
Ouça este conteúdo
Sete anos após o incêndio que devastou grande parte de seu acervo, o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) inicia uma nova fase ao apresentar a programação temporária “Entre gigantes: uma experiência no Museu Nacional”. Pela primeira vez desde a tragédia de 2018, o público pode ter acesso a três ambientes internos da sede do museu, o histórico Paço de São Cristóvão, que segue em obras de reconstrução.
Até o dia 31 de agosto, a proposta convida os visitantes a testemunhar os avanços no restauro do palácio. Entre os destaques estão o icônico meteorito Bendegó, um dos poucos itens que resistiram às chamas, e o esqueleto de um cachalote de 15,7 metros de comprimento, afixado na nova claraboia do edifício. Este mamífero é considerado a maior baleia com dentes do mundo - foi o que inspirou "Moby Dick", clássico da literatura escrito por Herman Melville.
Apesar do entusiasmo, Ronaldo Fernandes, diretor adjunto técnico-científico do Museu Nacional, explica que o termo “reabertura” pode criar expectativas equivocadas. “A gente prefere não usar a palavra ‘reaberto’, porque dá a impressão de que o museu ficará aberto de forma permanente, e não é o caso”, afirma à Gazeta do Povo.
Essa limitação se deve ao fato de que o projeto de reconstrução ainda está na metade, com previsão de término para 2028. “Ainda faltam três anos para concluir a reconstrução do palácio”, explica. A necessidade de fechar o espaço para continuidade das obras impede uma abertura definitiva neste momento.
Fernandes trabalha no museu desde 1997 e viveu de perto a tragédia. “O incêndio destruiu a vida de muita gente”, recorda. Ele destaca que o museu é unidade de ensino e pesquisa da UFRJ. “Muita gente perdeu coleções científicas, anotações, perdeu tudo”, diz.
Ainda assim, segundo ele, o apoio da universidade, de órgãos como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, e de colegas que ofereceram espaço para os afetados foi fundamental para a continuidade dos trabalhos e o início da reconstrução.
A reconstrução e os desafios financeiros
O custo total estimado para o restauro do museu é de R$ 516,8 milhões, dos quais R$ 347,2 milhões já foram captados. Entre os parceiros do projeto “Museu Nacional Vive” estão a UFRJ, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e o Instituto Cultural Vale. Além disso, um apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, por exemplo, chegará a R$ 100 milhões em recursos não reembolsáveis.
Apesar do ritmo de trabalho ser considerado “excelente” pelo diretor Alexander Kellner, o museu ainda faz apelos por doações. A meta é reabrir o palácio histórico dentro do prazo estimado – abril de 2026 para o primeiro bloco e 2028 para a reabertura total.
No ano passado, em entrevista à Agência Brasil, Kellner alertou para a necessidade de captar R$ 50 milhões até novembro e mais R$ 45 milhões até fevereiro seguinte, sob risco de paralisação das obras. Mesmo conseguindo os investimentos, isso evidencia como o espaço ainda tem muito em jogo.
Considerando isso, Fernandes destaca a importância da união de esforços, independentemente de bandeiras políticas. “É um conjunto de ações. O Museu Nacional representa a nação como um todo. Para mim, é natural que tanto a iniciativa privada quanto o governo participem da reconstrução”, afirma.
Durante a gestão do ex-presidente Michel Temer, o governo correu com a construção do telhado provisório logo após o incêndio. Outra doação importante nos primeiros dias após a destruição foi uma no valor de 1 milhão de euros pelo governo da Alemanha, usada majoritariamente no resgate de objetos das ruínas.
Doações da sociedade ampliam o acervo do Museu Nacional
A recomposição do acervo tem sido impulsionada por doações significativas. O diretor adjunto técnico-científico do Museu Nacional destaca a variedade dessas contribuições. “Tem um caso muito interessante de um brasileiro que morou na África, acho que nos anos 1980, e montou uma coleção própria de arte etnológica que foi doada para a gente”, exemplifica.
Ele menciona também a doação do cantor e compositor Nando Reis. “Um dos músicos do Titãs, o pai dele tinha uma coleção grande de conchas, que foi doada.” Essa coleção foi iniciada em 1966 pelo pai do músico, José Carlos Galvão Gomes dos Reis, e ampliada com exemplares que Reis trouxe de viagens pelo Brasil e exterior.

Após a tragédia inspirar a doação da família, professores e curadores do setor de malacologia (ramo da zoologia dedicado ao estudo dos moluscos) do Museu Nacional viajaram até o interior de São Paulo para buscar as peças, que se somam aos esforços de reconstrução da coleção de moluscos, quase totalmente perdida no incêndio.
Outras doações, como o esqueleto de cachalote e o manto Tupinambá (doado pelo Museu Real da Dinamarca), exigiram investimentos do próprio Museu Nacional em transporte e montagem. “A gente teve que pagar o transporte e a montagem do cachalote, que não é algo trivial”, explica Fernandes. Para o manto, foi necessário instalar uma câmara refrigerada especial, viabilizada com patrocínio privado, conta o diretor.
Incêndio destruiu 90% do acervo do Museu Nacional
O incêndio de 2 de setembro de 2018 destruiu cerca de 90% do acervo. Na época, a Polícia Federal concluiu que o fogo começou em um aparelho de ar-condicionado. “Perdemos toda a coleção de etnologia, que reunia materiais dos povos originários do país inteiro. A coleção de entomologia, composta por insetos, também foi totalmente destruída – eram vários milhões de exemplares”, lamenta Fernandes. A biblioteca, por estar em prédio separado, foi preservada.
Em alguns departamentos, as perdas foram menores. “É mais fácil falar do que sobrou”, diz Fernandes. “Por exemplo, meu departamento, o de invertebrados, ficou intacto. O de botânica também. A maioria das coleções de invertebrados sobreviveu.”
Um trabalho intenso de resgate recuperou mais de 10 mil itens. “Peças de metal resistiram melhor. Pedras e cristais, por exemplo, sobreviveram ou foram modificados pelo calor – alguns cristais mudaram de cor”, detalha Fernandes. “Uma parte significativa dos fósseis também sobreviveu, porque são materiais rochosos.”
Esses itens modificados devem integrar futuras exposições que terão como foco o incêndio. A ideia será apresentar as peças danificadas ao lado de itens semelhantes em melhor condição.
O futuro: eventos ajudarão na captação de recursos
Os próximos passos até 2028 incluem captar R$ 170 milhões adicionais e concluir a construção de estruturas essenciais, como o Anexo Alípio de Miranda Ribeiro, que abrigará maquinário e sistemas utilitários. Graças a um estudo da equipe de arqueologia, as fachadas estão sendo restauradas com o mesmo tom de cor utilizado na época do Império, enquanto os andares internos são reerguidos.
A cada ano, o museu planeja abrir mais espaços ao público. “Estamos organizando outro evento como este para o ano que vem, na época do aniversário do museu, em julho. A expectativa é mostrar mais em 2026 do que em 2025. Mas a abertura total ainda não será possível antes de 2028”, projeta Fernandes.
Essas aberturas temporárias são essenciais para captar recursos. “Sempre que fazemos um evento assim, chamamos atenção do público e da imprensa”, diz Fernandes. Isso reforça o apoio de patrocinadores e mobiliza a sociedade para reconstruir uma das mais importantes instituições culturais e científicas do país.
VEJA TAMBÉM:








