Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Região Sul

Cota para pesca de tainha imposta pelo governo Lula ameaça tradição artesanal

Cota para importação de sardinha
Após críticas do agro, governo anuncia cota para importação de sardinha com imposto zero (Foto: Ricardo Wolffenbüttel/Governo de Santa Catarina)

Ouça este conteúdo

Uma normativa do governo federal para a pesca da tainha nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, para a safra 2025, tem limite estabelecido em 6.795 toneladas, com base na avaliação de estoque mais recente da espécie, feita em 2023. A justificativa é a preservação do peixe, que estaria sob risco de extinção. A novidade deste ano é a cota para a pesca de arrasto, uma das mais tradicionais do litoral catarinense.

A partir da definição do governo Lula (PT), a Secretaria de Pesca e Aquicultura de Santa Catarina sinalizou que vai à justiça. “Foram quatro reuniões em Brasília e não conseguimos avançar nas negociações. Não podemos deixar o pescador a remo ficar sem pescar. Nunca existiu isso em Santa Catarina, não temos outro caminho a não ser a judicialização da questão. O governo federal colocou cota para esta modalidade somente para o pescador de Santa Catarina, discriminando nosso pescador e nosso povo”, afirma o secretário estadual Tiago Bolan Frigo.

A pesca de arrasto é feita com uma rede lançada a partir da praia, depois estendida por uma canoa a remo, com no máximo cinco pessoas embarcadas. A rede é puxada de volta para a faixa de areia, com a ajuda de moradores locais, que se unem à atividade. Entre 20 a 60 pessoas podem ajudar no arrasto.

Pesca da tainha é patrimônio do estado catarinense.Pesca da tainha é patrimônio do estado catarinense. (Foto: Ricardo Wolffenbüttel/Governo de Santa Catarina)

“É uma pesca social. Toda faixa etária pode participar. É a cultura da captura artesanal, onde cada um que colabora recebe um peixinho. Pelo menos 20 mil pessoas praticam esse tipo de pesca em nosso estado”, explica Ivo da Silva, presidente da Federação dos Pescadores do Estado de Santa Catarina (Fepesc).

O setor pesqueiro de Santa Catarina atua com outras duas modalidades voltadas à tainha. No emalhe anilhado, os pescadores utilizam redes que se fecham no momento da captura, com anilhas, para impedir que os peixes fujam. Na pesca cerco traineira, as redes são lançadas para cercar cardumes, por grandes embarcações. A atividade acontece em um curto espaço de tempo, em que é possível capturar uma grande quantidade de peixes.

VEJA TAMBÉM:

Última safra da tainha rendeu 2 mil toneladas para o mercado interno de SC

A safra da tainha de 2024 rendeu mais de duas mil toneladas em Santa Catarina. As cidades que mais pescaram o peixe foram:

  • Florianópolis (445 mil tainhas)
  • Bombinhas (327 mil tainhas)
  • Balneário Camboriú (55 mil tainhas).

Com o emalhe anilhado o resultado foi de 737,7 toneladas com 123 embarcações autorizadas. Na modalidade cerco traineira foram 384 toneladas, por meio de oito embarcações autorizadas e, no arrasto de praia, a captura totalizou 1,7 mil toneladas.

Os peixes são distribuídos no mercado interno, que abastece restaurantes, peixarias e supermercados. Além disso, a ova da tainha é um dos principais produtos de exportação da pesca catarinense.

“Além de movimentar a economia, a tainha faz girar o turismo. Em 2024 foram capturados peixes com maior tamanho que a média histórica, tainhas com mais de quatro quilos”, disse o secretário Tiago Bolan Frigo.

A portaria do Ministério da Pesca e Aquicultura para a safra que inicia em 1º de maio e termina em 31 de dezembro definiu em Santa Catarina o limite de 600 toneladas para a modalidade cerco traineira; 970 toneladas para o emalhe anilhado; 1,1 mil toneladas para o arrasto de praia e 1.725 toneladas para o emalhe costeiro. A prática do arrasto era a única que até agora não havia recebido restrição com cotas específicas, na quantidade de captura dos peixes.

A Fepesc alega que o arrasto já possui limitações naturais, que minimizam o impacto nos estoques de tainha. “São canoas de um pau só, movidas a remo, que não ultrapassam 800 metros da praia - isso limita a captura”, aponta o presidente da federação estadual.

Em 2018, o Ministério da Pesca e Aquicultura adotou limitação para controlar a captura artesanal, com o emalhe anilhado. Em 2023, a pesca industrial foi proibida pelo órgão do governo federal durante toda a safra, para garantir a sustentabilidade da tainha. No ano passado foram definidas cotas da seguinte forma: 480 toneladas para a pesca industrial de cerco traineira, de 1º de junho a 31 de julho; 586 toneladas para a pesca artesanal de emalhe anilhado, de 5 de maio a 31 de julho.

A Fepesc reivindica que a cota para a pesca artesanal com redes de emalhe anilhado seja aumentada para pelo menos 1,2 mil toneladas. Quanto a pesca de arrasto, a federação é mais incisiva. “Não há negociação. Não é possível ter cota nenhuma. Não vai compensar ao pescador colocar o barco na água”, afirma o presidente da Fepesc, Ivo da Silva.

A luta dos pescadores para a manutenção da pesca da tainha passa de 10 anos. Para a Fepesc, as normas seguem em restrições crescentes, podendo levar a atividade ao término. Em 2017, a pesca de emalhe anilhado foi garantida por uma liminar. A portaria daquele ano foi muito restritiva, tendo inclusive critério de sorteio para a liberação de licenças.

Não há negociação. Não é possível ter cota nenhuma. Não vai compensar ao pescador colocar o barco na água.

Presidente da Fepesc, Ivo da Silva, sobre a pesca de arrasto

Então, em 2019, a Fepesc foi novamente à justiça, para garantir que a portaria que disciplina anualmente a atividade fosse publicada até 1º de março, possibilitando tempo hábil para o pescador se adequar às normas e providenciar a devida licença para a pesca. A federação teve êxito com sentença na 6ª Vara da Justiça Federal de Florianópolis, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e no Superior Tribunal de Justiça. Foram vários recursos da União, prevalecendo a decisão favorável à Fepesc. O caso ainda não transitou em julgado.

VEJA TAMBÉM:

Pesca da tainha é patrimônio de SC

A pesca artesanal da tainha é uma tradição de origem indígena “aprimorada” pelos primeiros açorianos, que aportaram na costa catarinense entre 1748 e 1756, reconhecida e registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Santa Catarina, conforme o Decreto Estadual 2.504/2004. Três comunidades que realizam a modalidade também solicitaram o seu reconhecimento à Fundação Catarinense de Cultura, com base no referido decreto: Campeche em Florianópolis, Bombinhas e Barra de Laguna, onde ocorre a pesca com o auxílio de botos.

Um documento foi protocolado junto ao Ministério da Pesca, pela fundação, apontando a necessidade do cumprimento do decreto. “É inadmissível e inaceitável que se estabeleça uma cota de pesca, justo para o pescador artesanal do nosso estado. Seu jeito respeitoso de pesca em pequena escala, sem agredir o habitat natural, merece um olhar respeitoso, que traga segurança aos pescadores, garantindo a continuidade da antiga e digna profissão do homem do mar”, resume o ofício, assinado por Maria Teresinha Debatin, presidente da fundação.

VEJA TAMBÉM:

Cota para pesca também afeta o estado do RS

Pescadores de tainha no Rio Grande do Sul ficaram assustados com as cotas impostas à pesca na Lagoa dos Patos. A atividade é liberada de janeiro a maio e de outubro a dezembro, para 3,2 mil pescadores licenciados. Em 2025, a pesca tem restrição para 2,3 mil toneladas.

“Em 2024 tivemos a pior enchente já registrada no Rio Grande do Sul, ainda não nos recuperamos, essa restrição é o fim da nossa atividade”, afirma Bianor Tissot, de uma colônia de pescadores em São José do Norte, no extremo sul do Rio Grande do Sul. Tissot conta que na família dele cinco gerações se dedicaram à pesca de tainha e que prepara os filhos para a sequência.

“Se entrar em vigor essa cota e a fiscalização for rigorosa, ninguém mais vai trabalhar, vai acabar a profissão de pescador”, desabafa. Em nota, o Ministério da Pesca e Aquicultura e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima apontaram que o debate com o setor produtivo vem sendo realizado desde 2023, em diferentes fóruns, quando foram coletadas todas as demandas do setor.

Os encontros foram encerrados em fevereiro. A portaria com as definições para 2025 foi publicada no último 28 de fevereiro.

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.