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120 anos de atraso

Prevista desde a anexação do Acre, ponte Brasil-Bolívia trava após promessa do governo Lula

Ponte rio Mamoré, em Guajará-Mirim, entre o Brasil e a Bolívia.
O projeto é de uma ponte que pretende ligar Brasil e Bolívia com abertura de rota logística a partir da fronteira em Rondônia. (Foto: Marcio Ferreira/Ministério dos Transportes)

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A ponte internacional sobre o rio Mamoré, na fronteira entre o Brasil e a Bolívia pela BR-425, em Guajará-Mirim (RO), faz parte do portfólio das grandes obras da infraestrutura nacional que jamais saíram do papel. O governo Lula prometeu iniciar a obra prevista desde a assinatura do Tratado de Petrópolis, no ano de 1903, que anexou o território do Acre ao Brasil em uma solução diplomática para o então conflito com o país vizinho.

O projeto foi anunciado pela administração federal petista entre as obras que constam como promessa por meio do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas a propaganda mais recente teve um resultado antigo: a licitação foi suspensa em setembro do ano passado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeita de irregularidades no resultado. A obra binacional prevê uma travessia com extensão de 1,22 quilômetro e largura de 17,3 metros.

Segundo o TCU, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) eliminou o Consórcio Mamoré do certame pela falta de comprovação da execução de ao menos uma obra de ponte. A empresa - que apresentou a melhor proposta para a obra, orçada em R$ 430 milhões - alega que o Dnit violou as regras estabelecidas pelo edital.

O TCU acatou parcialmente a representação e determinou o retorno do processo à fase de julgamento das propostas. Um recurso foi apreciado pela Corte em fevereiro deste ano e o assunto ainda deve ser discutido pelo colegiado. O processo estava na pauta da sessão do TCU da última quarta-feira (25), mas foi adiada para apreciação na sessão agendada para esta quarta-feira (2).

Assim, ainda não existe previsão para o início da obra que integra o acordo entre Brasil e Bolívia, assinado no início do século 20, com articulação do Barão de Rio Branco. Além da ponte internacional, o Tratado de Petrópolis estipulou o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas pelo território do Acre e a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, que ficou conhecida como a “ferrovia do Diabo”, por causa das dificuldades das obras na selva amazônica entre 1907 e 1912, durante o auge do ciclo da borracha. A ligação por trilhos entre a capital Porto Velho (RO) e Guajará-Mirim foi desativada na década de 1970.

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Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente da Frente Parlamentar Brasil-Bolívia, deputado federal Coronel Chrisóstomo (PL-RO), lembrou que o projeto de construção da ponte, na ligação com a cidade boliviana de Guayaramerín, foi resgatado em 2019 durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo Ministério da Infraestrutura, que era comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), atual governador paulista. Depois disso, o governo petista conseguiu incluir a obra na previsão orçamentária, via PAC.

Chrisóstomo ressalta que após o fim do ciclo da borracha e da castanha, a Região Norte brasileira ficou ainda mais carente dos investimentos em infraestrutura para viabilizar a logística necessária à atração de indústrias e empresas. Sem emprego e renda, a população sofre com impactos sociais e o desenvolvimento regional permanece estagnado.

Para entrar nos trilhos, a economia da região - que já esteve ancorada na ferrovia Madeira-Mamoré - espera há décadas pela rota de saída para o oceano Pacífico, por meio da construção da ponte binacional. Segundo o deputado federal, o objetivo é conectar a produção do Norte do país e de parte dos estados do Centro-Oeste com os portos chilenos.

Transporte de caminhões entre Brasil e Chile é intenso sem alternativa mais robusta sob trilhos. (Foto: Luciana Cristo/Gazeta do Povo)

“Essa saída é a mais viável, pois as altitudes no Peru também impactam na logística de cargas. Para a ligação com o Chile, ainda falta o asfaltamento de cerca de 400 quilômetros de estradas na Bolívia. Com a ponte concluída, o Brasil pode fazer uma parceria com o governo boliviano para viabilizar as obras, pois o lado brasileiro vai ganhar muito com a rota para o Pacífico”, defende o presidente da frente parlamentar.

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Segundo o presidente da Frente Parlamentar Brasil-Bolívia, o atraso centenário da ponte binacional afastou investidores da cidade de Guajará-Mirim e os empreendedores suspenderam os projetos de instalações de indústrias e empresas após décadas de espera pela estrutura.

O município foi fundado a partir do desenvolvimento econômico almejado pela região com as obras de infraestrutura previstas pelo Tratado de Petrópolis, entre elas a ferrovia Madeira-Mamoré e a ponte para ligação entre o Brasil e a Bolívia. A realidade econômica e social mudou nas últimas décadas e resultou no êxodo da população pela falta de empregos e de serviços básicos na fronteira, além do aumento da violência e do tráfico de drogas, de acordo com o parlamentar.

“Os empresários que se prepararam foram embora, acharam outros rumos. Muitas famílias que foram para lá com expectativas ficaram desoladas e abandonaram Guajará-Mirim. As pessoas sequer venderam as próprias casas, deixaram tudo para trás”, relata Chrisóstomo.

No início de junho, ele se reuniu com o ministro do TCU Aroldo Cedrez, relator do processo para liberação da obra da ponte binacional, e cobrou celeridade no julgamento por causa dos impactos econômicos e sociais na região e pela degradação dos municípios na fronteira entre o Brasil e a Bolívia.

Procurado pela Gazeta do Povo, o Dnit confirmou que o processo de contratação da empresa para elaboração dos projetos e para execução da obra segue suspenso até a decisão do TCU: “A licitação foi objeto de questionamentos junto ao Tribunal de Contas da União, que determinou a suspensão do certame, resultando na paralisação temporária do processo. Atualmente, o Dnit aguarda o julgamento do processo pelo tribunal.”

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