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Maior parte dos mandados foi cumprida no Paraguai, mas líder do esquema de tráfico de armas está foragido.
Maior parte dos mandados foi cumprida no Paraguai, mas líder do esquema de tráfico de armas está foragido.| Foto: Divulgação/Polícia Federal

De pistolas a fuzis e metralhadoras calibre 50: uma megaoperação nacional, batizada de Dakovo, revelou nesta semana um esquema que colocou no centro das atenções o argentino Diego Hernan Dirísio. A ação contou com cooperações internacionais que se estenderam da América do Sul, aos Estados Unidos e à Europa.

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Agora foragido da Justiça, Dirísio é considerado o maior contrabandista de armas da América do Sul e o maior fornecedor de equipamentos e munições, de diversos calibres, para o crime organizado brasileiro, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). A companheira de Dirísio, uma modelo paraguaia que é investigada no esquema, também está foragida. Os nomes deles constam na lista de difusões vermelhas na Interpol.

No esquema do tráfico de armas não se observava rivalidade entre os grupos criminosos, aponta a investigação. Eram negócios bilionários envolvendo arsenais capazes de derrubar aeronaves, protegidos por conivência e envolvimento diretos de oficiais das forças armadas paraguaias que trabalhavam contra o Estado para facilitar a entrada, o transporte e a venda dos materiais bélicos.

A articulação do crime pode ter o Brasil como rota não só para saída e distribuição das ferramentas de guerra do Paraguai, mas para entrada dos carregamentos no país vizinho, apesar deste não ter sido alvo nestas apurações recentes.

Um acordo comercial entre os dois países prevê que produtos importados ou exportados do país vizinho não precisem passar por inspeções minuciosas nas bases alfandegárias. Um trabalho desenvolvido pela Polícia Federal (PF) vinha identificando rotas, como o Porto de Paranaguá, para o despacho de armamentos ilegais, geralmente em partes ou fragmentados, que cruzam o estado do Paraná em contêineres, pelas estradas, vão ao Paraguai e então chegam às mãos de criminosos no Brasil.

Armas fabricadas na Europa eram vendidas na fronteira

A base operacional do fornecedor alvo da operação era Assunção, capital paraguaia, mas as armas compradas na Europa seguiam para a fronteira com o Brasil, a partir de onde eram comercializadas às facções criminosas. Dali, entravam em transporte terrestre por Foz do Iguaçu (PR), Guaíra (PR) e em cidades de fronteira no Mato Grosso do Sul, a depender do destino das armas e da estrutura de fiscalização montada em cada região.

O tráfego de armas com venda considerada segura no país vizinho contava com a colaboração de militares ligados à Dimabel, órgão responsável pelo controle, registro e fiscalização de armas no Paraguai. Levantamentos da polícia apontaram que havia agentes envolvidos em todo o processo, recebendo propina para não fiscalizar a entrada e a rota dos carregamentos em solo paraguaio, facilitando a chegada e a venda na fronteira.

Na lista de quem recebia propina aparecem os nomes de um general que atuou como diretor da Dimabel; um coronel encarregado do Departamento de Registro Nacional de Armas (Renal) do órgão oficial; uma tenente que operava na Assessoria Jurídica do Registro Nacional de Armas (Renar) da Dimabel; uma capitã que estava na chefia das importações; e um ex-comandante da Força Aérea do Paraguai, suspeito de intermediar o contrabando.

Em três anos, tráfico de armas alcançou R$ 1,2 bilhão e 43 mil equipamentos

Era da capital paraguaia que o argentino Diego Hernan Dirísio comandava a IAS, empresa de comércio de armas responsável pelos carregamentos aos criminosos brasileiros, segundo investigação da PF. O esquema calculado em R$ 1,2 bilhão culminou na entrada de ao menos 43 mil armas para facções brasileiras, somente nos últimos três anos.

As investigações revelavam ainda que, com a conivência dos agentes e oficiais da segurança pública paraguaia, a maior parte das importações ao país vizinho era considerada "regular" com a atuação de oficiais “que esquentavam as importações”, de acordo com uma das fontes ligadas à apuração.

Rastreamento do império foi possível a partir de armas apreendidas na Bahia em 2020

As investigações policiais que levaram ao desmantelamento da organização criminosa iniciaram há três anos, com uma apreensão de armas em Vitória da Conquista (BA). Dois suspeitos estavam com 23 pistolas e dois fuzis de origem croata. No período que se apuravam os fatos foram tiradas de circulação 659 armas em pelo menos 67 apreensões ligadas ao grupo nos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Ceará.

Em muitas das apreensões, as armas estavam com a numeração raspada, mas em algumas delas a PF conseguiu recuperar dados dos registros, em uma apuração considerada extremamente técnica e complexa. Para o resultado da operação, as cooperações internacionais foram o diferencial: teve o envolvimento dos Estados Unidos e de países da Europa que apareciam como principais fornecedores do armamento além de, mais tarde, uma cooperação com o próprio Paraguai, onde grande parte dos mandados foi cumprida.

As investigações revelaram que apenas pistolas entravam inteiras em território nacional, entre as armas que abasteciam o crime organizado brasileiro. As demais geralmente ingressavam fragmentadas para serem montadas somente no destino final, dificultando a fiscalização e a apreensão.

Entre os possíveis itens de fornecimento ao grupo estava um carregamento com 82 armas - 75 pistolas e 7 fuzis - escondidas em um caminhão que transportava suínos e apreendido em meados deste ano na região norte do Paraná, numa ação conjunta entre a Polícia Militar e a PF. Todas as apreensões eram comunicadas à PF na Bahia, que coordenou as investigações e a deflagração da mais recente operação.

As armas eram adquiridas na Europa e tinham como destino países da América do Sul. O principal comprador era o argentino Diego Hernan Dirísio, que comandava o negócios nos países do entorno. A empresa de IAS sediada em Assunção era responsável pela importação de armas e munições dos fabricantes europeus na Croácia, Turquia, República Tcheca e Eslovênia.

Polícia identificou local onde eram suprimidos números de série das armas que iam para o tráfico

A apuração e deflagração da operação pela PF que mirou o tráfico de armas contou com a parceria de Ministério Público Federal, Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai, Ministério Público do Paraguai, Força-Tarefa Internacional de Combate ao Tráfico de Armas e Munições (Ficta) e Secretaria Nacional de Segurança Pública).

Na operação da última terça-feira (5) foram expedidos 25 mandados de prisão preventiva, seis ordens de prisão temporária e 54 mandados de busca e apreensão no Brasil, Paraguai e Estados Unidos. Entre esses últimos, 17 foram em território nacional, 21 no Paraguai e 16 não cumpridos por serem em locais considerados com efeito colateral incontrolável.

Dos 25 mandados de prisão preventiva expedidos, 8 eram para o Brasil, sendo cinco cumpridos no dia da operação (três são considerados foragidos), 15 mandados de prisão no Paraguai (12 cumpridos e três foragidos) e dois mandados de prisão nos EUA, que não foram cumpridos por não ter havido tempo hábil para expedição, de acordo com a lei daquele país.

Dos seis mandados de prisão temporária, um era para o Brasil e cinco ao Paraguai - apenas um foi cumprido. Houve ainda 21 difusões vermelhas na Interpol de pessoas consideradas procuradas pela Justiça. Foram bloqueados R$ 66 milhões em bens, direitos e valores no Brasil.

“Essa ação com o Paraguai fará com que as duas maiores facções brasileiras, que eram destinatárias principais dessas armas ilegais, tenham o fechamento dessa via logística para a realização dessas operações”, prometeu o ministro da Justiça, Flávio Dino. Ainda de acordo com Dino, a operação desta semana ocorreu em consonância com outras no enfrentamento ao crime organizado, focadas em estados como São Paulo - onde nasceu o PCC, Rio de Janeiro - base do CV e outros estados com presença constante dos grupos criminosos, como Paraná e Mato Grosso do Sul, que ficam na fronteira com o Paraguai.

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