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O Brasil entrou na mira de multinacionais que buscam ampliar ativos em mineração. Nos últimos anos, gigantes estrangeiras compraram minas de ouro por aqui. Elas reforçaram a internacionalização e a concentração do setor - o Canadá lidera o "novo ciclo do ouro".
Três fatores explicam esse movimento: o subsolo guarda grandes reservas, o marco regulatório é estável e o ouro se valoriza com a crise global. Em junho, a onça troy (31,1 gramas) superou US$ 3,3 mil pela primeira vez. Grupos estrangeiros agem rápido: compram ativos prontos e entram operando.
Além disso, especialistas enxergam um vácuo. Falta capital nacional para sustentar projetos de longo prazo. “Boa parte do mercado da mineração nacional é feito por empresas transnacionais. A gente não tem capital nacional para investimento em exploração mineral. O ouro continua sendo da União, mas explorado por empresas brasileiras financiadas com capital estrangeiro, ou mesmo por empresas estrangeiras”, explica o presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB-DF, Frederico Bedran.
O risco afasta o investidor brasileiro: a pesquisa mineral custa caro, dá retorno lento e exige paciência. “A cada mil anomalias - características geológicas ou geoquímicas que se desviam do padrão normal e podem indicar a presença de recursos minerais -, geralmente apenas 100 merecem ser pesquisadas e, dessas, apenas dois projetos que podem ter potencial. Na mineração de ouro isso leva de cinco a 10 anos, para o projeto produzir e trazer retorno. Por isso o capital acaba vindo de fora”, explica Julio Nery, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Maior mina de ouro de Goiás é vendida para multinacional
Nesse cenário, um caso se destaca. A AngloGold Ashanti vendeu a Mineração Serra Grande (MSG), em Crixás (GO), para a canadense Aura Minerals. O negócio saiu por US$ 76 milhões. A mina produz 2,5 toneladas de ouro por ano e mantém mais de 1,6 mil empregos, segundo relatório da antiga proprietária.
Na prática, a MSG é a quarta maior produtora de ouro do país, de acordo com o Ministério de Minas e Energia. Em 2024, a mina entregou 80 mil onças — o equivalente a 2,5 toneladas. Essa quantidade daria para fabricar 250 mil alianças de casamento de 10 gramas.
Adicionalmente, o contrato prevê 3% sobre os lucros líquidos da fundição da reserva atual. A planta tem capacidade de processar 1,5 milhão de toneladas de minério por ano. O negócio ainda depende de aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Além da Serra Grande, outras grandes mineradoras, como Aclara Resources, Appia Rare Earths, CMOC e Lundin Mining vêm apostando em Goiás para a instalação de novas plantas, impulsionando o crescimento do setor e posicionando o estado como referência nacional. "O governo de Goiás tem atuado junto às mineradoras e está desenvolvendo a política mineral estadual por meio da criação do Plano Estadual de Recursos Minerais, que norteará o setor pelos próximos 20 anos”, afirma o secretário estadual de Indústria, Comércio e Serviços, Joel de Sant’Anna Braga Filho.
Grupo chinês compra mina de ouro e cobre em Alagoas
A China também acelera seus negócios em terras brasileiras. Em abril, a estatal Baiyin Nonferrous comprou a Mineração Vale Verde (MVV), em Craíbas (AL), por US$ 420 milhões — cerca de R$ 2,35 bilhões. Desde então, a Baiyin enviou 18 carregamentos de minério à China. Os lotes incluíram ouro, prata e cobre.
No último ano, a MVV produziu 8,2 mil onças equivalentes de ouro e gerou cerca de 1,1 mil empregos diretos. A compra marcou a estreia do grupo chinês no Brasil - atua também no Peru e na África do Sul.
Com a mineração, Alagoas virou um polo exportador. Desde 2021, a MVV movimentou 300 mil toneladas de concentrado e respondeu por 28,2% das exportações do estado. Os envios seguem para China, Finlândia, Índia e Polônia.

A presença de grandes grupos impulsiona a arrecadação, cria empregos e pressiona por infraestrutura. “O ouro é uma commodity limitada. Na mineração mundial, 52% é usado para joias, 2% para tecnologias e o restante para ativo financeiro. No Brasil, o ouro é embarcado em barras. A mineração por si só gera um movimento interessante na economia. Além das taxas, gera emprego. A riqueza é gerada aqui na própria extração e produção mineral de ouro”, diz o geólogo e advogado Frederico Bedran.
O Ibram defende a presença de capital estrangeiro. “É a liberdade econômica. Não há problemas com a origem do capital se são respeitadas as regulamentações do país, em questão ambiental, social e de impostos. É como com as montadoras de automóveis. Estão no Brasil, o capital tem origem estrangeira, é trabalhado aqui e gera riquezas aqui. Em áreas remotas, como onde se encontram as minas, é uma oportunidade de desenvolvimento, economia e infraestrutura”, diz o diretor do instituto.
Brasil está entre os 10 maiores produtores de ouro do mundo
Dados da The Gold Bullion Company, empresa britânica especialista em compra e venda de ouro, mostram que o Brasil ocupa o 7º lugar no balanço mundial entre oferta e demanda de ouro. O ranking é liderado por Índia, Turquia e China.
De acordo com dados do Ibram, em 2024 o Brasil produziu 90 toneladas e exportou R$ 3,96 bilhões em ouro, equivalentes a 61,9 toneladas do metal. O Canadá se destacou como principal destino, absorvendo R$ 1,84 bilhão — ou 46% do total exportado.
A tendência de crescimento se intensificou em 2025. No primeiro quadrimestre do ano, o país registrou um aumento de 59,94% no valor e 19,28% no volume exportado, em comparação ao mesmo período do ano anterior, conforme o ComexStat, o sistema de divulgação de estatísticas do comércio exterior no Brasil.
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