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Um ano depois do maior desastre climático do Rio Grande do Sul, o governo gaúcho liberou cerca de 95% das estradas estaduais, o aeroporto Salgado Filho retomou a operação e o Guaíba voltou a obedecer às margens do lago em Porto Alegre (RS), mas os empresários gaúchos ainda lutam contra os obstáculos impostos pela força da natureza.
Segundo informações da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), cerca de 15% dos CNPJs ainda operavam abaixo de 30% da capacidade no último mês de março, indicativo de que as coisas não voltaram ao normal e que há muito a ser feito para a retomada plena da economia gaúcha.
De acordo com a entidade, o prejuízo industrial estimado com a catástrofe climática foi de R$ 14 bilhões, segundo o Banco Mundial, a partir de dados coletados pela Unidade de Estudos Econômicos da Fiergs. “A enchente de maio de 2024 afetou demais a indústria do Rio Grande do Sul, que ainda hoje, um ano depois, ainda tenta se recuperar. Além da lamentável perda de mais de 180 vidas de gaúchos, na época, a enchente atingiu 63% das empresas”, aponta o presidente do Sistema Fiergs, Claudio Bier.
O prejuízo industrial estimado com a catástrofe climática foi de R$ 14 bilhões no Rio Grande do Sul.
A sede da entidade, localizada no bairro Sarandi, em Porto Alegre, continua com obras de recuperação após ficar inundada. A gestão do governador Eduardo Leite (PSDB) afirma que já investiu quase R$ 7 bilhões, por meio das ações do Plano Rio Grande (PRG), distribuídos em diferentes áreas de atuação, desde o apoio emergencial às famílias atingidas pelas chuvas até a reconstrução de infraestruturas, como rodovias, pontes e sistemas de abastecimento de água e energia.
Porém, o setor produtivo alerta que existem pontos de riscos iminentes na infraestrutura do estado. Outra reivindicação é a necessidade de suporte aos empresários e autônomos para recuperação da economia gaúcha.
Indústrias sofrem com “apagão” em cidades encolhidas um ano após tragédia no RS
O presidente da Fiergs, Claudio Bier, relata que a tragédia climática ainda provocou o êxodo de moradores do Vale do Taquari por causa da destruição de casas e da infraestrutura básica com consequências para o setor industrial. O encolhimento das cidades atingidas causa um “apagão” de mão de obra para ocupação das vagas de empregos. O Vale do Taquari foi uma das regiões mais afetadas pelas enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul.
O “apagão” também impede que as indústrias em recuperação financeira cumpram o requisito de manutenção e ampliação dos quadros de trabalhadores exigidos para empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em condições especiais para as empresas do Rio Grande do Sul. “Muitas indústrias atingidas estão enfrentando dificuldades involuntárias para atender a esse requisito, o que tem levado os bancos repassadores a interromper linhas de crédito ou aplicar juros mais elevados, agravando a situação dessas empresas”, explica Bier no pedido encaminhado ao presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
A Fiergs ainda argumenta que o Rio Grande do Sul encerrou 2024 com uma taxa de desemprego de 5,2%, um dos menores patamares da série histórica, o que limita a disponibilidade de mão de obra para recomposição imediata dos quadros. “Estamos preocupados com o risco de muitas indústrias perderem condições diferenciadas de empréstimos junto ao BNDES por não conseguirem cumprir a regra de manter ou ampliar o número de colaboradores. As indústrias não são culpadas. Há fatores como a economia em retração que impedem o cumprimento desta regra neste momento”, justifica Bier durante entrevista à Gazeta do Povo.
A entidade solicitou ao BNDES que reavalie a aplicação da cláusula pela impossibilidade temporária de recomposição dos quadros de empregados. “Acreditamos que essa flexibilização não apenas preservará empregos no médio e longo prazo como garantirá que os recursos emergenciais cumpram seu propósito de reconstrução sustentável do parque industrial gaúcho”, diz o documento encaminhado ao governo Lula.
Autônomos têm dificuldades para retomada um ano após tragédia no RS
Na avaliação de um ano da tragédia o presidente da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Luiz Carlos Bohn, pontua que o desastre climático ainda repercute na economia e na vida dos gaúchos, principalmente na Região Metropolitana de Porto Alegre e nos vales do estado.
“Ainda tem muita coisa a ser reconstruída. Foram 95 municípios que tiveram decretada a situação de calamidade, que respondem por mais da metade da economia do Rio Grande Sul, 54% do PIB [Produto Interno Bruto]. Além disso, 60% do setor de serviço foram atingidos”, analisa. Bohn acrescenta que o setor de serviço foi o mais prejudicado da economia, superando o comércio e outras estruturas.
Segundo o presidente da Fecomércio-RS, os trabalhadores autônomos que prestam serviços como cabeleireiros, barbeiros, massagistas e outros profissionais que atendem em microempresas foram os mais atingidos. “Muitas dessas pessoas ainda não voltaram ao local de trabalho e não estão prestando o serviço.”
O governo gaúcho disse que vai destinar R$ 4,7 milhões aos microempreendedores do Vale do Taquari, por meio do programa estadual “MEI RS Calamidades”. De acordo com o estado, a primeira parcela do benefício de R$ 1,5 mil foi pago para 2.130 MEIs de 20 municípios do Vale do Taquari e Alto Taquari, totalizando mais de R$ 3,1 milhões na região.
Por outro lado, Bohn afirma que o comércio reagiu após a catástrofe e fechou o ano com crescimento de 9,3%, sendo que o setor no Brasil registrou alta de 3,7%. Mas o presidente da Fecomércio argumenta que o aumento das vendas ocorre em decorrência da própria destruição causada pelas enchentes.
“Houve uma enorme quantidade de recursos para recompor o patrimônio destruído. É natural que após catástrofes se tenha um gasto maior, o que provoca aumento nas vendas no comércio. Isso foi muito robusto, quase três vezes mais do que a média brasileira”, informa.
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“Não podemos negligenciar a proteção contra as chuvas”, afirma presidente da Fecomércio
O presidente da Fecomércio alertou que os investimentos para estruturas de contenção das cheias passaram a ser essenciais para a capital gaúcha e demais municípios atingidos. Ele lembrou da histórica enchente de 1941 em Porto Alegre, que foi superada mais de 80 anos depois pela tragédia climática de 2024.
“Nós temos que entender que a enchente que levou 80 anos para chegar virá novamente em algum tempo. Não se sabe quando. Não podemos negligenciar a construção desses equipamentos de proteção contra as chuvas, como diques, casas de bomba e comportas para segurar uma inundação”, ressaltou Bohn.
O presidente da Fiergs, Claudio Bier, ressaltou a importância das negociações entre os governos federal e estadual para formar um fundo de investimentos com as parcelas da dívida do Rio Grande do Sul com a União para viabilizar obras de infraestrutura e prevenção. “É preciso reforçar a proteção frente a novos eventos climáticos. Assim, o investimento em dragagens e a construção de novas barragens são considerados fundamentais”, completa.
Um ano após a tragédia no RS, industriais cobram infraestrutura e concessão de ferrovias
O presidente da Fiergs também destacou a necessidade de soluções definitivas na infraestrutura rodoviária do estado, além das medidas de reconstrução das estradas atingidas pelas chuvas no ano passado. Os investimentos tornam o setor industrial mais competitivo com menor custo de logística no transporte de cargas.
“A recuperação da infraestrutura estadual é responsabilidade do poder público. À Fiergs cabe monitorar, acompanhar e cobrar as providências dos governantes. Mesmo assim, em algumas localidades, por ações da iniciativa privada, trechos de estradas e pontes, como no Vale do Taquari, são recuperados com apoio da comunidade, doações de empresários e de entidades empresariais”, comenta Bier.
Dos quase 4 mil km de ferrovias operados pela Rumo no RS, menos da metade funcionava antes da tragédia climática. Após as chuvas, apenas 921 km estão em condições de uso.
No final de 2024, o governo gaúcho lançou a modelagem da concessão de rodovias do bloco 2, localizadas no Vale do Taquari e região norte do estado. Os investimentos previstos em sete estradas são estimados em R$ 6,7 bilhões para 30 anos de concessão da malha rodoviária de 414 quilômetros de extensão, que passa por 32 municípios gaúchos.
Bier ainda ressalta a necessidade de investimentos nas ferrovias, que sofrem com a falta de manutenção, sendo que o estado de conservação foi agravado pelas enchentes. “Nossas ferrovias, que estavam sucateadas, agora estão destruídas. Defendemos uma nova concessão”, completa.
De acordo com o governo do Rio Grande do Sul, dos quase 4 mil quilômetros de ferrovias operados pela Rumo, menos da metade funcionava antes da tragédia climática. Após as chuvas, apenas 921 quilômetros estão em condições de uso. O governo gaúcho estima que o custo para reconstrução, considerando adaptações a mudanças climáticas, pode chegar a R$ 9,9 bilhões, abrangendo toda a extensão de rodovias afetadas.
O custo mínimo seria de R$ 3 bilhões, com obras de correção e liberação dos pontos atingidos. O governador Eduardo Leite anunciou investimento de R$ 1,2 bilhão em obras de resiliência climática em estradas e pontes, que incluem 11 rodovias. As obras devem ser iniciadas durante o ano com prazos de conclusão entre 12 e 24 meses.
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