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A resolução que reconhecia práticas tradicionais de matriz africana como complemento ao SUS no Rio de Janeiro foi revogada pelo prefeito Eduardo Paes (PSD), na última terça-feira (25). A Prefeitura do Rio confirmou a informação à Gazeta do Povo nesta quarta (31).
O motivo do cancelamento, segundo a prefeitura, é “o entendimento de que saúde pública é realizada baseada em ciência”. “A revogação parte do princípio de que o Estado é laico e não deve misturar crenças religiosas em políticas públicas de saúde”, acrescentou a prefeitura.
O documento que reconhecia oficialmente práticas como oferendas e a consulta com benzedeiras tinha sido publicado no Diário Oficial, no dia 19 de março, pelas secretarias de Saúde e Meio Ambiente.
A decisão não citava estudos científicos sobre a eficácia das práticas. Em vez disso, mencionava “a equidade, a integralidade e a transversalidade, e o dever de atendimento das necessidades e demandas em saúde dos povos tradicionais de matriz africana."
O documento também se respaldou em normativas do Conselho Nacional de Saúde e do Ministério da Saúde reconhecendo métodos alternativos de promoção da saúde.
Entre as práticas reconhecidas "como equipamentos promotores de saúde e cura complementares e integrativas ao SUS" estavam:
- Banhos de ervas;
- Defumação (incluindo o uso de incenso para a "purificação do ambiente");
- Benzedeiras (“mulheres que utilizam água, óleos essenciais e ervas ancestrais com preces que conectam a espiritualidade e o humano”);
- Chás;
- Escalda pés, descrita como uma “solução com água, sal, ervas e óleos essenciais para os pés”;
- Ebó/Sacudimento/Sakamene/Sukulu Mpemba, apresentadas como “limpezas realizadas no corpo e nos ambientes” com “velas água, defumação, ervas, alimentos, especiarias, favas pós”;
- Bori/Amaci/Ngudia Mutue/Tá/Kudia kua Mutuê, que o documento descreve sucintamente como práticas de “oferenda de comidas/alimentos à cabeça”.
De acordo com a resolução, o programa tinha como objetivo o apoio a entidades religiosas ligadas ao candomblé e outras crenças de origem africana.
Entidades africanas criticam revogação
A Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) criticou a revogação da resolução e avaliou a decisão como um “ataque ao respeito”. Em nota, nas redes sociais, a entidade cobrou respeito aos “avanços nas políticas de saúde para os povos de terreiro”.
De acordo com a Renafro, a medida da prefeitura “ignora diretrizes nacionais importantes e representa uma desconsideração das práticas ancestrais, desrespeito à luta contra o racismo religioso e um retrocesso nas políticas de equidade”.
Já o fundador e coordenador do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro), o advogado e doutor em Direito Hédio Silva Júnior declarou ao O Globo que pretende acionar a Justiça para reverter o caso, se a prefeitura não apresentar uma justificativa plausível. Segundo ele, a entidade quer saber a base jurídica para a revogação e entender se a “motivação tem a ver com intolerância e racismo religioso”.
“Neste caso, o prefeito pode ser responsabilizado, inclusive por improbidade administrativa. Os indícios são robustos de discriminação religiosa, porque não faz sentido publicar uma resolução e, após seis dias, dizer que ela é ilegal. Isso deveria ter sido objeto de análise antes da publicação. Se, em 15 dias, o município não responder, vamos recorrer ao judiciário”, disse.
Silva classifica os argumentos apresentados pela prefeitura como inconsistentes e preconceituosos. “O prefeito não é obrigado a aprovar resolução. Mas aprovar e revogar com essas justificativas, isso já não pode”, acrescentou.
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