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São Paulo (SP) foi palco, nesta segunda-feira (14), da abertura da "Masterclass de Liberdade de Expressão”, evento realizado em parceria pelo Instituto Sivis e pela Faculdade Belavista. A iniciativa, que se estende até quinta-feira (17), busca desenvolver nas novas gerações a compreensão profunda de um dos pilares mais importantes da democracia.
O encontro, que reuniu principalmente estudantes dos cursos de Direito e Economia da Faculdade Belavista, evidenciou a aposta do Instituto Sivis na parceria como forma de incentivar que uma nova safra de profissionais compreenda a relevância e as nuances do debate sobre liberdade de expressão.
Durante a noite, a percepção predominante foi a de que, para avançar nesse tema, é essencial analisar exemplos históricos, adequar o discurso de forma abrangente e entender a melhor maneira de utilizar a tecnologia como aliada na construção do futuro da liberdade de expressão.
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A abertura do evento foi conduzida por Jamil Assis, diretor no Instituto Sivis, e Glaucia Noguera, head de alunos da Faculdade Belavista. Assis apresentou o recém-lançado Centro Voxius, programa formal do instituto dedicado a apoiar a sociedade brasileira na defesa da liberdade de expressão, por meio de monitoramento, produção de evidências e qualificação do debate público.
Glaucia Noguera, por sua vez, enfatizou que, ao projetar a Faculdade Belavista há cinco anos, a liberdade de expressão e a defesa da democracia foram pilares centrais, com a ambição de torná-la o “principal centro de estudos humanísticos do país”. Ela destacou a metodologia diferenciada da instituição, como o programa de mentorias que visa formar “grandes pessoas” antes de grandes profissionais, e o método do caso (inspirado em Harvard), que estimula o protagonismo dos alunos e a “tomada de decisão com critérios bem informados”.
Um momento de interação com o público marcou uma dinâmica que questionou os presentes no evento sobre temas controversos, como a criminalização do discurso de ódio e a responsabilidade de plataformas por conteúdos de terceiros.
Assis apresentou dados preliminares de uma pesquisa a ser divulgada pelo Instituto Sivis sobre as universidades brasileiras. Revelou que quase metade dos estudantes universitários (47,7%) evita discutir assuntos controversos em sala de aula, um “sinal claríssimo de autocensura generalizada”.
Também apontou que mais da metade (50,6%) reluta em discordar publicamente de um professor sobre temas políticos controversos, indicando um “constrangimento claro” diante da autoridade docente.
Jacob Mchangama alerta para recessão global da liberdade de expressão
O ponto alto da noite foi a participação do advogado dinamarquês Jacob Mchangama, considerado uma referência mundial na análise de liberdade de expressão. Fundador do projeto The Future of Free Speech, ele levou à masterclass um panorama global e histórico sobre o que chamou de “recessão da liberdade de expressão”.
Para ele, o paradoxo atual é evidente: embora nunca tenha tido tantas ferramentas para acessar e compartilhar informações, governos ao redor do mundo têm expandido restrições e mecanismos de censura, inclusive em democracias consolidadas. Mchangama destacou a importância de se utilizar tecnologias e discursos de forma estratégica. Relembrou exemplos históricos para mostrar como o sucesso de movimentos que expandiram liberdades esteve ligado à comunicação eficaz.
Comentando sobre a atuação de Martinho Lutero à frente da Reforma Protestante, Frederick Douglass contra a escravidão nos EUA e Mahatma Gandhi contra o colonialismo na Índia, o advogado conclui: “Se você quer que uma ideia ressoe, precisa comunicar de forma simples, acessível e poderosa.”
Também alertou que o poder das tecnologias digitais vem sendo revertido por regimes autoritários para vigilância em massa e censura, além de encontrar ameaças também em países democráticos por meio de legislações que, embora visem combater desinformação, acabam restringindo a liberdade de expressão. “Se você quer criar um sistema autoritário, a coisa mais importante é controlar o fluxo de informação, suprimir o dissenso e dominar a esfera pública”, exemplificou.
Em determinado momento, Mchangama se revelou "chocado" por descobrir a condenação do comediante Léo Lins no Brasil. "Acredito que a liberdade de expressão inclui o direito de se levantar e ir embora do clube em que ele estiver se apresentando. Ou até de escrever algo crítico contra ele. Mas mandá-lo para a prisão por oito anos é algo muito exagerado", cravou.
"Isso vai além do que está acontecendo na Rússia, onde você encontra comediantes também sendo punidos por leis de discurso de ódio. Mas lá as pessoas vão para a prisão por somente um ano, talvez."
Para Mchangama, a defesa mais sólida da liberdade de expressão está na construção de uma cultura cívica de tolerância e diálogo, e não apenas em legislações. “A tecnologia é uma ferramenta poderosa”, afirmou, “mas cabe a nós usá-la para ampliar vozes, e não para silenciá-las.”
A masterclass continua nos próximos dias e deve trazer um aprofundamento nos marcos jurídicos brasileiros e debates sobre desinformação e discurso de ódio. O evento se encerrará na quinta-feira, com o lançamento do livro “Liberdade de expressão: de Sócrates às mídias sociais”, de Jacob Mchangama.
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