Defasado há mais de um século, o modelo previdenciário de Santa Catarina tem rombo estimado em R$ 6,1 bilhões em 2023. Para estancar o déficit, o governo do estado elaborou um projeto de lei complementar que modifica o atual sistema, a partir da implementação de uma segregação de massa. Na prática, os servidores serão divididos em dois grupos. Os atuais e os que ingressarem no funcionalismo até o fim deste ano vão compor o SC Seguro. Os novos servidores, com início das atividades a partir de 2024, participarão de um regime de capitalização, chamado de SC Futuro.
“Estamos segregando as massas para ter equilíbrio dos servidores novos e uma previdência equilibrada do ponto de vista financeiro”, explica o presidente do Instituto de Previdência de Santa Catarina (Iprev), Vânio Boing, que ressalta: a mudança é apenas em relação ao modelo e não altera direitos dos servidores e regras de concessão de aposentadoria.
Atualmente, Santa Catarina adota o sistema de repartição simples, em que todos os servidores contribuem mensalmente para um fundo financeiro e esse dinheiro é repartido entre os aposentados e pensionistas, que somam 75 mil. Para esse modelo funcionar, são necessários cinco servidores ativos para financiar um inativo. No entanto, o estado tem 60 mil funcionários, ou seja, 0,8 ativo para cada 1 aposentado, o que torna o sistema insustentável.
A defasagem do atual modelo se explica pela mudança demográfica, de acordo com o professor da área de ciências jurídicas da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Rodrigo de Carvalho. “Até determinado momento histórico, entre as décadas de 1950 e 1980, por exemplo, a taxa de natalidade era bastante elevada, tinha pessoas ingressando no mercado de trabalho formal e contribuindo para o sistema e não tinha uma população idosa tão avançada. Mas no Brasil e no mundo, a pirâmide etária foi achatada na base (que registra nascimentos) e aumentando no topo (que mostra população mais idosa)”. Entre os censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 e 2022, a população com 60 anos ou mais cresceu 80% em Santa Catarina, enquanto a mais jovem, entre zero e 14 anos, registrou aumento de apenas 4%.
Do ponto de vista demográfico, ressalta o professor, a reforma está sendo feita de forma tardia, “mas tem que ser feita em algum momento, e o estado está tomando essa iniciativa de entender que, se não mexer em tempo hábil, esse déficit só vai crescer.” Para, ele, a única forma de solucionar o rombo do sistema previdenciário atual, provocado por essa mudança populacional, “é saindo do regime de repartição para regime de capitalização, que nunca vai haver déficit, porque o benefício está relacionado ao saldo de poupança do servidor”, explica o professor.
Esse regime de capitalização é o SC Futuro, proposto pelo governo do estado em um projeto de lei complementar de número 31/2023 e encaminhado à Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) em 13 de novembro. O texto, que foi lido em plenário no último dia 22 e está apto para ser analisado pelas comissões, tramita em regime de urgência. “A expectativa é de que seja deliberado pela Assembleia em meados de dezembro para que entre em vigor a partir de 2024”, diz o presidente do Iprev.
SC Futuro: benefício será proporcional à contribuição durante o período de trabalho
Se o projeto for aprovado na Alesc, os servidores que ingressarem no estado a partir de 2024 passam a contribuir para um sistema de capitalização, uma espécie de conta bancária, que vai render durante toda sua vida laboral. “Não há déficit nesse modelo, porque o benefício será proporcional ao que o servidor contribuir durante o tempo de trabalho”, resume o professor. Pensamento que é corroborado pelo presidente do Iprev: “esse plano de capitalização já nasce com equilíbrio financeiro, porque a contribuição patronal (do estado) e dos servidores novos vai ser investida no mercado”.
O benefício da aposentadoria, portanto, está atrelado ao saldo da conta: quanto mais o servidor contribuir, maior será seu fundo previdenciário. É o montante dos rendimentos acumulados na conta que garante a aposentadoria no futuro e também a pensão dos dependentes, explicam.
Mensalmente, os servidores pagam 14% do salário para a aposentadoria, enquanto o estado contribui com 28% em um teto estimado em R$ 7,5 mil. Aqueles que ganham mais do que esse valor podem optar por contribuir com um percentual maior, com a adesão patrocinada na Fundação de Previdência Complementar do Estado de Santa Catarina (SCPrev). O presidente da instituição, Célio Peres, explica que, nesse sistema, tanto servidor quanto estado contribuem com alíquota de 8% cada com base na parte do salário que ultrapassa o teto.
“Em uma remuneração de R$ 10,5 mil, por exemplo, o servidor paga 14% e o estado 28% para o Iprev com base nos R$ 7,5 mil, que é o teto do INSS. Os outros R$ 3 mil que sobram, por exemplo, o servidor pode contribuir com 8% e o estado com mais 8%”, diz. Além disso, quando esse servidor entrar em gozo do benefício na SCPrev, o estado não tem comprometimento, seja com pagamento da aposentadoria, seja com repasse das contribuições. “A partir do momento da aposentadoria, não existe mais participação do governo e do servidor”, resume.
A estimativa do governo estadual é que entre 5 e 10 anos o fundo de capitalização tenha volume razoável de recursos para demonstrar que o sistema de capitalização é viável. No entanto, a insuficiência financeira continuará, aponta o presidente do Iprev, devido ao sistema de repartição simples, que tende a se extinguir, em no mínimo 50 anos, “a partir do momento em que ocorrer a diminuição dos servidores, com falecimento das pessoas”.
Imóveis ajudarão a reduzir déficit da previdência em Santa Catarina
Atualmente, o déficit do sistema previdenciário é quitado com recursos do tesouro estadual. O professor da Univali Rodrigo Carvalho ressalta que esse dinheiro deveria ser utilizado para políticas públicas que beneficiassem a população, como saúde e educação, mas que o governo deixa de investir esse recurso que se transforma em despesa financeira do estado, com pagamento de aposentadorias e pensões.
Para estabilizar a insuficiência financeira do modelo atual, o estado aposta em um programa de investimento imobiliário. “A iniciativa deve estabelecer os dispositivos legais que permitam a criação do Fundo Imobiliário do Estado, além da permuta por edificações e concessão de imóveis do governo”, explica a Secretaria de Estado da Administração em nota. O texto ressalta, ainda, que o governo “não está se desfazendo ou abrindo mão dos seus imóveis e sim tornando seu patrimônio fonte de investimento e os tornando fonte contínua de recurso.”
O governo de Santa Catarina tem cerca de 3,4 mil imóveis. Desses, aproximadamente 2,8 mil já foram mapeados e avaliados em quase R$ 18 bilhões. No entanto, a secretaria não informou quantos desses imóveis serão utilizados para cobrir o déficit da previdência em Santa Catarina.
Isenção na contribuição
O projeto de lei complementar para a alteração no sistema de previdência de Santa Catarina também propõe medidas para reduzir a carga de contribuição de aposentados e pensionistas de forma escalonada. Em 2021, esse grupo passou a contribuir com alíquota de 14% a partir de um salário mínimo (R$ 1.320). A proposta é de que a partir de 2024 esse piso passe para dois salários mínimos; em 2025 para dois salários e meio; até chegar em 2026 e estabilizar o desconto somente a partir de três salários mínimos.
“Os aposentados e pensionistas contribuem com 14% a partir de um salário mínimo. (Com a mudança) vai sobrar mais dinheiro no final de mês para quem ganha menos”, resume o presidente do Iprev.
Paralelamente, o projeto de lei complementar 4/2023, de autoria do deputado Fabiano da Luz (PT), busca extinguir a contribuição previdenciária de 14% de aposentados e pensionistas do funcionalismo público estadual que supere um salário mínimo nacional. Na última terça-feira (21), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alesc aprovou a proposta, que agora segue para as comissões de Finanças e Tributação e de Trabalho, Administração e Serviço Público.
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