O governador de São Paulo tem sido um dos alvos de ataque pelos filhos do ex-presidente. Mensagens trocadas entre o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o pai — reveladas pela Polícia Federal no âmbito do inquérito sobre a influência dos dois no tarifaço de Donald Trump e sanções a ministros do STF por parte do governo dos EUA — mostram que o deputado não confia em Tarcísio e chegou a xingá-lo diversas vezes.
Antes, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) e o próprio Eduardo já haviam criticado Tarcísio e os outros governadores da direita que se colocam como opções para a Presidência em 2026.
O Centrão e o mercado olham para Tarcísio porque ele representa equilíbrio, capacidade de diálogo e competência administrativa. Isso não o coloca em oposição a Bolsonaro, mas sim como parte de um mesmo campo político.
Rosana Valle, deputada federal (PL-SP)
Enquanto intensifica a agenda — e o discurso — para um projeto presidencial e angaria apoios para a empreitada, Tarcísio tem tratado de não entrar em conflito com os filhos do ex-presidente. Ele também aumentou a assertividade dos gestos públicos em apoio a Bolsonaro. No próximo mês de setembro, o ex-presidente começa a ser julgado pelo STF acusado de tentativa de golpe de Estado, o que ele nega. Em caso de condenação, o tempo de inelegibilidade deve aumentar.
"Nós precisamos de pacificação. E o Congresso Nacional tem papel fundamental nessa pacificação. A gente não pode permitir que ninguém tire essa prerrogativa do Congresso", disse Tarcísio nesta segunda-feira, ainda durante o evento do Republicanos.
No final de semana, o governador paulista havia participado da tradicional Festa do Peão de Barretos, no interior do estado, com um boneco inflável de Bolsonaro nas mãos. "A emoção que eu senti quando eu entrei pela primeira vez aqui com o presidente Bolsonaro. Com essa pessoa que fez tudo por mim, que me abriu portas e que está passando por uma grande injustiça”, disse Tarcísio em referência ao ex-presidente.
"Se a humilhação traz tristeza, o tempo vai trazer a justiça e eu tenho certeza que a justiça chegará. A justiça chegará e eu tenho certeza que esse Brasil vai se encontrar com seu futuro, com a sua vocação e a vocação do Brasil é ser grande", completou.
Tarcísio 2026 evidencia pragmatismo do Centrão
"Com Bolsonaro inelegível até 2030, o ex-presidente virou figura de símbolo distante: sua influência permanece, mas o movimento em torno de Tarcísio sinaliza um descolamento”, opina o cientista político Samuel Oliveira.
"O Centrão já olha para frente, pois teme que insistir na anistia e em herdeiros apenas tire força eleitoral. Tarcísio, porém, tenta manter um pé em cada lado. Em outras palavras, se distancia da linha de só apoiar Bolsonaro ao mesmo tempo em que o elogia; seus movimentos eleitorais competem pela herança política do ex-presidente", avalia Oliveira.
Na percepção do cientista político, o maior risco estratégico desse movimento é justamente a percepção de inconsistência. "Se Tarcísio for visto apenas como 'nome de consenso' sem bandeira própria, pode acabar agradando a todos e, paradoxalmente, caindo no vazio para o eleitor. E, do ponto de vista da direita mais radical, ele pode parecer um arranjo de elites, incapaz de mobilizar”, afirma.
VEJA TAMBÉM:





