Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Césio-137

O que o Brasil aprendeu com o maior acidente radiológico do mundo em área civil

Césio-137 radiação Goiânia
Capital brasileira foi palco da tragédia com Césio-137, maior acidente do setor fora de usinas nucleares. (Foto: Imagem criada a partir de fotos do acervo disponibilizado pela Secretaria de Saúde de Goiás utilizando ChatGPT)

Ouça este conteúdo

Em setembro de 1987, a violação de uma fonte de Césio-137, em Goiânia (GO), provocou o maior acidente radiológico já registrado fora de usinas nucleares. As consequências foram agravadas pelo tempo entre o evento e o diagnóstico correto dos sintomas apresentados pelas pessoas que tiveram contato com cloreto de césio. Depois de quase 40 anos, o desastre - que teve início após abertura de um aparelho de radioterapia abandonado - ainda é uma referência nas discussões sobre a segurança dos materiais nucleares e radioativos.

Em 13 setembro daquele ano, dois catadores encontraram o equipamento em um antigo prédio e levaram até um ferro-velho na capital goiana, onde o aparelho hospitalar começou a ser desmontado. Dias depois, o núcleo central foi rompido e os trabalhadores do ferro-velho tiveram acesso ao cloreto de césio.

O pó radioativo chamou a atenção do dono do estabelecimento, que levou o elemento químico para casa com objetivo de mostrar o césio para familiares e amigos. O elemento químico contaminou 20 pessoas em estágio crítico com quadros hematológicos e radiodermites (inflamação na pele), além de quatro mortes em decorrência da radiação.

A Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) foi informada em 29 de setembro de 1987 sobre as pessoas contaminadas com sintomas que, inicialmente, foram confundidos com surtos virais. Antes disso, o Césio-137 se dispersava pelo manuseio direto da fonte de césio, pela comercialização de materiais contaminados e pelos contatos sociais da família do proprietário do ferro-velho.

Segundo o governo goiano, sete áreas foram identificadas como focos da contaminação com necessidade de isolamento das residências. No período de 30 de setembro a 21 de dezembro de 1987, 112,8 mil pessoas foram monitoradas, sendo que 249 pacientes foram identificados com taxas de exposição ao césio.

VEJA TAMBÉM:

Brasil monitora área com 6 mil toneladas de materiais contaminados pelo Césio-137

O físico Walter Mendes Ferreira, ex-coordenador da Cnen, é uma figura central na história do maior acidente radiológico. Ele foi o primeiro a detectar a presença do material radioativo, dando início à complexa operação de resposta.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Ferreira afirma que o acidente em Goiânia foi uma "escola" que trouxe ensinamentos e mudanças cruciais para a segurança radiológica em nível global. Ele lembra que os planos de emergência para resposta imediata em casos de contaminação foram alterados, pois estavam focados essencialmente nos acidentes em usinas nucleares. Em 1986, a Ucrânia registrou o maior desastre nuclear da história após a explosão do reator 4 em Chernobyl.

“O evento no Brasil modificou completamente os aspectos regulatórios, com a Cnen realizando uma varredura nacional e tornando a normativa mais rígida, servindo de referência mundial. Qualquer médico que deseja importar material radioativo, por exemplo, enfrenta procedimentos regulatórios muito rigorosos”, comenta.

O acidente do Césio-137 na capital do estado obrigou o país a adotar um sistema para gestão de 6 mil toneladas de rejeitos contaminados, que foram isolados em um grande depósito no município de Abadia de Goiás. Roupas, sapatos e outros objetos contaminados foram levados para o local.

“O depósito está dentro de um parque ambiental na cidade que fica próxima a Goiânia. Isso é único no mundo por sua localização e segue em constante monitoramento, sem riscos”, explica o físico.

Ferreira ressalta que os protocolos de fiscalização e descarte dos equipamentos também foram alterados após o desastre de 1987, que teve início justamente pelo abandono do aparelho com a célula radioativa. “O risco de um acidente similar hoje é muito menor, pois os equipamentos de radioterapia não utilizam mais fontes de Césio-137”, completa.

Em nota, a Secretaria da Saúde de Goiás esclarece que a atuação da vigilância sanitária — nos níveis municipal, estadual e federal — está concentrada na fiscalização e licenciamento de estabelecimentos que utilizam fontes radioativas com fins médicos, como clínicas de radioterapia ou serviços de medicina nuclear. Durante as inspeções, o órgão verifica se os transportes das fontes radioativas foram realizados por empresas autorizadas pela Cnen, além de outras condições de segurança.

VEJA TAMBÉM:

Poder público paga pensão e acompanha tratamento de radioacidentados   

Há mais de 30 anos, o Centro Estadual de Assistência aos Radioacidentados Leide das Neves monitora a população que foi exposta ao Césio-137. Segundo o relatório da entidade - que homenageia a menina de seis anos que morreu por contaminação radioativa em 1987 - quase 1,1 mil pessoas foram acompanhadas em 2023. Filhos, netos e bisnetos do grupo de pessoas com contaminação comprovada também estão entre os assistidos.

Segundo o órgão, o monitoramento permite analisar a situação de saúde dos radioacidentados e oferecer atendimento clínico com a equipe formada por médicos, enfermeiros, psicólogos e dentistas. Em 36 anos, 182 pacientes cadastrados foram a óbito, sendo que 142 homens e 40 mulheres.

As pensões dos radioacidentados são previstas por leis estaduais aprovadas em Goiás e pela lei federal 9.425/1996, com valores entre R$ 950 e R$ 1,9 mil. De acordo com o centro de apoio, 653 pessoas recebem pensões estaduais, 335 são beneficiários de pensões federais e 205 recebem ambos os benefícios. Essas leis concedem pensão vitalícia a pessoas comprovadamente expostas ao Césio-137, mediante processos administrativos ou judiciais e perícias médicas.

O físico Walter Mendes Ferreira ressalta a necessidade do suporte psicossocial como resposta imediata aos desastres por causa da “psicorradiofobia”, expressão que ele utiliza para descrever o medo do câncer e outros impactos psicológicos nos envolvidos com a tragédia do Césio-137.

Ferreira, que integrou a equipe responsável pela resposta após o desastre em Goiânia, enfatiza a necessidade de ser transparente e informar a população o que está sendo feito para resolver a situação em momentos de crise. “Foi um aprendizado vital sobre a importância da comunicação. O sistema de informação é essencial para impedir o pânico do público durante emergências”, avalia. 

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.